quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5478: Blogpoesia (61): À distância no tempo... (JERO, Ex-Fur Mil Enf, CCAÇ 675, Binta, 1964/66))

1. Mensagem do JERO (aquele rapaz de Alcobaça, que na outra encarnação foi Fur Mil Enf , CCAÇ 675, Binta, 1964/66)(*), com data de 7 do corrente:


Assunto - Página de um Diário de Guerra (Memória)

Caro Comandante:

Na esperança de te dar um abraço ainda este ano - conto estar uns dias por Oeiras a partir de 16 deste mês - lembrei-me de te escrever hoje depois de ler a arrepiante viagem do Alouette II até ao HM 241 (P5420) (**).

Também nos meus tempos passei pela complicada experiência de meter feridos da minha CCaç 675 nesses assustadores "caixões" que ladeavam os helis [Al II]. Um deles foi o Capitão Tomé Pinto, Comandante da Companhia,  ferido numa patrulha a Santacoto no longínquo dia 5 de Agosto de 1964.

Há uns anos atrás escrevi um poema que nunca tive a "lata" de mostrar a ninguém. Com a idade perde-se a vergonha e aqui vai o dito.

Para ti, caro Luís,  votos de boa saúde e de calma. Fico preocupado contigo quando te vejo a "combater" em tantas frentes...

Um grande abraço e até breve.
Assim o espero.
JERO





À distância no tempo... recordo sons!
Numa selva de imagens
recordo militares agitados...
Lembro a floresta, o caminho estreito.
À distância no tempo... os ruídos esbateram-se!
Ficaram imagens...
Deitado na viatura da "Breda" está ferido o capitão,
Pálido, de camuflado rasgado... mas comandando.



Ordens e gritos... Militares disparando...correndo,
lutando à voz do seu capitão exangue...
Saindo da floresta
que para trás ficava de novo silenciosa!


Na distância do tempo... volto a ouvir
Algures vindo do céu, antes da vista o ter visto,
O barulho inconfundível das pás, das hélices do helicóptero.



O sangue deixou de correr,
a palidez das faces atenua-se,
e aparecem os primeiros sorrisos.

Estão nítidos na minha memória
os companheiros
que ficaram para a vida, toda a vida.




À distância no tempo... Do inimigo de então
que tantas vezes ouvimos e não vimos,
sem ódio, sem ressentimento, quase nada recordo.

À distância no tempo... recordo homens, irmãos!

JERO

[Revisão / fixação de texto : L.G.]

Fotogramas do vídeo:  Guerre en Guinée (ORTF, 1969) (c. 14') (cortesia do Virgínio Briote)  (***)

_______________

 Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4686: Tabanca Grande (162): José Eduardo Oliveira, ex-Fur Mil, CCAÇ 675, Binta, 1965/66

(**) Vd. poste de 7 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5420: FAP (38) : O helicóptero Alouette II ou uma arrepiante viagem na 'montanha russa' até ao HM 241 (Jorge Félix)

(***) Vd. poste de 8 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2249: Vídeos da guerra (2): Uma das raras cenas de combate, filmadas ao vivo (ORTF, 1969, c. 14 m) (Luís Graça / Virgínio Briote)

2 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais, à distância no tempo, cá estamos nós, portugueses, guineenses, cabo-verdianos e até cubanos, outrora inimigos (porque estavam de um lado e do outro da "barricada", objectivamente de um lado e do outro, com bandeiras e armas diferentes, por razões diferentes, convincentes ou não...

Cá estamos nós, homens, simplesmente homens... A guerra, aquela guerra, não nos fez inimigos para sempre... São três povos a quem estamos ligados até por laços políticos, culturais, linguísticos, diplomáticos e económicos (CPLP, no caso da Guiné-Bissau e de Cabo Verde; Comunidade Ibero-Americana de Nações, no caso de Cuba)...

Gostei da tua evocação poética deste doloroso episódio de guerra que vitimou o teu capitão...

Luis Graça

Anónimo disse...

Quem nasceu em quarenta,
E caminha para os setenta,
Não tem tempo a perder.

Há que aproveitar o tempo
Recordar é viver.

Obrigado Luís por todo o tempo que nos tem dispensado.

Até ao fim do tempo o meu reconhecimento.
JERO