quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Guiné 63/74 - P3528: A guerra estava militarmente perdida (31)? Perdida pela ganância, incompetência e nas relações internacionais (José Manuel Dinis)

José Manuel Dinis

ex-Fur Mil da CCAÇ 2679

Bajocunda, 1970

A guerra estava perdida

Sobre o tema que o blogue lançou, foram expandidas teses, maioritariamente, no sentido de que a guerra não estava perdida. Que reflectem a generosidade da nossa juventude, capaz de dilatar o esforço exigido, sem quebrar perante as investidas do IN, quiçá, disposta a persegui-lo.

Li num dos últimos posts, que o esforço de guerra português, durante a guerra colonial nas três frentes africanas, foi dez vezes superior ao esforço americano no Vietname.
Vou aceitar como boa a afirmação. Mas se atentarmos que havia 50 a 60 mil jovens deslocados em África para o serviço militar (1), os Estados Unidos com uma população vinte vezes superior à de Portugal, não teriam, seguramente, um milhão de militares mobilizados.

No que respeita à questão orçamental, a comparação proporcional dilata, donde, o esforço português terá sido maior que vinte vezes.
A máquina de guerra portuguesa estava montada, e os custos na compra de equipamentos afectavam sobremaneira, a balança de pagamentos, enquanto os americanos produziam a grande parte do equipamento que consumiam, incrementando a produção interna.
A "máquina" portuguesa não contemplava luxos de guerra, mas parecia suficiente.
Aqui chegados, qualquer opinião já é susceptível de gerar polémica, mas eu corro o risco de prosseguir, sinteticamente:

Portugal perdeu a guerra por ganância, incompetência, e nas relações internacionais.

Quanto à ganância: todos ouvimos falar, durante a guerra, de militares dedicados a várias negociatas, à custa do sacrifício dos subordinados.
Em 1970, na Guiné, constou-me haver um processo pendente sobre um major de intendência, e falava-se nas esplanadas sobre um desfalque de onze mil contos, que, aos valores de hoje, equivaleriam a um euromilhões.
Mas o que posso assegurar, relativamente à CCaç 2679, quando entrou em quadricula, é que "aceitou" várias viaturas de motores escancarados, que jaziam encostadas, mas, nos mapas para Bissau, continuavam a funcionar e a gastar combustível sofregamente, a que correspondiam verbas que se dizia irem direitinhas para o pecúlio de alguns, enquanto o pessoal se amontoava nas deslocações, com o consequente aumento do risco e o furriel mecânico andou numa roda viva, e foi impedido de gozar umas férias.
Também no que respeita aos géneros alimentares era um fartar vilanagem. A tudo o que fosse susceptível de meter a unha, lá estavam os negociantes, sempre prontos. Sem capa. Sem vergonha.

Quanto à incompetência, são vários os relatos que se referem, no âmbito do blogue, a situações dessa qualificação, a mais explícita na guerra da Guiné foi a leviana e vergonhosa invasão de Conakry. Mas as contradições do Caco Baldé sobre as decisões bélicas, as negociações diplomáticas, e os suportes da psico com inusitados excessos, contrariando-se, estampavam a perplexidade junto da tropa.

Também é sabido, muitos militares do QP estavam com a vida económica organizada, e distinguiam-se entre os clientes da Torralta e da Matur, por exemplo, empresas onde detinham acções ou títulos de rendimento, como, aliás, referiu ter sido intermediário um destacado membro do MFA.
Ora, a ganância combina com a incompetência, na medida em que uma parte dos militares do QP escudava-se nos aquartelamentos, nas tintas para acções realistas, bem avaliadas e melhor executadas, já que a mão-de-obra disponível manifestava capacidade e generosidade.

Neste aspecto, a cadeia de comando foi manifestamente incapaz de inverter o laxismo. Desse bem-estar económico atingido, da saturação das sucessivas comissões em África, e do esvaziamento das relações familiares, resultou o movimento militar, sem pés nem cabeça, que desabrochou em 25 de Abril.

Falta, todavia, a abordagem ao enquadramento político.

A formação das elites africanas nas universidades dos países colonialistas, desenvolveu ideias emancipalistas, para resolução apressada, que os estudantes julgavam poder concretizar durante as suas vidas, glória, vã glória, e receberam carinhos dos países nórdicos, que ainda hoje não conhecem África, bem como apoios logísticos, conforme os interesses em presença.
Os movimentos emancipalistas surgidos nos territórios sob administração portuguesa receberam apoios, quer da órbita americana, quer da órbita soviética, ambas em conflito com Portugal (Salazar não gostava dos americanos, e a questão do petróleo foi decisiva, e, relativamente aos soviéticos, havia a questão geoestratégica e a Nato).
Durante o agudizar do problema, Portugal só contava com o apoio da Espanha nas decisões dos grandes fóruns, principalmente nas Nações Unidas e Nato, enquanto crescia a animosidade internacional.
Logo, o esforço de guerra tenderia a aumentar cada ano que passava.
Internamente, desenvolveram-se vozes e movimentações políticas, difíceis de aplacar, principalmente por iniciativa dos estudantes, e de uma parte da ala liberal no parlamento, manifestações anacrónicas a qualquer regime. Desenvolviam-se as cisões.

Nos territórios do ultramar acentuava-se a negritude, a arregimentação das populações autóctones, pelo argumento de que os colonos brancos as exploravam. Era evidente, que as províncias ultramarinas privadas da administração portuguesa, sem capacidade para garantir a funcionalidade e sistematização das instituições e serviços, ficariam à mercê das potências, que fizeram, exactamente, o que se poderia esperar delas: abandonaram os novos países sem estruturas, não lhes dando os necessários apoios à estabilização política, social e económica, deixando-os em clima de guerra civil (Guiné e Moçambique), e exploraram as riquezas angolanas. Por isso, ainda hoje, grande parte das populações africanas daqueles territórios, sonha com o tempo dos portugueses.
Face aos argumentos aduzidos, a guerra estava perdida.

__________

Notas de vb:

1. Na década de setenta os números de metropolitanos envolvidos nas três frentes ultrapassaram a centena de milhar. Lembrar que, segundo alguns, só na Guiné chegaram aos 30 mil.

2. Artigos da série em 13 de Novembro de 2008 > > Guiné 63/74 - P3448: A guerra estava militarmente perdida (30)? Nem perdida, nem ganha. António Matos

3. Artigos do Autor em 18 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3477: História da CCAÇ 2679 (7): Quotidianos (José Manuel Dinis)

2 comentários:

Anónimo disse...

José Manuel Dias,

A maneira alargada como analisas esta guerra, a guerra do ultramar, para alem dos 24 meses de cada um de nós, é sem dúvida de uma maneira suscinta, o ponto de vista mais real quer seja do lado africano como do lado da potência colonial.

Só quem viveu todos os anos de guerra é que olharia naturalmente para a guerra desta maneira.

Será que aconteceu contigo?

Antº Rosinha

Anónimo disse...

O José colocou o dedo num dos sítios que mais nos doeu e ainda nos dói. Não sabemos, não temos provas que camaradas nossos se aproveitavam da metralha que nos empobrecia para enriquecer.