Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
terça-feira, 28 de setembro de 2010
Guiné 63/74 - P7048: A minha CCAÇ 12 (7): Op Pato Rufia, 7 de Setembro de 1969: golpe de mão a um acampamento IN, perto da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, morte do Sold Iero Jaló, e ferimentos graves no prisioneiro-guia Malan Mané e no 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus (Luís Graça)
Esposende > Fão > 1994 > A primeira vez que me reencontrei com a malta de Bambadinca (1968/70), incluindo os meus camaradas da CCAÇ 12, e outras subunidades adidas ao comando do BCAÇ 2852.
Na foto, estão alguns camaradas que participaram comigo na Op Pato Rufia, 7 de Setembro de 1969, agora aqui evocada... Não tenho a veleidade de ter boa memória, mesmo assim arrisco uma legenda: na primeira fila, da esquerda para a direita: Fur Mil MAR Joaquim Moreira Gomes [, vivia no Porto, na altura ]; sold cond auto Diniz Giblot Dalot [, empresário, vive em Aljubarrota, Prazeres]; um antigo escriturário da CCS/ BART 2917 (morava em Fão, Esposende); Alf Mil Inf António Manuel Carlão [,casado com a Helena, comerciante, vive em Fão, Esposende]; Fur Mil Arlindo Teixeira Roda [, natural de Pousos, Leiria; professor em Setúbal; damista, grande jogador de king e de lerpa, no nosso tempo, a par do Humberto Reis]; Fur Mil Armas Pesadas Inf Luís Manuel da Graça Henriques [, prof univ., fundador deste blogue, vive em Alfragide / Amadora]; Arménio Monteiro Fonseca (taxista, no Porto, da empresa Invictuas, táxi nº 69, mais conhecido no nosso tempo como o "vermelhinha"); Fur Mil José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, onde vive, agente de seguros]...
Na segunda fila de pé, da esquerda para a direita: Fernando Carvalho Taco Calado, Alf Mil Trms, CCS/BCAÇ 2852; Alf Mil Manutenção Ismael Quitério Augusto, CCS/BCAÇ 2852; Fur Mil António Eugénio Silva Levezinho [, Tony para os amigos, reformado da Petrogal, vive em Martingal, Sagres, Vila do Bispo]; Capitão Inf Carlos Alberto Machado Brito [, Cor Ref, vive em Braga, passou pela GNR]; n/s; major Cunha Ribeiro, mais conhecido por "major elétrico", 2º comandante do BCAÇ 2852; Fur Mil Op Esp Humberto Simões dos Reis [, engenheiro técnico, vive Alfragide / Amadora; na foto, escondido, de óculos escuros]; n/s; Alf Mil Cav José Luís Vacas de Carvalho, Pel Rec Daimler 2206; Alf Mil Inf Mário Beja Santos, Pel Caç Nat 52; Fur Mil António Fernando R. Marques [, natural de Abrantes, vive em Cascais, empresário reformado]; Manuel Monteiro Valente (de bigode e de perfil, ex-1º Cabo, 1º Gr Comb, CCAÇ 12, apontador de dilagrama; Abel Rodrigues (hoje bancário reformado, ex-Alf Mil, 3º Gr Comb, CCAÇ 12); Alf Mil Op Esp Francisco Magalhães Moreira [, vive em V. N. Famalicão ou Fafe, se não erro]; Fur Mil Joaquim Augusto Matos Fernandes [, de óculos escuros, engenheiro técnico, vive no Barreiro]; 1º Cabo Carlos Alberto Alves Galvão [, o homem que foi ferido duas vezes numa operação, vive na Covilhã]; Fernando Sousa (ex-1º Cabo Enf, CCAÇ 12, vive na Trofa); e, por fim, 2º Sarg Inf Alberto Martins Videira [, vive ou vivia em Vila Real].
Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Paúnca > CCAÇ 11 > Pós-25 de Abril de 1974 > O ex-Fur Mil Op EspJ. Casimiro Carvalho, empunhando um RPG2 (ou 7 ?), e posando para a fotografia com um roqueteiro do PAIGC. O Malan Mané, aqui referido no texto a seguir, também era apontador de RPG2, na altura em que foi feito prisioneiro no decurso da Op Nada Consta (*).
RGP em russo quer dizer Ruchnoi Protivotankovii Granatomet (lança-granadas anti-tanque). Era uma temível arma que datava dos finais de 1940 ou princípios dos anos 50. Deixou, entretanto, de ser usada pelo exército russo por volta de 1960, sendo substituída pelo RPG 7, mais sofisticado e eficaz.
Esta arma era muito popular entre os grupos de guerrilha existentes em todo o mundo. Era a bazuca dos pobres... Na Guiné, era uma arma de má memória, altamente temida por nós (e pelo próprio PAIGC, quando usada com eles); matou e estropiou muitos camaradas nossos...
É uma arma muito leve (tubo= 2,86 kg.; tubo + granada= 4,48 kg.) e de fácil manobra: 0, 95 m de comprimento (o tubo) ou 1,20 m (tubo + granada). Rapidez: Até 6 tiros por minuto. Velocidade máxima: 84 m por segundo. Alcance efectivo= 100 metros. Munição: PG2, granada altamente explosiva, de pólvora preta. Penetração em chapa blindada: até 180 mm. (Agora imagine-se em pele, carne e osso...).
Especificações técnicas / Technical details: Fonte/Source: Cortesia de/ Courtesy of The Sword of Motherland Foundation (2000-2007)
Foto: © J. Casimiro Carvalho (2007). Todos os direitos reservados
Resumo: A CCAÇ 2590/CCAÇ 12, composta por quadro metropolitanos, chegados à Guiné em finais de Maio de 1969 , e por soldados africanos, praticamente todos oriundos do chão fula que tinham feito a sua instrução básica e de especialidade em Contuboel, é dada como operacional, a partir de 18 de Julho de 1969.
Colocada em Bambadinca (Sector L1), como unidade de intervenção, fica pronta a actuar às ordens de qualquer um dos sectores da Zona Leste da Guiné (em especial dos Sectores L1, L3 e L5). Tem o seu baptismo de fogo logo imediatamente a seguir, em Madina Xaquili, ainda em Julho de 1969 e em farda nº 3, no sub-sector de Galomaro .
1. A minha CCAÇ 12 > Op Pato Rufia: golpe de mão a um acampamento do IN, perto da antiga estrada Xime-Ponta do Inglês, morte do Sold Iero Jaló, e ferimentos graves no prisioneiro-guia Malan Mané e no 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus
por Luís Graça
O guerrilheiro Malan Mané que foi aprisionado pelos pára-quedistas, na Op Nada Consta (*), realizada em conjunto com a CCAÇ 12 e outras forças, ficou depois à disposição do comando do BCAÇ 2852, na sede do sector L1, em Bambadinca. Sujeito a interrogatório (e explorando-se o seu estado psicológico), forneceu informações que levariam à localização de um outro acampamento IN, desta vez no sub-sector do Xime.
Tratava-se de um destacamento avançado, a escassas horas do Xime, composto por 5 cubatas paralelamente à estrada Xime-Ponta do Inglês, do lado oeste, internadas na mata cerca de 150 metros.
O prisioneiro estivera lá três meses antes, e na altura os efectivos eram de cerca de 40 homens (mais ou menos um bigrupo), incluindo um grupo especial de roqueteiros que todas as manhãs se deslocavam para a Ponta Varela afim de atacar as embarcações em circulação no Rio Geba. O armamento era constituído por seis RPG-2 e armas ligeiras.
Com base nestas informações planeou-se imediatamente Op Pato Rufia afim de executar um golpe de mão sobre o acampamento em referência, com o prisioneiro a servir de guia.
O início do golpe de mão estava previsto para a madrugada do dia 25 de Agosto, mas o guia , o prisioneiro Malan Mané, perdeu-se, alegadamente devido à escuridão e à altura do capim. Foi decido então fazer um prévio reconhecimento da área.
