1. Caros companheiros
Mais uma vez estou a chamar a vossa atenção para os momentos menos bons do nosso Blogue, criados por alguns, poucos, mas reincidentes, camaradas que fervendo em pouca água, começam a usar de uma agressividade que nada tem a ver com o espírito do Blogue.
Vamos assentar uma coisa. A partir de hoje sempre que um comentário menos feliz despoletar outros mais violentos, eu, pura e simplesmente retiro-o assim como aos sequentes.
Reafirmo que devem resolver os vossos desentendimentos pessoais via mail, onde poderão à vontade usar palavras mais ou menos acintosas sem poluírem o Blogue.
A propósito de mais este desentendimento, recebi hoje uma mensagem do nosso camarada Vítor Junqueira com um comentário que deve ser lido com atenção.
2. Mensagem de Vítor Junqueira (*), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72, de hoje.
Carlos,
Começo a temer que a minha insistência se torne enfadonha. Mas, com sabes, ultimamente foram publicadas matérias que agitaram um pouco as águas. O que é óptimo. Se por um lado, são as que mais aprecio, por outro noto que alguns camaradas se deixam embalar nos comentários, podendo gerar-se alguma crispação. Ora é nessas alturas que me apetece dizer de minha justiça...
Se achares que o texto pode merecer a atenção de alguns dos nossos camaradas, publica p.f.
Com amizade e ao dispor,
VJ
Meus queridos amigos e ex-camaradas, da direita ou da sinistra, refractários, faltosos e desertores, visitantes e seguidores habituais deste Blog;
A todos, o meu abraço fraterno e descomprometido, e o pedido de desculpas por estar a aparecer com demasiada frequência.
Peço-vos uns momentos da vossa atenção para, em conjunto, reflectirmos sobre uma matéria publicada recentemente, que já fez saltar algumas tampas. O que na nossa idade é muito perigoso como já acautelei!
Começo por me corrigir a mim próprio: Quando me dirijo aos meus ex-camaradas, no mínimo estou a cometer uma blasfémia. Porque, no âmbito daquilo que aqui nos traz, ex-camaradas é coisa que não existe! Enquanto durar a nossa viagem à volta do sol, havemos de ser camaradas. O laço pode ser ténue ou forte, mas é indestrutível. Por isso, daqui em diante, aos da família passarei a tratar por camaradas, simplesmente.
Camaradas, poderá haver igual, mas não há ninguém que aprecie mais uma boa peleja do que eu. De qualquer natureza! E quando os contendores se batem por ideias, valores, princípios, honra e dignidade, coisas que para mim, como para vós todos são muito mais do que simples palavras, aí tiro-lhes o meu chapéu. Que fique bem claro que está nos antípodas do meu pensamento, fazer qualquer apelo à calma, armar em medianeiro, interpor-me no seio daqueles que sentem os pêlos do espinhaço arriçados. E se houver de correr sangue, que corra até que os cães o bebam de pé. Mas, por favor, não ofendam a vossa inteligência. Nem a minha. Vamos ao osso! Antes permitam-me que escreva um parágrafo justificativo.
Como já o afirmei nesta sede, fui voluntário para a tropa, fui voluntário para a Guiné, passei lá dois dos melhores anos da minha vida e notem que até então, ela, a vida, não me tinha dado razões de queixa. Participei, compartilhei o fardo convosco. Fi-lo consciente e convictamente, por respeito ao meu julgamento de então. Se a História se repetisse e as circunstâncias fossem as mesmas, hoje voltaria lá, certamente.
E no entanto, quero abraçar:
Os compelidos, faltosos e refractários que, à força ou depois de pensarem melhor, lá acabaram a fazer a queda na máscara ao meu lado.
