Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Guiné 63/74 - P3592: Do Fundão, com insónias: Bambadinca, meu amor... (Torcato Mendonça)
Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CART 2339 (1968/69) > Fotos Falantes III: Bem vindo, Welcome, Bien Venu, Biene Venidos, Willkomenn ... a Mansambo, uma estância de férias onde o turista se pode instalar confortavelmente e usufruir um conjunto de actividades excitantes, da caça à pesca...
Imagem que faz parte de um conjunto de 60 slides a que o ex-Alf Mil Torcato Mendonça chamou Fotos Falantes III... Por muito que eu vasculhasse estas e outras (centenas de) Fotos Falantes, não encontrei o nosso querido chato trajado à civil, a rigor... Quando muito lá aparece com uma t-shirt, branca (?), como é o caso da primeira das três fotos, tirada no abrigo do temível morteiro 81...
Os poucos que eram paisanos e não trajavam de verde oliva, no campo fortificado de Mansambo (como dizia a Maria Turra, na rádio Libertação, do PAIGC, difundida a partir de Conacri...) era a bela Mariema e as poucas bajudas e mulheres grandes que lá viviam, familiares dos picas e dos guias da tropa... Não admira, por isso, que a cidade mais próxima, Bambadinca - posto administrativo e sede de batalhão - , representasse, no imaginário dos sitiados de Mansambo, uma espécie de ícone da civilização... Era pelo menos uma das portas da saída do inferno... (LG)
Fotos: © Torcato Mendonça / Luís Graça & Camaradas da Guiné(2008). Direitos reservados.
1. Mensagem do Torcato Mendonca, enviada hoje, já passava da meia-noite:
Queridos Editores, o sono está a dar-me problemas. Mesmo a dormir pareço que já falo (de falar) alto. Vou continuar até que o sono me venha.
Entretanto vai este escrito. No Blogue há insónias também...não há ????
Um abração para cada do TM
2. Comentário de L.G.:
Meu querido José: Na Tabanca Grande também há insónias, sim, senhor. E, nalguns casos, criativas como as tuas. De qualquer modo, ficarei preocupado com as tuas (insónias) se elas forem um sintoma (fisiológico) de stresse...
A seres chato, és o chato mais inclassificável da nossa Tertúlia (já sei que não gostas da expressão Tabanca Grande... Elitismo ? Medo do escuro ? Alergia ao pó do capim ?... Enfim, estás no teu direito, que esta casa da malta tem mesmo que ser como o Sempre em Festa, aberto 24 horas por dia, frequentado por toleradas e tolerantes...
É isso, somos uma casa de tolerância e onde há gente com problemas de sono... O Humberto Reis chamava ao nosso quarto em Bambadinca o quarto das putas e com muita propriedade: não por que a gente as levasse para lá, mas sim por que levámos vida de putas: trabalhávamos de noite e dormíamos de dia)...
E a propósito da morança onde por vezes ficavas, na tabanca de Bambadinca, no lado esquerdo da rampa, no sentido descendente (no teu tempo, à direita, dizes tu ?, talvez tenmahs razão, houve obras, cortaram a tabanca ao meio, em 1970), tenho histórias, dramáticas umas, divertidas outras, que um dia ainda hei-de escrever... se para tanto não me faltar o tempo, o engenho e a arte. Algumas centenas de tugas em Bambadinca, com 20 ou pouco mais anos, patacão no bolso e ganas de viver, tinham necessariamente que animar a economia local...Ainda hoje te dizem, com alguma nostalgia e sinceridade, quando por lá passas, armado em turista, máquina de filmar ou fotografar a tiracolo: 'Tuga, pai di nós'... Coitado do Amílcar, daria voltas no panteão nacional da Amura se ouvisse tal heresia...
Acredita que não és nenhum chato. E, a sê-lo, és o chato mais querido de todos nós. De resto, somos todos chatos, dirão as nossas caras-metades, os nossos filhos, os nossos genros e noras e, daqui a uns tempos, os nossos netos, se a gente lá chegar. (A propósito, já os tens ?). Por que, como diz o provérbio, "esta vida não chega a netos... nem a filhos com barba"... Felizmente que a nossa esperança de vida é hoje o dobro dos nossos avós de mil e novecentos, geração em relação à qual era apropriado dizer:
"A morte não escolhe idades";
"Até aos 40 bem eu passo, dos 40 em diante 'ai a minha perna, ai o meu braço' ";
"De quarenta arriba não molhes a barriga";
"Na era de 31, poucos moços, velhos nenhum"...
Tudo isto para te reconfortar e assegurar que tens muitos fãs, que há muitos fãs da tua escrita, na nossa Tertúlia e no nosso Blogue. E eu sou o primeiro deles. Podíamos formar até o Clube do José. Tu és, por outro lado, o único a passar a crivo, semanalmente, o nosso blogue. É uma leitura pessoalíssima, intimista, única, do produto das nossas insónias todas juntas.
