terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3517: Pensar em Voz Alta (Torcato Mendonça) (17): Está-me a faltar a "memória colonial"

Pensar em voz alta


Torcato Mendonça


ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo (1968/69) e
Ex – Militar Preguiçoso; Guerra e Paz e outras Questões



Talvez nem seja “ Um Pensar em Voz Alta”. Digamos, ser mais a constatação de que me está a falhar a “memória colonial”.

Eu esclareço. Melhor, tento esclarecer: sinto dificuldade em escrever, ou através da memória, relatar acontecimentos de uma parte do meu passado. Depois há um quase despir, uma exposição pública de acontecimentos e sentimentos outrora vividos.
Claro que vistos com os “olhos” de hoje, cortando aqui e acolá, não relatando tudo. Ainda o nome, o verdadeiro nome, o dar a conhecer-me em excessivo protagonismo. Mau, bom, nem mau ou bom? Efectivamente não sei. Talvez dispensável, na forma como o tenho feito. Curiosamente chegam ecos e isso desagrada. Efeitos da época do ano!? Ou deixar andar e continuar. Talvez seja preferível assim.

Por isso:
Hoje quando me levantei, oito horas, mais minuto menos minuto, estava um frio dos diabos. Ainda por cima aquela hora é madrugada para mim.

Sabia ter trabalhos urgentes e fui à agenda. Perseguem-me, há muitos anos, tais objectos, mudando logicamente de ano para ano. Porventura, no berço em vez de pandeireta brincava com uma agenda. São elas que determinam muito dos meus dias. Curiosamente, os meus suportes de “memória colonial” são dois objectos desses, milagrosamente sobreviventes ao tempo e ás andanças.

Hoje, ainda por cima em madrugada gelada, lá fui eu e confirmei as tarefas. Não gostei. Ainda por cima numa 2ª feira, dia de caminhar pausadamente. Depois de “tratar” de mim para enfrentar o vento frio da manhã e antes de sair abri o blogue (vicio ou hábito repetido quotidianamente). Antes de começar o dia – zás, blogue e gmail …. Achei engraçado o post sobre o proselitismo. Ainda por cima escrito pelo nosso camarada Beja Santos. Antes de ler fui fazer um café de “plástico” e, calmamente, enquanto beberricava a mistura de arábica ou robusta mais aditivos, devorei a prosa. Copiei a informação.
Geralmente, aqueles posts com muita informação guardo-os, bem como outros com determinada informação. Eu gosto. Outros parecem que não. Haja Deus. Ainda bem que não gostamos todos do mesmo.
Mas parei a reflectir sobre a minha “escrita” para o blogue. Ia escrevendo ou anotando com a “velha” pena e o tempo passou rápido. Atrasei-me.
Agora teclo, resumidamente, aquele amontoado de palavras. Mas cada vez sinto mais dificuldade em “escrever”, em sentir a descrição daqueles acontecimentos. Ou será por não os descrever completamente?
As “Estórias do José “pararam em Fá Mandinga, aonde o malandro do José se acoitou, e ficaram por lá (1).

Já fiz duas ou três tentativas para o fazer sair. Vãs tentativas! Mas tem que sair. Só que, por vezes, vejo-o tão bem instalado…Falo com ele, promete, qual político, mas cumprir nada! Políticos! Perdão, gente que não quer trabalhar… ou, mesmo suportando veementes apelos para trabalhar, parece sentir que perdeu a memória de “guerreiro de fim de império”. Esgotou-se ou será amnésia temporária? Esperemos que seja a ultima ou, isso sim, preguiça!

Depois sinto haver algo mais importante. Leio e gosto imenso de muitos e variados posts ou textos. Até pela sua diversidade temática: - da culinária, à introdução da G3, da cópula de um senhor Sargento a virar bebé, ou um Comandante de Batalhão a mostrar a eficácia do bem varrer (à vassoura…) e tantos, tantos outros que, certamente no futuro serão determinantes para se compreender a Guerra Colonial para mim, do Ultramar para outros e, curiosamente de Libertação para alguns. Há cada uma…

Apesar disso há assuntos que gostava de tratar. Melhor, talvez ver tratados por outros. Um exemplo ou dois: - a introdução da G3. Parece ter ficado tal assunto melhor esclarecido. Pessoalmente lembro-me de em 1961, quando ainda recebia instrução com a Mauser e Manelicher, terem vindo as G3 e as FN. Se foram ou não para a Guiné desconheço. Só as vi, se bem me lembro. Um parêntesis: podem questionar sobre a minha idade. Tinha 16 (dezasseis anos). Outras vidas. Tal assunto da G3 ficou esclarecido. Isso é que interessa.
Melhor ainda, outro, mais importante, está esclarecido por quem, de certeza aqui ou desde que se saiba quem tal afirma, ser, alguém incapaz de contrastar: o nosso Camarada Mário Dias. São Homens de Vidas e memórias importantes.

Gostei. A Fling existiu! Agora pode é não valer a pena tratar, neste blogue, da história da “chamada luta de libertação”. Íamos longe e infringíamos regras. Até se podia (não pode) falar de um ataque ou algo de semelhante á casa do Presidente da Guiné-Bissau. Ou de eleições e outros assuntos. Mas…

Preocupa-me mais o Povo afável e bem disposto daquele País. Tenho aqui um recorte do DN: - a história, breve, de Amadu Candé, 28 anos, Guineense da zona de Bafatá. Tentou durante 16 meses emigrar clandestinamente, por cinco vezes para a Europa. Foi sempre preso em Espanha.
Quantos “Amadus”, quantos africanos sofrem, esperam e desesperam para sair de sua Terra? Pensam erroneamente encontrar fora de África o direito a viverem uma vida mais digna. Contudo é lá, no seu Continente, no seu País na sua Terra que podiam encontrar o direito a uma vida melhor.