Aqueles que espalhados pelo Mundo, obtiveram junto dos consulados as suas Licenças Militares definitivas, podendo dar continuidade às respectivas actividades profissionais, e remeter para a Pátria, as paletes de francos, marcos, dólares etc., que tanto jeito nos deram quando a pesada herança bateu no fundo. Os da sinistra, p.f. não levem a mal esta farpa! Abraço também os que por alergia ao teatro de operações, preferiram servir o país de outra forma, como por exemplo, integrarem a frota bacalhoeira (sabiam?);
E quanto aos desertores, porque tiveram a coragem de arriscar a prisão ou uma vida inteira no exílio, obedecendo a respeitáveis e nobres ideais, ou partiram por amor à pele, atitude que não se revestindo de uma nobreza por aí além, é igualmente compreensível, envolvo-os também no meu amplexo, mas sem direito a aplauso.
Por outro lado, não são meus camaradas:
Aqueles que vestindo a nossa farda, eram objectivamente combatentes do IN, a quem forneciam informações e até segredos de que tinham conhecimento por força das funções que desempenhavam;
Os que tendo integrado as FA de Portugal e jurado fidelidade à sua bandeira, saltaram para o outro lado da paliçada, oferecendo-se para colaborar activamente em planos que visavam a liquidação física de ex-companheiros de armas, incluindo os amigos;
Todos quantos encapotadamente, tal qual laboriosas toupeiras, se colocaram ao serviço de ideologias, objectivos e interesses de potências estrangeiras e pela escrita, pela palavra ou pela acção conspiraram, visando o desprestígio e aniquilação do exército fascista, nós! Esses não são meus camaradas.
Mas, notem bem, o facto de não serem meus (nossos) camaradas, não me dá o direito de os julgar sob qualquer prisma e ainda menos de os condenar, cabendo esse desígnio a outras instâncias, entre elas a História, que amparada pelo Tempo há-de apreciar de forma asséptica e distanciada os Homens e os factos do último quartel do séc. XX português.
Se estou certo até aqui, cabe-me deixar algumas perguntas:
Porquê então litigar à volta de acontecimentos sobre os quais, todos o sabemos, haveremos de discordar até ao fim dos nossos dias? De que serve apontar factos do passado ou nomes de pessoas que nunca nos caíram no goto, mas que sabemos serem objecto de grande estima e admiração por parte de importantes franjas da sociedade? Porque não cuidar da forma, para que não pareça cáustica, amarga ou revanchista, como avaliamos comportamentos de tempos idos, sabendo que o que foi já não é e o que ontem era uma virtude, amanhã será uma aberração? Admitamos por absurdo que à luz dos princípios e valores de hoje, uma qualquer entidade intemporal se punha a escrutinar os factos que consideramos mais relevantes da nossa história como nação. Apenas alguns exemplos:
A usurpação de terras à moirama, que para não criar chatices futuras era passada à espada, aquém e além mar, os trabalhos da Santa Inquisição, o holocausto dos Judeus de que os sobrantes tiveram que fugir ou viver escondidos até ao 25 de Abril, a execução (assassinato) dos Távoras a golpes de marreta no peito, com esposas e filhos a assistir enquanto aguardavam o mesmo destino, o genocídio de milhares de negros, índios e indianos, a escravatura mais obscena, negócio que controlámos através de famosos entrepostos ao longo da costa ocidental de África (ex. Senegal), o envio de homens para as trincheiras das Ardenas, pagos por cabeça como carneiros, as campanhas de África cujos protagonistas mais importantes dão o nome a muitas praças, ruas e avenidas cá do burgo, a nossa participação em bandalheiras como as que estão a ocorrer no Iraque e Afeganistão, em que um dos porteiros da guerra – lembram-se da conferência dos vendidos nos Açores? –, foi recompensado com um alto cargo na EU? Bem, com um currículo destes não haverá muitas nações no mundo, e a haver julgamento, hoje, estaríamos feitos!
