Assunto - Página de um Diário de Guerra (Memória)
Caro Comandante:
Na esperança de te dar um abraço ainda este ano - conto estar uns dias por Oeiras a partir de 16 deste mês - lembrei-me de te escrever hoje depois de ler a arrepiante viagem do Alouette II até ao HM 241 (P5420) (**).
Também nos meus tempos passei pela complicada experiência de meter feridos da minha CCaç 675 nesses assustadores "caixões" que ladeavam os helis [Al II]. Um deles foi o Capitão Tomé Pinto, Comandante da Companhia, ferido numa patrulha a Santacoto no longínquo dia 5 de Agosto de 1964.
Há uns anos atrás escrevi um poema que nunca tive a "lata" de mostrar a ninguém. Com a idade perde-se a vergonha e aqui vai o dito.
Para ti, caro Luís, votos de boa saúde e de calma. Fico preocupado contigo quando te vejo a "combater" em tantas frentes...
Um grande abraço e até breve.
Assim o espero.
JERO
Caro Comandante:
Na esperança de te dar um abraço ainda este ano - conto estar uns dias por Oeiras a partir de 16 deste mês - lembrei-me de te escrever hoje depois de ler a arrepiante viagem do Alouette II até ao HM 241 (P5420) (**).
Também nos meus tempos passei pela complicada experiência de meter feridos da minha CCaç 675 nesses assustadores "caixões" que ladeavam os helis [Al II]. Um deles foi o Capitão Tomé Pinto, Comandante da Companhia, ferido numa patrulha a Santacoto no longínquo dia 5 de Agosto de 1964.
Há uns anos atrás escrevi um poema que nunca tive a "lata" de mostrar a ninguém. Com a idade perde-se a vergonha e aqui vai o dito.
Para ti, caro Luís, votos de boa saúde e de calma. Fico preocupado contigo quando te vejo a "combater" em tantas frentes...
Um grande abraço e até breve.
Assim o espero.
JERO
À distância no tempo... recordo sons!
Numa selva de imagens
recordo militares agitados...
Lembro a floresta, o caminho estreito.
À distância no tempo... os ruídos esbateram-se!
Ficaram imagens...
Deitado na viatura da "Breda" está ferido o capitão,
Pálido, de camuflado rasgado... mas comandando.
Ordens e gritos... Militares disparando...correndo,
lutando à voz do seu capitão exangue...
Saindo da floresta
que para trás ficava de novo silenciosa!
Na distância do tempo... volto a ouvir
Algures vindo do céu, antes da vista o ter visto,
O barulho inconfundível das pás, das hélices do helicóptero.
O sangue deixou de correr,
a palidez das faces atenua-se,
e aparecem os primeiros sorrisos.
Estão nítidos na minha memória
os companheiros
que ficaram para a vida, toda a vida.
À distância no tempo... Do inimigo de então
que tantas vezes ouvimos e não vimos,
sem ódio, sem ressentimento, quase nada recordo.
À distância no tempo... recordo homens, irmãos!
JERO
[Revisão / fixação de texto : L.G.]
Fotogramas do vídeo: Guerre en Guinée (ORTF, 1969) (c. 14') (cortesia do Virgínio Briote) (***)
_______________
Notas de L.G.:
(**) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5420: FAP (38) : O helicóptero Alouette II ou uma arrepiante viagem na 'montanha russa' até ao HM 241 (Jorge Félix)
(***) Vd. poste de 8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)
Vd. também: 15 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2351: Vídeos da Guerra (6): Uma Huître Amère para a jornalista francesa Geneviève Chauvel (Virgínio Briote / Luís Graça)
2 comentários:
Nem mais, à distância no tempo, cá estamos nós, portugueses, guineenses, cabo-verdianos e até cubanos, outrora inimigos (porque estavam de um lado e do outro da "barricada", objectivamente de um lado e do outro, com bandeiras e armas diferentes, por razões diferentes, convincentes ou não...
Cá estamos nós, homens, simplesmente homens... A guerra, aquela guerra, não nos fez inimigos para sempre... São três povos a quem estamos ligados até por laços políticos, culturais, linguísticos, diplomáticos e económicos (CPLP, no caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde; Comunidade Ibero-Americana de Nações, no caso de Cuba)...
Gostei da tua evocação poética deste doloroso episódio de guerra que vitimou o teu capitão...
Luis Graça
Quem nasceu em quarenta,
E caminha para os setenta,
Não tem tempo a perder.
Há que aproveitar o tempo
Recordar é viver.
Obrigado Luís por todo o tempo que nos tem dispensado.
Até ao fim do tempo o meu reconhecimento.
JERO
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