1. Mensagem de Vasco da Gama, ex-Cap Mil da CCAV 8351, Cumbijã, 1972/74, com data de 9 de Fevereiro de 2009:
Camarada e Amigo Manuel Reis,
Sem qualquer ponta de ironia gostaria de te dizer que joguei durante muitos anos futebol e voleibol, mas nunca tive jeito para o ping-pong. Os primeiros são desportos de conjunto com todos os jogadores irmanados no mesmo objectivo e ajudando-se uns aos outros, o tal de pingue pongue é um jogo demasiado individualista para o meu gosto. Quero com isto dizer, que adivinhei alguma mágoa nas respostas que dás no teu Poste 3853, o que significa que as perguntas por mim colocadas poderiam ter ferido quaisquer susceptibilidades. Se te causei alguma mágoa, as minhas desculpas, se interpretei mal o sentido das tuas respostas no teu último poste, as minhas desculpas.
Digo que adivinhei alguma mágoa nas respostas, pois começas logo por afirmar:
1 - Não me recordo de estar contigo "nos teus territórios" de Cumbijã e Colibuia o que me intriga, pois estive lá até 19 de Agosto de 1974, data da entrega do aquartelamento ao P.A.I.G.C.
Duas pequenas observações:
a) - Nunca fui dono de nenhum território, mas tenho muito orgulho no que a minha Companhia fez. Exactamente, de um campo de minas fizemos o que tú vieste a encontrar e fizémo-lo em circunstâncias terríveis, com uma actividade intensíssima sob o ponto de vista operacional, já que saíamos para o mato todos os dias. Para todos os meus alferes, sargentos, furrieis, cabos e soldados o meu muito obrigado. Eu sei que a memória dos homens é muito curta, eu sei que o que foi feito por tantos de nós cairá rapidamente no esquecimento; os sacrifícios, os mortos, os feridos em combate, não passarão à história, mas pelo menos enquanto for vivo hei-de sempre reafirmar o que disse quando comecei a escrevinhar sobre a minha Companhia: Foi para mim uma honra enorme ter comandado tais homens.
b) - Como era possível teres recordações de mim no Cumbijã, se mais à frente no teu texto afirmas e passo a citar o que escreveste: "Durante o meu período de Cumbijã ( Junho, Julho e parte de Agosto de 1974). Tú próprio dás a resposta pois a minha Companhia veio para Bissau em Junho de 1974 e tú andaste por outras paragens, algumas com grande perigosidade, pois a protecção à engenharia na zona de Nhala na construção da nova estrada não era pêra doce. A minha Companhia enviava para lá, sem interrupção, um grupo de combate por peródos variáveis de dez a quinze dias. Recordo-me que conhecíamos muito bem o terreno, o que não impediu que em finais de Janeiro, penso que os Piratas também estavam, tivessemos embrulhado a parecer bem. Nós, Tigres, tivemos dois feridos, mas nesse dia houve um morto e seis feridos.
2 - Dos quatro Comandantes de Companhia que tiveram conheci três, sendo que dois deles estiveram sempre comigo no Cumbijã : O Cap. REIS e o Cap. Santos Vieira. Nenhum deles, e folgo agora ao ter a certeza absoluta, obrigaria a saír para o mato 11 homens, ainda por cima mal armados...
O Cap. Reis veio para o Cumbijã e lá se manteve, julgo que até meados de Março, tendo vindo em sua substituição o Cap. Vieira. Neste período de tempo tú devias estar em Colibuia.
3 - Sobre o B. da C., não me pronuncio pois o que aconteceu é do foro privado. Estou a par do assunto como dizes, pois fui incumbido pelo Comandante do Batalhão de o ir substituir e "apagar o fogo".
4 - Com toda a minha sinceridade, lamento profundamente e demonstrei-o na prática, aquilo a que chamas o estigma de Guileje e de Gadamael.
a) - Quando dizes que um camarada teu ainda por cima companheiro das lutas estudantis de 1969 te aconselhou a saír da sua mesa, na Messe de Oficiais em Bissau, porque a tua presença o podia comprometer, meu caro Reis, só tinhas que lhe dar dois murros no focinho. Juro-te que eu o teria feito.
b) - Eu tinha conhecimento das dificuldades que a Vossa Companhia foi obrigada a suportar e digo-o com toda a franqueza que tive algum receio da sua vinda para (cito outra vez) "para os meus territórios de Colibuia e Cumbijã". Falei com os meus homens e fiz-lhe ver que poderíamos ter sido nós a sofrer o que os Piratas sofreram; exigi-lhes que não houvesse qualquer tipo de provocação. Penso que os Piratas foram sempre respeitados "no meu território". e que as cenas de pugilato que dizes terem existido em Bissau foram substituídas por uma sã camaradagem e rápida integração no espírito de grupo que sempre reinou no Cumbijã. Era a nossa obrigaçao.
O Cap. Reis dormia no meu "quarto", os oficiais furrieis e praças tinham rigorosamente as mesmas instalações que os nossos até porque no mato há sempre lugar para mais um.
O nosso comum amigo Seabra diz no seu último escrito à Tabanca " Só tenho duas fotografias da Guiné, ambas no Cumbijã, gozando da hospitalidade do nosso amigo Vasco da Gama". Aproveito para lhe agradecer as palavras e dizer que não fiz mais do que a minha obrigação. O mato não tem a ver com Bissau, como os mapas nada têm a ver com os terrenos...
Quando se gosta das pessoas falamos/escrevemos durante mais tempo; foi o que me aconteceu caro Manuel Reis.
Termino, informando que vou anexar três fotografias.
