Texto do António Matos, ex-Alf Mil, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72 (*):
Não fôra uma ou outra ocasião onde me podia ter rebentado uma mina mesmo nas trombas (P4296);
Não fôra ter voado com o rebentamento de uma outra mas que tinha sido accionada pelo camarada que tinha junto a mim (P4141, P3424);
Não fôra ter passado despercebido num choque quase frontal com o Nino (reconhecido pela sua camisolinha com o nome gravado) e o seu séquito de dezenas de guerrilheiros;
Não fôra ter passado quase incólume a várias flagelações suportadas no destacamento de Augusto Barros;
Não fôra estar internado no hospital militar quando o meu grupo de combate foi emboscado na estrada perto de S. Vicente (P3761);
Não fôra todo um conjunto de pequenas outras insignificâncias sem valor histórico
e a minha comissão militar não teria dado origem às intervenções já por mim produzidas neste blogue.
Muito menos teriam suscitado a maçada de alguém se entreter a lê-las.
Um dia dei com este blogue e desde logo passou a ser visita diária num revivalismo medonho quanto catártico numa partilha de estórias e de opiniões com outros bandidos (porque se juntaram em bandos) que se acoitaram atraz daquela fortaleza intransponível, e à prova de bala, que era o arame farpado...
Por vezes, há quem, não sendo tertuliano na verdadeira acepção tabânquica da palavra, se sinta impelido a entrar na tertúlia para dar voz a este ou aquele assunto, ou a manifestar um ou outro esclarecimento.
A mim, particularmente, enche-me de orgulho que outros se sintam interessados em colaborar neste blogue onde o interesse passa por vivências bélicas ou de caserna, de saudade, de camaradagem, de palavrões, de desgostos imensos, e raramente de conteúdos superiores que um ambiente de guerra não propiciava.
Já tivemos intervenções de jovens que por relações de amizade com familiares de militares falecidos no ultramar despertaram para a missão humanista de ajudar a historiar um caso;
Já tivemos intervenções de familiares de militares falecidos no ultramar pelo detonar duma mina que viram nessas intervenções a maneira de homenagearem a memória de alguém;
Já tivemos quem corrigisse imperfeições culturais;
Já tivemos discursos escorreitos e outros mais retorcidos;
Já tivemos palavras de incitamento à continuação bem como alguma impertinência por evidentes assuntos pessoais mal resolvidos.
Enfim, um blogue é mesmo isso, cultiva-se pelo seu pluralismo e tenta-se melindrá-lo por quezilências menores.
Pela contabilidade feita, e sem me preocupar que isso esteja escrito na parte esquerda da página, não será tarde para elogiar a concepção, a estruturação, o desenvolvimento e a produção a que o Luis Graça - devidamente coadjuvado pelos seus editores e posterior(es) co-editor(es) - deu vida e a que todos nós, com maior ou menor disponibilidade, temos respondido com elevado grau de despretenciosismo.
Continua, Luís Graça, que eu cá estarei para os ir espicaçando na medida das minhas capacidades inflamatórias! (**)
Um abraço,
António Matos
____________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
7 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4296: Espelho meu, diz-me quem sou eu (2): António Matos
5 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4141: Os Bu... rakos em que vivemos (2): Bula, CCCAÇ 2790 (António Matos)
19 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3761: Efemérides (14): 19 de Janeiro de 1971, estrada Bula-S. Vicente...(António Matos)
8 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3424: 16.000 minas montadas entre Bula e S. Vicente (António Matos)
1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)
(**) Vd. último poste da série Blogoterapia > 4 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4279: Blogoterapia (101): Obrigado, Manuel Maia, emocionaste-me até às lágrimas (José Brás)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
E é de gente com garra, com génio, com fibra, com tripas, com massa encefálica, com cérebro, com cerebrelo, com sangue nas veias, com netvo, com músculo... que a gente gosta, e de que este blogue precisa!!!
Um Oscar Bravo. Luís
Não fôra olhar para a foto mais o cachimbo a faca a cara gozona-não fôra já ter lido muito tudo creio eu o que tens lido-não fôra teres visto um tal que era nino we não o chumbaste- não fôra ter lido linhas e pensado ter lido tambem entrelinhas - não fora teres perguntado e não teres respondido ao que eu e tu hoje comentamos-
já tivemos aqui gente efectivamente com intervenções correcções discursos disto e daquilo protestos e questiúnculas e eu nas linhas ou mais nas entrelinhas dizia da-se mas o que quer este antónio matos mas nem sei se ele responderia e daí diria o tipo pifou há pouco a informática e agora pifou a mona a cuca a-e aos costumes disseste??
ab torcato
Caro António Matos.
Pode-se dizer que em boa hora "tropeçaste" com o Blogue!
Acho que fizeste um bom retrato daquilo que ele é e que se quer que melhore ainda.
É preciso encontrar o caminho para o desenvolvimento, sempre tendo em conta que é inevitável, e se calhar até desejável, porque nos obriga a aumentar o nível das intervenções, que apareçam opiniões, comentários, até "bocas", menos felizes.
Um abraço
Hélder S.
Amigo Matos
Depois de lido o retrato que fizeste do Blogue, nas linhas e entrelinhas ,de forma tão abrangente e interessante, devo dizer-te que só não estou de acordo quando referes “raramente de conteúdos superiores…”.
Não sei bem que interpretação queres dar, no contexto.
Na minha, acho que há muitíssimos conteúdos Superiores abordados e expressos pela grande maioria dos intervenientes neste Blogue, que também já considero meu e já me faz mais falta que qualquer T.V. repetitiva !
Um abraço
Luís Faria
Caro Luís, a escrita tem, por vezes estas necessidades de explicação pois quem lê, fá-lo com os seus olhos, com os seus sentimentos, com a sua interpretação e nem sempre essas particularidades coincidem com as de quem escreve.
Fico satisfeito em que tivesses posto a tua dúvida ( eu às vezes também as tenhp mas nem sempre fico esclarecido pelo que vou tentar que isso não aconteça agora) .
Pois o que eu quis dizer foi simplesmente que, na guerra, naquela guerra em que estivemos desintegrados de actos e realidades culturais, onde o tempo era passado em lutas ou em momentos fúteis, onde nós e os nossos interlocutores nos encontrávamos muitas das vezes a disputar lerpas ou biscas lambidas, nessa ocasião, dizia, não havia conteúdos superiores que mais tarde pudessem ser transcritos para um blog.
Julgo que terás interpretado que eu dizia que o blog não tinha conteúdos superiores, seria ?
Espero ter-te esclarecido e aquem mais pudesse ter ficado a pensar o mesmo.
Diz-me se sim ou não, ok ?
Um abraço,
António Matos
Matos
Se queres dizer "conteúdos mais intelectualizados",digamos assim,ok estou de acordo que seriam relativamente poucos lá na Guiné.
Um Abração
Luis Faria
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