terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3514: Controvérsias (12): A G3, a FLING, o PAIGC, o Pdjiguiti, São Domingos, Tite e outras lendas (Mário Dias)

Guiné > Bissau > Anos 50 > Praça do Império > Monumento Ao Esforço da Raça > O Mário Dias, sentado no local onde, à noite, com luz eléctrica apenas das 18h às 24h, a malta nova se juntava e fazia serenatas. Era então Governador Raimundo Serrão (1951-53). O Mário esteve na Guiné até 1966, sendo por isso uma testemunha privilegiada não só do desenvolvimento económico e social da Província (com destaque para o crescimento urbano de Bissau) como do início da luta armada, que manda a verdade historiográfica deve ser atribuído à FLING e não ao PAIGC.

Foto: © Mário Dias (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de Mario Dias com data de hoje:

Assunto- Novo comentário em Guiné 63/74 - P3503: Controvérsias (11): O início.... (**)


Caro Luís:

Nesta saudável polémica, que visa o esclarecimento de factos ocorridos nos primeiros anos da guerra, há dois assuntos cujo contributo pretendo dar com o simples intuito de repor a verdade pura e simples, sem juízos de valor nem "diz que diz" pois não é essa a minha forma de estar na vida. Limito-me a relatar ocorrências em que participei ou das quais obtive conhecimento directamente dos intervenientes por me encontrar "no terreno", como agora se diz.

Tenho-me abstido de comentar quanto sucedeu na Guiné depois de 10 de Fevereiro de 1966, data em que de lá saí. Não vi, não sei, não comento. Deixo isso para os que por lá andaram e sigo com muito interesse as narrativas publicadas no blogue e, embora tenha a minha opinião sobre certos acontecimentos, não os comento porque não os presenciei.

Feito este preâmbulo vamos aos assuntos:

1- ARMAMENTO DAS NT COM G3

As primeiras unidades militares armadas de G3 na Guiné surgiram em (meados de) (?) 1961. Não sei nem acho relevante para o assunto em questão - existência de unidades militares armadas de G3 em 1961 - a forma como foram obtidas: legais, ilegais, compradas, emprestadas, subtraídas, ou como queiram. O facto é que estavam lá e foi esse o cerne do início desta polémica pois houve quem achasse impossível uma vez que a G3 (que eles conheceram mais tarde) só a partir (dos finais) (?) de 1962 passaram a ser fabricadas em Portugal.


2- INÍCIO DA LUTA ARMADA

Esta questão já tem sido debatida em vários locais pois é comummente aceite a versão do PAIGC de que o início da luta armada ocorreu em 1963 com o ataque a Tite.

É falso. O PAIGC pretende os louros de ter iniciado o que se passou a designar por luta de libertação. Mas não foi assim. Em Julho de 1961, a FLING (Frente de Libertação e Independência da Guiné, liderada por François Mendy e sediada no Senegal) atacou com armas de fogo o quartel de S.Domingos onde se encontrava instalada parte (julgo que apenas um pelotão) da Companhia de Caçadores 5, destacada na Guiné.

Não se tratou de "simples escaramuça" em clima de "sublevação social" e não "reivindicação da independência", como diz o nosso camarada Santos Oliveira no seu texto P3503. Foi um ataque deliberado a um quartel e a uma unidade militar feito por um movimento que também lutava pela independência mas cuja existência o PAIGC procura ignorar e até negar.

Falei com alguns dos militares pertencentes a essa unidade destacada em S.Domingos e um furriel, cujo nome já não me recordo, contou-me até uma cena com algum humor protagonizada por um 1º cabo, um "calmeirão enorme", que ao ser atingido por um tiro de caçadeira no ombro disse: "já caí de asa".

Quanto à posterior ocorrência de incidentes em Guidaje, conforme já relatei, não me recordo deles e, por isso, nada posso acrescentar.