Porque não então? Só levemente: - porque alguns dos seus dirigentes têm fraca qualidade ou preferem actuar…não se pode criticar? Ponto!

Só lá? Claro que não! Há dias, sábado "Expresso", uma referência a um Povo que “não se governa nem se deixa governar”…com outra conjugação verbal…

Voltava ainda ao proselitismo e questionava: quantos prosélitos (católicos claro) haveriam, houve ou haverá na Guiné?

Quando lá cheguei, passado um tempo, disse para mim mesmo: o que andámos nós a fazer por esta terra durante cinco séculos?

Tanta questão…Penso em Voz Alta…penso e vai ou não pelo ciberespaço….vidas…
Ontem arquivei o texto. Falei sobre África com quem não conhece guerra lá ou noutro lado. Pessoa de paz, de saber, de querer e gostar conhecer o que se passa naquele Continente e neste nosso Mundo. Valeu a pena. Falar com amigos, vale sempre a pena. Aquele é especial e aprendo. Continuo e quero continuar a aprender. Ainda sou um jovem e mesmo que não fosse…
Hoje rebusquei este texto devido ao post do Mário Dias e nota do Luís Graça.
Termino fazendo uma pergunta:
- Onde estava você no 25 de Novembro…?
__________

Notas de vb:

1. As páginas do Zé Maria estão a meu cargo. Não estás esquecido, caro Torcato.

2. Da série em

5 comentários:

Anónimo disse...

É por estas e outras escritas que tenho vergonha de contar as minhas vivências.
Boa malha. Venham mais.
Jorge Félix

Luígi disse...

Eu também sinto um aperto na garganta, mas um dia destes é dia...

António Matos disse...

Caro Torcato,
Perante este teu texto, e se dúvidas houvesse, tinhas entrado directo para o panteão dos escritores lúcidos que têm a coragem de se levantar às 8 horas da madrugada e se põem a escrevinhar para irem ordenando o trabalho de transposição para o blogue !
Felizmente que cada um de nós é diferente do outro e com o nosso particular vamos batalhando a aculturação que se impõe ...
Eu não sofro para escrever, e não faço rascunhos. Tem vantagens e inconvenientes.
Desde logo a vantagem é permitir uma produção maior, se bem que menos profunda, menos elaborada, mais sentida com o coração na boca.
A grande desvantagem é a incapacidade para rever a prosa e readaptá-la a um raciocínio que não foi, para todos os efeitos, o genuino.
Durmo 3 a 4 horas por noite e levanto-me sistematicamente às 6 da manhã.
Em princípio, não sonho com a Guiné nem com aqueles tempos.
Hoje preocupo-me mais com a vilanagem que grassa neste nosso Portugal.
Com os gangues de jovens que lamento não terem tido o açaime da guerra para se comportarem com
mais dignidade e menos violência.
A culpa é da sociedade ?
É um slogan que me parece estafado pois em todas as épocas a sociedade foi ocasionadora da evolução, da criatividade, do conflito de gerações !
O problema reside, a meu ver, na crise de autoridade instituída !
Essa sim, trouxe a alteração de comportamentos e o exército talvez tenha grandes responsabilidades no resvalar da juventude para a libertinagem !
Não foi impunemente que há 33 anos, fazem hoje, houve responsáveis deste país que deram os primeiros passos na redefinição do estatuto social das forças armadas.
Goste-se ou não, recordemos Ramalho Eanes no pós 25 de Novembro de 1975 !
Preocupo-me mais com a falta de ética dos nossos (des)governantes pelas consequências que trazem às nossas vidas !
Preocupo-me com o desemprego dos meus filhos pelos traumas que esta nova geração enfrenta em virtude dos desaforos dos senhores importantes !
Indispõem-me as alarvidades governamentais !
Indispõe-me a bandalheira tantas vezes vista da vivência na Assembleia da República !
Indispõe-me o portuguesismo saloio !
O chico-espertismo !
O azeiteirismo !
O pseudo macho-latino !

Será que deixámos destas sementes lá pela Guiné ?
Os responsáveis são mais íntegros do que os nossos ?
Ah! é um credo deste nosso blogue não interferirmos na política interna daquele país, portanto, não interfiro !
Eu não acredito em bruxas mas que las hay, hay !

Um abraço,
António

Anónimo disse...

Respondi ao "homem do ar", ao "italiano" e ao A. Matos. Perdeu-se o escrito e, certamente a esta hora, navega ciberespaço fora.
Um Ob e abraços a vocês do TM

Anónimo disse...

Viva!!

Caro Torcato, é sempre um prazer ler os seus escritos, sou vossa "seguidora", e hoje que a neve tornou inoperante a minha terra tenho por fim disponibilidade para vos visitar com tempo.
Aprendo imenso com as vossas "estórias" que são (na minha humilde opinião) a parte mais importante da "História" :) por isso espero q nem a «amnésia temporária» nem a «preguiça» o perturbem muito mais tempo! :)

com os melhores cumprimentos

Emília Nogueiro