quarta-feira, 4 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3983: Nuvens negras sobre Bissau (16): O 'Nino' e o Luís Cabral que eu conheci, em 1979-1993 (António Rosinha)

1. Mensagem do António Rosinha, nosso amigo e camarada, ex-Furriel Miliciano em Angola (1961) , topógrafo na TECNIL, na Guiné-Bissau, entre 1979/93 (*), membro da nossa Tabanca Grande desde Novembro de 2006: 

  Assunto - Nino, Luís Cabral, Amílcar Cabral, Spínola... 


 Amigos editores e bloguistas, [Bold, da responsabilidade do editor, L.G.] Só pretendo emitir uma opinião neste momento histórico para a Guiné, com a morte de NINO, pelo simples facto de tentar explicar o que me foi dado perceber o que o povo da Guiné, o povo simples, pensava dos principais obreiros da independência da Guiné e Caboverde. Isto durante 1979-1993. E só faço este esforço de análise, porque sempre achei curioso o que pensavam os nossos colonizados, angolanos e guineenses, destas figuras. Gostava era de ler algo analisado por guineenses (**). 

 Caboverdeanos que tive inúmeros como colegas e superiores profissionais, e da boémia de juventude em Luanda, nunca os tive como colonizados. A maioria estão em Portugal, como eu. A propósito, temos que lembrar que o que se passa na Guiné, tirando os fuzilamentos dos nossos comandos africanos, e nunca escrevem os fuzilados em Conakri com o assassinato de Amilcar, tudo o resto de violência é entre os grandes, uns e outros, porque noutros paises, Serra Leoa, Ruanda, Congo, e mesmo Conacri, etc., não se contam pelos dedos, como na Guiné. 

 Voltando à Guiné, conheci e cumprimentei mais que uma vez, tanto Nino como Luis Cabral. O Luis Cabral visitava constantemente obras públicas onde eu andava. E aí, como eu vivia rodeado de trabalhadores braçais, era privilegiado em informações, só precisava de compreender o crioulo. E os guineenses, quando queriam que eu compreendesse, discutiam em crioulo aberto, caso contrário falavam cerrado e eu, patavina. Eu e qualquer um. 

 E uns meses antes do golpe do Nino, no 14 de Novembro de 1980, o povo já vivia numa revolta surda, em que diziam que o Luís mandava tudo e o Nino, coitado, não mandava nada. Os bormelho mandavam tudo e os filho da terra, nada. O Spinola tinha razão, a Guiné é dos guinéus! E não havia dúvidas, para quem via os dois constantemente passar de carro (estrada do aeroporto durante 1 ano), nunca se viam os dois juntos. 

 Outra coisa que o povo detestava no Luis em favor do coitado do Nino, é que para obter pão e vianda em geral eram bichas (forma) de 24 horas e mais. E de vez em quando lá vinham frases velhas do Spínola. Mas eu só compreendia o à vontade do Luis Cabral, porque de facto ele conseguia subvenções e ajudas e financiamentos mais incríveis, de que só dou duas(2) amostrinhas: 

 (i) Uma fábrica no Cuméré, de transformação de óleo de amendoim e outros, que bombava o óleo directamente para o navio no porto de Bissau para exportação. Eu vi a fábrica, e vi a extremidade do pipe-line no cais de Bissau. (financiamento francês); 

 (ii) Uma fábrica de montagem da Citröen, em frente aos quartéis de Brá. Vi e orientei uns trabalhos da minha especialidade nessa fábrica. Até umas casas para residência de fins de semana das familias dos funcionários, eu vi o projecto (só projecto). Esta ainda chegou a produzir alguns carros...

Mas ainda mais perigoso para Luís Cabral era o à vontade com que preparava um congresso do partido em que ia ser consagrado o sonho de Amilcar, a UNIDADE GUINÉ CABO VERDE. Partido e País Único. E vinha sempre a conversa do Spínola, a Guiné dos Guinéus. E o Nino, coitado, não manda nada. Até que, uns dias antes do tal congresso, se dá o 14 de Novembro, e para o povo, foi como que um tirar a pressão a uma panela, um respirar fundo, em que constantemente se ouvia que agora eram independentes. 

 Sem estarmos em Bissau, e pondo-nos a imaginar, será que foi outra panela de pressão que se abriu para aquele povo? Mas aquela imagem que se quer dar por nós, europeus, sobre Nino, como grande militar mas politicamente pelo contrário, não é bem assim para os africanos, e até se pode considerar que internacionalmente conseguiu muitos sucessos. Copiando o que viu fazer ao Amílcar e ao Luís, conseguiu toda a cooperação que eles conseguiram, ou seja os financiamentos Suecos, Soviéticos, Franceses (com estes teve muita classe), com Portugal não nos ficou barato, TAP, agricultura, bolsas, etc.. 