Sobre a opinião expressa no P3503 de que antes de 1963 se vivia na Guiné um clima generalizado de "sublevação social" o que tenho a dizer é que enquanto vivi na Guiné entre 1952 e 1966 apenas assisti e me recordo dos incidentes do Pidjiguiti que foram uma alteração da ordem pública provocada por uma greve de marinheiros e estivadores da Casa Gouveia (***). Nem o PAIGC nem qualquer outro movimento independentista estiveram por detrás desses acontecimentos. Não foi o início da guerra conforme várias vezes tive oportunidade de afirmar.

Nunca dei conta, mesmo depois do que se afirma ter sido o início da luta armada (1963-ataque a Tite) da existência de um "clima de sublevação social". Havia algumas desavenças, por vezes violentas, entre etnias e tabancas provocadas quase sempre pelo furto de vacas ou semelhantes mas que não se podem considerar como fruto da pretendida "sublevação social". Desacatos acontecem um pouco por todo o lado sem motivo aparente.

E por hoje basta.

Um abraço do
Mário Dias

__________

Notas de L.G.:

(*) Mário Dias foi para a Guiné, ainda adolescente, no ínício da década de 1950. Na vida civil, foi emppregada da casa comercial francesa NOLASCO, em Bissau, nos anos cinquenta; fez depois o serviço militar (1959/61), tendo frequentado o 1º Curso de Sargentos Milicianos, realizado na província, onde travou conhecimento e e fez amizade com alguns futuros dirigentes e militantes do PAIGC; trabalhou, depois da tropa, num sindicato para voltar ao Exército, mas desta vez como sargento comando, com curso tirado em Angola. Esteve no TO da Guiné, de 1963 a 1966. Deixou definitivamente a Guiné em 1966. Ingressou na carreira militar, passoiu novamente por Angola, etc. Estava no 25 de Novembro de 1975 no regimento de Comandos da Amadora - faz hoje 33 anos... Deixou o exército em princípios de 1980.

Vd. postes de:

9 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXII: Memórias do antigamente (Mário Dias) (1): Um cabaço de leite

19 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - LDXVI: Memórias do antigamente (Mário Dias) (2): Uma serenata ao Governador

15 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXXX: Memórias do antigamente (Mário Dias) (3): O progresso chega a Bissau


(**) Vd. poste de 23 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3503: Controvérsias (11): O início da guerra (Tite, 23 de Janeiro de 1963) e a estreia da G3 alemã, em 1961 (Santos Oliveira)

(***) 15 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXXV: Pidjiguiti, 3 de Agosto de 1959: eu estive lá (Mário Dias)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Camarada Mário Dias,
Comentei ou pedi esclarecimento há pouco mas não deve ter seguido, daí estar de novo a escrever.
Tenho procurado acompanhar o que se escreve bem como os acontecimentos e a história da Guiné.
Tenho um livro da Afrontamento, publicado em 1974, com texto do PAIGC, onde se fala do massacre de Pidjiguiti em 3 de Agosto de 1959, fala da Associação Desportiva e Recreativa dos Africanos, criada em 1953 e proibida em 1954, bem como no MING Movimento para a Independência Nacional da Guiné, mas não ncontrei ou não vejo qualquer referência à FLING, co referi o texto é do PAIGC, por isso quem melhor do que um camarada que estava lá no antes e no durante para falar sobre essa organização.
Pode ser? Desde já agradeço.
Com um abraço,
BSardinha

Anónimo disse...

Todos os guineenses do tempo do Mario Dias, letrados e não letrados, conheciam os nomes e familiares de todos os intervenientes nos movimentos para a independência.

Ainda hoje tudo o que se passa nas políticas complicadas de Bissau não precisam de jornal para as noticias circularem de rua em rua.

Pena que os guineenses antigos, passarem ao lado da internet, que dariam o seu ponto de vista de muitas coisas, inclusive da morte de Amilcar Cabral, que nos pouparia muita tinta.

Cumprimentos

Antº Rosinha