A 27 de Agosto, o 2º Gr Comb da CCAÇ 12 e forças da CART 2520, do Xime, detectariam uma casa de mato abandonada e uma granada de morteiro 60 que não foi levantada por não apresentar garantias de segurança, a escassas centenas de metros do acampamento IN cujos trilhos de acesso foram devidamente reconhecidos pelo prisioneiro.
No regresso ao Xime verificou-se que o trilho, feito pelas NT dois dias antes, estava minado nos pontos de confluência com a estrada da Ponta do Inglês, tendo os picadores detectado cinco minas anti-pessoal. Tornava-se evidente que o IN fora alertado da presença das NT e que entretanto redobrara de vigilância.
A 7 de Setembro de 1969, repetia-se a Op Pato Rufia, com a duração previsível de dois dias, e com a seguinte composição e articulação das forças:
(i) Destacamento A: CCAÇ 12 (Bambadinca) a 3 Gr Comb (+);
(ii) Dest B: CART 2520 (Xime) a 2 Gr Comb (+ 1 Secção do Pel Mil 145, de Amedalai)
(iii) Dest C: PEL CAÇ NAT 53 (Saltinho), 63 (Fá Mandinga) e 52 (-) (Missirá).
A missão era executar um golpe de mão sobre o acampamento IN erm Xime (3C7 -28), por parte do Dest A, conjugado com emboscadas, ao cuidado dos Dest B e C.
Desenrolar da acção:
(i) A progressão iniciou-se, a partir do Xime, pelas 1.30h da noite, atingindo-se as proximidades do local do acampamento IN já perto da madrugada.
(ii) Os Dest B e C dirigiram-se para os seus locais de emboscada, enquanto o Dest A formava em linha paralelamente à estrada, a uns 200 m.
(iii) Sabia-se que o IN tinha uma sentinela avançada e que os elementos do grupo dormiam com as armas à cabeceira. A aproximação através do capim alto e da mata densa facilmente denunciava as NT.
(iv) E, de facto, ainda mal o Dest A (CCAÇ 12) tinha iniciado a progressão em linha quando foi alvejado por duas rajadas de pistola-metralhadora que deram o sinal de alarme.
(v) Imediatamente as NT começaram a ser batidas por fogo de lança-rockets, morteiro 60 e armas automáticas a que reagiram prontamente.
(vi) Foi nessa altura que um dilagrama, ao ser descavilhado, rebentou à boca da arma, por deficiência da alavanca de segurança, tendo atingido o prisioneiro Malan Mané e o Soldado Iero Jaló (2º Gr Comb) que o conduzia e que teve morte quase instantânea.
(vii) Entretanto já tinham sido feridos o 1º Cabo Mateus (3º Cr Comb) com um tiro no joelho e dois picadores da milícia do Xime.
(ix) Continuando a progressão, e tendo ficado 1 Gr Comb (-) a montar segurança aos feridos, atingiu-se o acampamento constituído por 9 cubatas, para quatro a cinco homens cada, e que o IN tinha abandonado precipitadamente.
(x) Na fuga urn pequeno grupo foi cair na zona de emboscada do Dest B que abriu fogo, tendo o IN reagido com um disparo de RPG-2 que causou vários feridos ligeiros às NT.
(xii) Entretanto já os Gr Comb do Dest A tinham literalmente saqueado as casas de mato, recolhendo documentos, livros didácticos, folhetos de propaganda e objectos pessoais (inclusive maços de tabaco russo), além de material de guerra.
(xiii) À ordem, as forças dos 3 Dest reuniram-se no local do acampamento e colaboraram numa batida minuciosa à zona a fim de detectar os vestígios deixados pelo IN que retirou, disperso, em debandada, na direcção de Buruntoni e Ponta Varela.
(xiv) Além de vários feridos prováveis, o IN sofreu 2 mortos confirmados (posteriormente).
(xv) Feita a evacuação dos feridos, os 3 Dest receberam ordem de retirar.