Com os políticos africanos esteve sempre em casa. O nosso ponto de vista (brancos, europeus) está nos antípodas dos africanos. Por exemplo, para nós, dentro da nossa lógica, bom seria o SENGHOR, menos seria SEKOU TOURÉ, para os guineenses. Mantive discussões, principalmente com gente do partido, que bom era o Sekou Touré, pois que o Senghor era um lacaio dos franceses, e lá vinha a conversa do neocolonialismo e do paternalismo, etc. Aliás, isso era um dos tópicos do Amílcar. 

 E quando se fala entre os europeus de Mandela ou Mugabe, não é a mesma coisa que entre os africanos. Mas com a Inglaterra os africanos não brincam... Outra ideia que me ficou do povo da Guiné, é que, sem excepção, todos queriam a Independência, não eram só os membros do Partido, mas isso já eu tinha compreendido em Angola, só que o povo tem a sua sabedoria, e usaram um cepticismo à espera de qualquer coisa

 Mas uma coisa é certa, os nossos ex-colonizados não nos podem acusar de ter preparado uma elite: E aí não produzimos Mobutus, Idi Amin's, Mandelas, nem Mugabes, nem Senghors Bokassas, etc. porque se os produzíssemos não tinhamos força militar nem política para os proteger como fez a França, a Inglaterra e até América e Rússia. 

 Eu como vi milhares de sanzalas em Angola, absolutamente incrédulas quanto aos três movimentos mais as franjas, sem Salazar ou com Salazar, com comunismo ou sem, achava que não podiamos fazer o que fizeram os vizinhos Belgas, porque todos os cooperantes internacionais que vim encontrar de máquina fotográfica a tiracolo na Guiné, já os tinha visto no Congo Belga, 30 anos antes. Ainda continuam lá. Então, a ONU, em África onde aparece atrai raio! 

 Um abraço Antº Rosinha 

______________ 

 Notas de L.G.: 


5 comentários:

Anónimo disse...

Olá Camaradas,
Acredito, como diz o Rosinha, que o Nino tenha constituído uma esperança agregadora para a gente da Guiné, posto de parte o prjcto de construir uma pátria com C. Verde. Sentia-se isso, porque o pai do projecto já não podia corporizá-lo.
O Rosinha refere o investimento estrangeiro na Guiné, mas por quanto tempo resistiram os investimentos, a Citroen, a cervejeira, que trabalhava irregularmente e a dez por cento da capacidade instalada, a companhia de pesca, e outros ligados ao sactor primário. O que houve foi golpismo económico, porque não foi instalada no país a capacidade energética, nem a infra-estrutura portuária, nem nada que permitisse a rentabilização desses investimentos, com a possibilidade de extrair ganhos, tanto para o investidor, como para o estado guineense, como para o desenho da classe proletária em criação.
Porquê? Só tenho suspeitas sobre isso, e não são benevolentes.
Mas sabemos que o Nino, enquanto governante, não apresentou um modelo de governo, não pugnou por objectivos políticos consistentes, e acabou por condusir a nação para uma desgraça maior do que herdou.
As acentuadas e consecutivas divisões tiveram agora novo epílogo. Terão mais epílogos do género?
Acabei de enviar uma reflexão pessimista.
Um abraço.
José Dinis

Anónimo disse...

José Diniz,
Penso que a Guiné em breve vai ter os seus problemas resolvidos:

Aqueles que antigamente tinham as soluções para o ultramar já se começaram a pronunciar, e já preconizam soluções para agora tambem.

Não sei se irão mandar acender velas como quando foi para Timor.

O que vale é que mesmo com a idade, continuam com soluções para tudo. Lá irão um dia para o panteão.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caro António Rosinha,
Apareceu-me aqui, hoje, um daqueles curiosos, bem intencionados, que me colocou a seguinte questão, a que não consegui responder:
O Tagme Na Waie, balanta, tudo aquilo que foi divulgado, nasceu onde e quando?
Na Guiné Bissau? Ou na outra Guiné?
Idem, idem para o Assumane Mané.
Será que o Rosinha tem resposta?
Obrigado.
Um abraço.
Manuel Amaro

Anónimo disse...

Manuel Amaro,
Em geral se é balanta, dificilmente será dos paises vizinhos.
Quanto aos nomes Mané, podem ser oriundos tanto da Guiné como dos paises vizinhos. Estes nomes para mim não são familiares, só pelos jornais, porque os mais cconhecido já foram morrendo todos. Alguns assassinados.

Mas essa questão ser "filho da terra" ou não, que para os guineenses é importante, é que é um dos principais pontos de atrito, pois que sempre houve muita indefinição em muitos militares e comerciantes e políticos, se são mais ou menos guineenses, pos que familiarmente estão ligados a conakri, Senega, Gambia e até Mauritânia, sem falar no caso mais bicudo que a ligação a Casamancinos.

É o que posso dizer

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Ok. Obrigado.
Ontem verifiquei, nos Telejornais, "com estes dois que a terra há-de comer", que a filha do falecido Tagme Na Waie, CEMGFA da Guiné-Bissau, não fala a língua oficial do seu país.
Assim, não dá para acreditar.

Um Abraço

Manuel Amaro