Obrigado, José.
PS - Um Alfa Bravo. Um bj para a tua Ana, que é uma mulher de armas e que já sei que voltou ao trabalho... A vida é dura, José, aqui ou em Mansambo... Mas também pode ser bela, se tiver afecto(s): amor, paixão, amizade, camaradagem, emoção, compaixão, poesia... Diverte-te, se puderes: "Esta vida são dois dias e o Carnaval são três"... Mas há, pelo menos, uma certeza: "Quem de novo não morre de velho não escapa"... Uma coisa que a guerra da Guiné não nos deu, foi serenidade... Pelo contrário, trouxe-nos inquietude (que é mais do que inquietação). Em contrapartida, aprendemos a enfrentar a morte e a não temê-la: "Temer a morte é morrer duas vezes" ... E tu és, para nós todos, um exemplo vivo e corajoso, de como um homem pode sorrir à morte com meia cara ou meio coração, parafraseando o título da narrativa autobiográfica do grande escritor José Rodrigues Miguéis, um lisboeta de Alfama (1901) que morreu longe da Pátria, da Mátria e da Fátria (Manhattan, N.Y., 1980). Que esta tertúlia seja, ao menos para ti, um pouco da Fátria perdida em Mansambo, em Bambadinca e em tantos lugares da Guiné onde sofremos e fomos solidários... LG
Bambadinca, Meu Amor
por Torcato Mendonça
1 – Sem dúvida era para mim a cidade mais desejada. Curiosamente, hoje olho para uma foto aérea e, se não tem legenda, de pouco me lembro. O pequeno aeródromo ali, as messes, bares e quartos de oficiais e sargentos acolá, mais um ou outro edifício e pronto.
A igreja... fui lá uma vez assistir à colocação do Bessa no caixão. Escola, o posto administrativo, a tasca de A ou B, não sei. Memórias perdidas. Só agora soube da existência do mestre-escola, Professora D. Violete.
Recordo a tabanca e uma morança, à direita de quem desce a rampa da estrada na direcção do porto, Missiré, Fá ou Bafatá – essa a grande cidade.
Nessa morança pernoitei algumas noites. Certamente por lotação esgotada nas instalações dos oficiais. Dormia-se bem, mais fresco, mais... melhor.
Mas é bonito ver hoje fotos de militares à civil. Calças, camisas brancas e, pasme-se, sapatos reluzentes. Deus meu e por todas as virgens, não me recordava! Creio que a minha pouca roupa civil devia estar na arrecadação que a Companhia, [a CART 2339,]tinha no Batalhão. Estava bem guardada por um soldado básico e esperto como um rato. Bela especialidade: básico.
Para que queria eu roupa civil em Mansambo e por outros lados onde me aquartelava? Claro que tinha botas, vários tipos e formatos, umas quantas t-hirts brancas (brancas?), chinelos de plástico e panos de fulas e outras peças de vestuário para alguma falta. O resto era verde ou camuflado. Bem bom.
Mas porquê Bambadinca, eu, amor? Pois, porque, além de se fazer o dito, era local de boa cama e boa mesa, bar de bebida fresca. Por vezes o líquido era tão fresco, deslizava tão docemente goela abaixo, que, no regresso a Mansambo, os olhos viravam detectores de minas e ala que é sempre em frente.
2 – Apareceram recentemente várias questões, [no blogue]. Algumas creio que ainda no activo. Vai demorar a acalmar ou, devagarinho, vai-se apagando…
A questão dos Capitães, Comandantes de Companhia, milicianos ou do quadro, indo e vindo, era ou ainda é uma dessas questões. Pois eles que digam… Pode dar-se uma ajudinha. Compreende-se nuns a chatice da ida depois de anos de descanso. Noutros a comissão agora, espera um ano no Puto e nova comissão numa p*** (perdão) – província (colónia?) qualquer. Aborrecido…
3 – Outra questão relaciona-se com perdas e lucros ou o deve e haver de Companhias e não só. Essa não, essa não e… fica para depois. Continuem…
Parece-me ser assunto para 2009, depois de fechar e aprovar o balanço de 2008. Será que os balanços de 1961 a 1974 estão fechados? Interessante. Provas. Prova o quê? O uísque, caneco, o uísque… é novo ou velho?
4 – Questão que não pode bulir com a moral de cada um. Refiro-me aos amigos e inimigos e aos inimigos amigos. Calma.
Relembro: Faz anos, a 18 de Dezembro, que um Capitão, Comando do Exército Português, foi fuzilado. Seu nome era Zacarias Saiegh. Como ele, muitos, muitos mesmo, demasiados, foram fuzilados. Crime: terem servido o Exército do meu País, nessa época o deles. A Guiné era independente…
Amigos e inimigos ou inimigos e amigos ou a estrutura moral…ou…
5 – Os antigos Combatentes cá, mais ainda os Deficientes das Forças Armadas, continuam com problemas. Até quando?