(xvi) Entre Gundagué Beafada e Madina Colhido foram ouvidos vários rebentamentos na área do acampamento. Presumindo que as NT ainda estivessem no local, o IN fizera fogo de reconhecimento na direcção do Buruntoni.
(xvii) Por volta das l6h do dia 7, as nossas forças chegavam ao aquartelamento do Xime, tendo o Dest A transportado em maca o cadáver do soldado Iero Jaló.
(xviii) O material capturado pelo Dest A (CCAÇ 12), no valor de 10.825$00, foi o seguinte:
Granadas de RPG2= 30
Granadas de Mort 60 = 6
Granadas de mão defensivas = 2
Minas anti-pessoal = 3
Munições 7,62 Pist Metr PPSH = 610
Munições 7,62 Esp Aut Kalashnikov e Met Lig Degtyarev = 88
Carregadores Esp Aut Kalashikov c/bolsa = 3
Carregadores Metr Lig Degtyarev=2
Carregadores Pist Metr PPSH = 2
Cartuchos propulsores = 9
Cargas suplementares de RPG-2 = 34
Saco de campanha = 1
Cantil = 1
Marmita = 1
Almotolias =2
(xix) Baixas das NT:
- Soldado do recrutamento local, nº82115969, Iero Jaló (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12);
- Feridos graves /(evacudos para o HM241): 1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus (3º Gr Comb, 1ª Secção, comandada pelo Fur Mil Arlindo T. Roda, CCAÇ 2590/CCAÇ 12); prisioneiro-guia Malan Mané;
- Feridos ligeiros: Sold At José Rosa Franciso (CCAÇ 2520); Sold Mil nº 385/64, Iero Só (Pel Caç Nat 145); Sold Mil nº 394/67, Alseine Canté (Pel Caç Nat 145).
Até ao fim do mês de Setembro de 1969, os grupos IN do Xime manifestar-se-iam três vezes:
(i) a 24, emboscando na área de Poindon/Ponta Varela (Xime 3D2-30) forças da CART 2520 (Xime) que tiveram um ferido; o grupo IN, não estimado, fez fogo, durante 3 minutos, de LGFog, Mort 60 e Armas Automáticas, tendo retirado na diercção de Baio;
(ii) a 28, flagelando em Darsalame/Baio com costureirinhas (pistolas metralhadoras PPSH) e rockets o 1º e o 3º Gr Comb da CCAÇ 12 durante a Op Prato Raso;
(iii) e a 29, desencadeando uma emboscada contra forças da CART 2339 (Mansambo) que sofreram um morto e um ferido grave, na estrada Mansambo-Bambadinca (Xime 8B4-72); o grupo IN estimado em 15 a 20 elementos fez fogo, durante 15 minutos, de LGFog, Mort 60 e Armas Automáticas.
2. Comentário de L.G.:
O dilagrama que provocou este trágico acidente era empunhado por um alferes da CCAÇ 12, que não era, obviamente, o apontador habitual de diligrama do seu grupo de combate (o apontador da 1ª Secção do 2º Gr Comb era o Sold nº 82116369 Sidi Jaló que, há quem diga, terá sido fuzilado pelo PAIGG em 1975).
O alferes, como se tratava do seu primeiro assalto, em linha, a um objectivo IN, fez questão de ser ele próprio a levar o diligrama... Tentou jogar a arma para longe quando se deu conta que a cavilha de segurança da granada se soltara prematuramente. Nem todos nós, que íamos em progressão, em linha, tivemos tempo de nos lançarmos ao chão... Foi um acontecimento trágico, que pessoalmente me marcou muito. O Iero Jaló foi o primeiro homem que ue vi morrer ao meu lado (**).
No relatório da operação omitiu-se, deliberadamente ou não, por razões que desconheço, o facto de o apontador do diligrama não ser o Sidi Jaló, mas sim o seu comandante... (Vd. excerto, a seguir, da História da Unidade, BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, Cap II, p. 106).