Quer isto dizer que devamos assumir algum complexo de inferioridade ou culpa? Não, e por muito que estas manchas nos incomodem, a verdade é que factos do passado têm que ser visto à luz de contextos muito diferentes das envolventes sociais, económicas, religiosas etc., dos nossos dias.
Então as rádios Voz da Liberdade e Portugal Livre, mentiam? Claro que mentiam e desbragadamente! E a velha Emissora Nacional de Radiodifusão (buuuun…) se calhar não lhes ficava atrás! O Manuel Alegre desertou? Bem, ninguém o nega. Para uns, ele e muitas figuras gradas da nossa democracia, desertaram. Para outros, foram combater além fronteiras. Há ainda quem considere que todos não passam de um bando de oportunistas ressabiados com o regime. O Manuel Alegre foi para Argel onde seria difícil a polícia ir buscá-lo. Houve quem se fartasse de sofrer em Paris, Londres, Estocolmo … E depois?
O que eu pergunto é o seguinte; alguém quer ser juiz, alguém tem folha de serviço e tomates para os julgar? Eu digo já que não tenho!
Por isso camaradas, aqui vai o pedido de um amigo. Quando o tema for quente como este, não deixemos que ele nos fique atravessado na garganta com receio de melindrar alguém. Dissequemo-lo com o frio escalpelo da ponderação, deixando as acaloradas emoções de reserva para os nossos encontros!
Duas notas finais:
1.ª - Acabo de ouvir na TV que dois líbios detidos no inferno de Guantánamo, virão para Portugal. Se estão inocentes e foram vítimas de arbitrariedades monstruosas, dou-lhes as boas vindas. Se têm culpas no cartório, ou são potencialmente perigosos, têm ou tiveram ligações com redes terroristas, devemos exigir um esclarecimento exaustivo por parte das nossas autoridades.
Também li recentemente na Net que uma comissão do Senado dos States vai exigir a presença de Bush, Rumsfeld, Dick Cheney e mais uma série de personalidades importantes da anterior administração. Como arquitectos das guerras em que o país se envolveu no médio oriente, vão ter de se explicar quanto a um conjunto de atoardas cozinhadas pelas suas agências de informações, como aquela das armas de destruição massiva, que serviram para justificar perante o seu povo e o mundo, a catastrófica decisão de avançar para a guerra. Deverão ser também questionados acerca dos métodos utilizados no interrogatório de prisioneiros aos quais deram cobertura. No reino Unido, uma comissão com idênticos poderes e pelos mesmos motivos, vai chamar o Blair à pedra.
E aí, comecei a pensar: Querem lá ver que um dia o nosso Barrosito ainda vai assentar o cu no mocho?
2.ª - No Post 4785, em que se fala da propaganda by rádio, deixei um daqueles comentários rápidos citando sem citar Boake Carter “Em qualquer guerra, a primeira vítima é sempre a verdade”. Aqui fica o nome do pai da frase, assim como a sua tradução correcta: “Em tempo de guerra a primeira vítima é a verdade”
Como sabem, para publicar é preciso ter conta no Google. Por isso usei o meu alias naquele browser que é JUAN de JUnqueira ANastácio, e é o mesmo com que assino um Blog cuja construção iniciei há pouco: http://kurtviagens.blogspot.com/
Quando o Juan voltar a atacar, já sabem que se trata do Vítor Junqueira.
Com muita amizade,
VJ
__________
Nota de CV:
(*) Vd. poste de 6 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4789: (Ex)citações (36): As minhas lágrimas há muito secaram (Vítor Junqueira)
(**) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4785: Estórias avulsas (47): Rádio “Voz da Liberdade” também mentia! (José Marques Ferreira da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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6 comentários:
Vitor,
Podias ter prosseguido porque estavas a agradar. Assim, circunscrito à tua sábia explanação,reconheço que essa de guardar umas reservas para a resolução de conflitos em próximos encontros, é de mestre. Ainda recentemente em Monte Real, a coisa não passou de uns cumprimentos formais, que não deram para todos, a uns minutos de silêncio para se cantar o fado, quando oque a malta queria, era um encontro caloroso, a chutos e pontapés, ainda mal tinhas dado um sopapo, já embrulhavas de outro camarada. Tudo em doses generosas e sem reservas. Que melhor tratamento para as artroses que os vícios do ginásio já não resolvem? E o stress libertado, sem sofismas de regras protectoras?