P.S. Aparece. Eu não consigo guiar à noite. Tel.309892352
Um abraço para todos do camarada e amigo,
Vasco da Gama
Quase todos os oficiais das CCav 8350 e 8351, separados pelo Comandante do Batalhão de periquitos Ten Cor Ramalheira.
Também no Cumbijã, da esquerda para a direita, o Cap.Vieira, quarto comandante da CCav 8350, o Gama o Alf. Abundâncio e o Alf. Neto (Periquito, mas Tigre).
Cap.Reis e eu. Por trás um grupo de regresso da picada de Nhacobá. Distingo por trás de nós no chão o furriel da minha Companhia o meu querido amigo João Azambuja Martins.
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Nota de CV:
Vd. poste de 8 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3853: Apontamentos sobre Guileje e Gadamael (Manuel Reis) (3): Lágrimas no desarmamento dos milícias de Cumbijã, em Agosto de 1974
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
RESPEITO E APRECIO MUITO A AMIZADE DO ALFERES REIS.
PENSO QUE ELE NÃO ESTÁ A SER IRÓNICO, EMBORA ESTRANHE ELE NÃO SE LEMBRAR.
UMA COISA É CERTA. FUI SEMPRE BEM RECEBIDO EM CUMBIJÃ E JOGUEI LÁ VOLEI ALGUMAS VEZES E COM O CAP VASCO GAMA.
BONS MOMENTOS.
JOSE CARVALHO
EX FUR MIL OP ESP
PIRATA
Como facilmente se apercebe a legendagem das fotos 2 e 3 aparece trocada.
Para todos um grande abraço
Vasco da Gama
Caro Cap. Vasco da Gama
Em relação ao nº 3 do seu Poste 3881, tenho a dizer o seguinte: quem "apagou o fogo" como o Vasco da Gama diz, não foi o senhor, nem o Sr. Manuel Reis como diz no Poste 3883, mas sim nós no interior da nossa Companhia. Além disso quem substituiu o nosso capitão B. da C. foi o Alferes mais velho da nossa companhia do qual só me lembro a alcunha (Chaparro... por ser alentejano).
Estou a fazer este comentário sòmente porque já é a segunda pessoa que se arroga como o salvador da nossa companhia(o Sr. Capital Vasco da Gama e o Alf. Manuel Reis). Por agora mais nada...
Abel Salgueiro
ex-furriel miliciano (2ª companhia do BCAÇ 4513 e CCAÇ 18)
Caro Abel Salgueiro
Nunca me arroguei em salvador de coisa nenhuma. A minha Companhia era suficiente para me dar dores de cabeça, pois como sabe a nossa actividade operacional foi do princípio da comissão até ao 25 de Abril muito intensa. Penso até que dois grupos de combate da sua Companhia colaboraram, ainda com muito pouco tempo de Guiné, na operação Balanço final (NHACOBÁ), bem como as outras Companhias do B.C.Caç. 4513.Voltariam a fazê-lo na operação Ousadia,da qual estive ausente por me encontrar de férias em Potugal. Por conhecer muita gente de Buba,o Comandante do Batalhão, pediu-me para ir para lá verificar o que se estava a passar a seguir aos acontecimentos, a que eu, repito o que disse no poste anterior, jamais me referiria por se tratar de um assunto privado.Não me imiscui em nada do que dissesse respeito ao andamento normal da sua companhia, mas se o Abel estava presente nessa altura em Buba recorda-se concerteza da minha presença não posso precisar por quanto tempo, mas nunca por um período superior a duas/três semanas.Informado o Batalhão da forma como as coisas estavam regressei à base.
O teor da minha resposta ao meu amigo Manuel Reis, enquadra-se na conversa que vínhamos travando e o "apagar o fogo",foi utilizada para lhe dar a saber que eu estava por dentro do que se tinha passado e que tinha estado em Buba logo a seguir aos acontecimentos.O Manuel Reis era amigo do seu capitão, julgo que até pertenceram ao mesmo pelotão e as afirmações que fez são no sentido de manifestar-lhe alguma solidariedade.
Ao seu dispor para qualquer esclarecimento,
Vasco A.R.da Gama
Vasco, Caro Amigo
Já pedi ao Luís Graça para te transmitir as minhas coordenadas, ou vice-versa.
O Sarmento Beires já falou comigo:
Parece que há um bisavô meu que foi trisavô dele.
Vamos continuar as pesquisas, e talvez - neste ano de bicentenário Darwin - cheguemos à conclusão de que há outro parentesco comum, desta vez...com o macaco-cão!
Abraço amigo
João Seabra
Caro Capitão Vasco da Gama
Eu pertenci à 2ª companhia do BCAÇ 4513(Nhala) e a companhia que estava em Buba era a 3ª. Estas coisas passaram-se em Nhala e não em Buba. Quem ainda foi falar com o nosso Capitão B. da C. foi o Capitão da 3ª companhia(Buba), que penso eram muito amigos.
O sr. Manuel Reis dá a entender que os Alferes é que foram os culpados de tudo, mas os acontecimentos precipitaram-se exclusivamente por culpa do nosso Capitão.Obrigado pelo esclarecimento.
Abel Salgueiro
ex-furriel miliciano (2ª companhia do BCAÇ 4513 e CCAÇ 18)
Caro Furriel Abel Salgueiro
Tudo O.K. Ambos percebemos o alcance das nossas msgs portanto não há necessidade de falarmos mais sobre este assunto. Estou neste momento a escrever sobre Nhacobá, onde estiveram dois grupos da sua Companhia no dia 17 de Maio de 1973 e também a 3ª Companhia do B.Caç.4513. Recorda-se? Só agora reparei que também pertenceu à C.Caç.18,significa que garantidamente nos encontrámos pela Guiné. Há-de ter muito que contar em termos de guerra.
Saudações
Vasco A.R.da Gama
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