Por vezes preocupamo-nos com a pila do S. Gabriel ou S. Rafael… PORRA!
6 – O Coronel Alexandre da Costa Coutinho e Lima vai apresentar, em livro, a sua versão sobre a retirada de Guilege.
É membro desta Tertúlia.
A ler. Quem gostar de ler, claro. Eu tenciono fazê-lo.
Só assim conseguirei, penso ser assim, melhor compreender certos acontecimentos. São controversos? Por isso mesmo.
7 – A tolerância...
O respeito pelos que pensam diferente da mim.
A liberdade de escrever, opinar, falar, divergir (se feito dentro das mais elementares regras do civismo) sem ser incomodado, humilhado, preso.
Exagero meu. Que exagero. Houve isso?! Não te lembras? Tu também não? Perdão o Senhor…não se recorda… claro. Tudo bons rapazes…
Há tanto tempo, tanto, para quê falar disso? Até dizem, nessa altura não haver democracia. Tantos anos. Que importa isso agora? Só os velhos se lembram e, se houve algo, foi há tantos anos. Mais de três décadas… Olha, prescreveu!
Agora que é Natal, podíamos fazer analogia com as luzinhas das árvores do Natal. Fazíamos intermitências… Não concordas, claro… Tudo escuro, outra vez… Não, sempre com luz aberta, eu sabia que concordavas comigo.
8 – És um chato.
Perdão, chato não que é bicho feio e incómodo.
Mesmo por isso. És um chato.
Porquê?
Porque dizes cada uma. Olha à tua volta e vê a vantagem de estar calado.
Mas aqui é diferente.
Aqui onde?
Neste sítio.
Qual sitio?
Pronto, eu calo-me e vou bardamerda.
És malcriado.
Sou. Por isso paro aqui e continuo a pensar só para mim e escrevo noutro lado.
(continua tentando vencer a insónia…)
__________
Nota de L.G.:
(*) Vd. último poste do nosso querido amigo e camarada Torcato Mendonça, ex-Alf Mil, CART 2339, Mansambo, 1968/69, um meio alentejano e meio algarvio que se apaixonou por uma Ana da Cova da Beira (que a geografia do amor tem estes acidentes de percurso):
2 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3553: Lança Afiada, Março de 1969. Frio, noite, damas...(Torcato Mendonça, CArt 2339)
Vd. também os seguintes postes (entre as largas dezenas que já publicámos do TM):
26 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2304: Humor de caserna (2): Welcome to Mansambo, a melhor colónia de férias do ano de 1968 (Torcato Mendonça / Luís Graça)
19 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1295: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (7): Mariema, a minha bajuda...
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2 comentários:
LG; CV;VB; - Editores de um Blogue de afectos.
Ontem um ou antes, hoje dois responderam a uma insónia e não só.
AMIGOS, CAMARADAS de Guiné mas, fundamentalmente, Amigos.
Luis Graça desta vez acertaste em pleno. Agradeço o momento de emoção. Tu sabes que eu gosto de poesia, do que é belo e do Sonho, tu sabes que eu gostei da Mariema e de tantas..., tu até sabes que a moranza ficava á esquerda...sabes!
Principalmente és um sedutor de afectos, de fortes e queridas amizades e acertaste na escolha de quem te segunda. Olha um Forte Abraço para ti, para o Carlos e o Virgínio e o Melhor para Vós e Familias. Bateste fundo...AB do TM
Blogue de afectos...É isso que eu também gostaria que fossemos... A camaradagem e a amizade começam por aqui. Fomos educados numa cultura elitista, imperialista e maniqueísta, herdade da nossa matriz judaico-cristã e depois reforçada pelo positivimo, por essa outra religião que é a crença (ilimitada) na Ciência e na Teconologia, que divide o mundo em dois: os bons e os maus, os fortes e os fracos, os riscos e os pobres, os amigos e os inimigos, os aptos e os inaptos...
São os afectos, mais do que as ideias, que nos aproximam e nos têm juntado. Se este fosse um blogue com um clara orientação ideológica, já há muito que tinha acabado... Temos sabido gerir, com alguma inteligência emocional e muito bom senso, a pluralidade (confitual) que existe no nosso seio... É isso que nos enriquece e enobrece... Por isso somos diferentes...
Também queremos abrir, de acordo com a sugestão do nosso Jorge Cabral, um Banco do Afecto Contra a Solidão. Não sei se esse é o nosso 'core business', mas temos vindo a descobrir algumas competrências nesse domínio, entre os amigos e camaradas da Guiné...
"The stress is the spice of life, not the kiss of death"... (O stresse é o piripiri da vida, não o beijo da morte).
Um Alfa Bravo. Luís
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