Agora a sério, esta ironia fica muito aquém da maneira sapiente com que te expressas. A leitura ATENTA do teu texto é uma urgência. Sobretudo a propósito de qualquer tema "quente", DISSEQUEMO-LO COM O FRIO ESCALPELO DA PONDERAÇÃO.
Parabéns.
abraço
J.Dinis
Camarigo Victor
Assino por baixo e recomendo a leitura!
Camarigo J. Dinis
Ressinto-me um pouco, (só um bocadinho!), do que dizes acerca do encontro de Monte Real.
Diminuíram-se os cumprimentos da praxe ao minimo, os fados foram cantados porque a maioria assim o quis, (naquelas condições é um esforço tremendo), e não foi colocado nenhum entrave aos "embates" frente a frente, dois a dois, três a três e por aí fora.
Aliás pelo que sabemos até houve tempo para conversas e entendimentos entre quem não estava tão "entendido".
É apenas um reparo, à conta da camaradagem e amizade.
Abraços camarigos para o Victor, para o J. Dinis e para todos
Caro Vítor Junqueira,
Neste discurso bem delineado em que sugeres a responsabilidade da história nos "julgamentos" que evidentemente não nos cabem enquanto cidadãos,encontra um óbice...
Os documentos apócrifos.
Se a história estiver prenhe de inverdades,esse "julgamento" nunca será feito.
Nos vários casos que referiste,
constata-se a existência de muitas nebulosas em grande parte deles,óbviamente por acção
dos chamados documentos,
e quando estes estão cheios de incorrecções e inverdades haverá deturpação histórica.
Vamos ter no pantéon nacional, glorificada ao estilo bafiento, muita "gentinha" da que excluiste
no teu rol de não camaradas.
Relativamente aos líbios( que os "camónes" deveriam resolver dentro de portas...),estou convicto que são uma forma de cobrar o alto lugar do cherne que lhe foi entregue pelo excelente serviço de portaria prestado nas Lages a Bush,Blair e Aznar...
Depois virão uns dinheiros que se perderão em parte em contas off-shore lá p´rás Caimão,para garantir a protecção, alimentação e pocket money dos ditos homens do farrapo na cabeça...
Aguardemos.
Ùm abraço camarigo,( expressão devidamente autorizada pelo Mexia Alves).
Manuel Maia
-pirata-vermelho- disse...
(Não percebendo o alcance da advertência nº1, à cabeça deste artigo e esperando não ser por ela alcançado) Camarada Junqueira,
aquele que combate ou favorece o combate da força opositora é objectivamente inimigo, qualquer que seja a sua origem ou condição.
Depois de terminado o conflito só continua a sê-lo quem assim se conformar por conta própria, sem prejuízo dos casos que aponta.
Salvador Nogueira
Ao Salvador Nogueira,
Se estou a ver bem, o nº 1 deste post contem uma advertência do editor do Blog à tertúlia. Uma espécie de aviso à navegação que não se dirigindo a ninguém em concreto, tem a sua razão de ser e deve ser tida em conta. Parece-me ser este o espírito da coisa.
Quanto ao corpo do teu comentário, só posso dizer-te que estou totalmente de acordo. Por isso, peço que não atentem contra minha inteligência (e alheia), buscando justificações para ódios de estimação. Como também não concordo com julgamentos e condenações pessoais envolvendo factos e entidades que marcaram as nossas vidas há quatro décadas.
Grato pele atenção,
Vitor Junqueira
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