O Iero Jaló, de etnia fula, morreu ao meu lado. Fomos no dia seguinte enterrá-lo na sua aldeia, no regulado do Cossé (se não me engano...). Teve honras militares. Lembro-me do ridículo atroz da cerimónia (, pelo menos para mim, para a minha sensibilidade).
Por sua vez, o Malan Mané, o prisioneiro, de etnia mandinga, foi também gravemente ferido, tendo sido evacuado para Bissau. Soube, em Maio de 2006, através do Torcato Mendonça, que o Malan Mané conseguira sobreviver aos ferimentos... Não sei, porém, se hoje é ainda é vivo e, se sim, onde vive... Gostava muito de saber dele.
Eis o que na altura, ao entrar para o nosso blogue, me escreveu o Torcato:
(...) "Fui alferes miliciano na CART 2339 [Fá Mandinga e Mansambo, 1968/69]. Li certos eventos que os vivi: por exemplo, o Malan Mané estava vivo em Novembro de 1969 e recebia tratamento no Hospital Militar de Bissau. Abracei-o, causando espanto ao fuzo que o guardava. Só que eu estive na mata com o Malan Mané, soube que foi ferido... (Eu usava como arma, quando se justificava, o dilagrama)" (...)
Quanto ao ex-1º Cabo António Braga Rodrigues Mateus, julgo que todos lhe perdemos o rasto. Há tempos, fazendo uma pesquisa na Internet, encontrei um nome igual, numa página do sítio da Câmara Municipal de Matosinhos, que não consegui abrir... Será que o Mateus vive para esses lados ?
Fontes consultadas:
História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II. 11-13. Selecção e notas de L.G.
Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné, I Série > 8 Agosto 2005 > Guiné 63/74 - CXLVI: Setembro/69 (Parte I) - Op Pato Rufia ou o primeiro golpe de mão da CCAÇ 12
Diário de um Tuga (notas pessoais de L.G.)
_________________
Nota de L.G.:
(*) Último poste da série > 7 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6948: A minha CCAÇ 12 (6): Agosto de 1969: As desventuras de Malan Mané e de Mamadu Indjai... (Luís Graça)
(**) Vd. Luís Graça > Blogpoesia > Dezembro 8, 2005 > Blogantologia(s) II - (22): Esquecer a Guiné
(...) Descansa em paz,
Ieró Jaló,
Soldado atirador nº 812117869,
Da 3ª secção do 1º Grupo de Combate
Da CCAÇ 2590
(Mais tarde CCAÇ 12).
Descansa em paz, djubi,
Debaixo do poilão da tua tabanca,
No chão fula....
Belíssimo poilão frondoso
De uma triste tabanca fula,
Cercada de arame farpado,
Trincheiras e valas de abrigo.Sete de Setembro
De mil novecentos
E sessenta e nove.
Região do Xime.
Operação Pato Rufia.
Morreste em linha.
Organizado.
No assalto a um aquartelamento do IN.
Estupidamente.
Morto por um dilagrama.
Por um dos nossos.
Um dilagrama nosso
Que explodiu na tua cara.
Por defeito de fabrico,
Disse o relator do relatório.
Nunca soube a tua idade.
Mas eu levei-te a enterrar
Na tua aldeia.
Com honras militares,
Tiros de salva,
Discursos patrioteiros,
Estúpida verborreia,
E a bandeira verde-rubra
Dos tugas
Por cima do teu caixão.
Chorei por ti,
Que morreste a meu lado,
E que levavas um prisioneiro,
O Malan Mané,
Que também ficou gravemente ferido.
Tu, que não eras meu irmão.
Nem grande nem pequeno.
Nem tinhas a mesma cor de pele.
Nem a mesma religião.
Nem a mesma língua.
Nem a mesma pátria.
Nem o mesmo continente.
Eras apenas um soldado-atirador
De 2ª classe.
Não eras turra, eras uma nharro.
Mas, para mim, eras apenas um homem.
O que primeiro que vi morrer a meu lado.
De morte matada.
Nunca mais chorei por mais ninguém.
Chorei por ti, Ieró Jaló.
De raiva. (...)
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9 comentários:
"(...)empunhando um RPG2 (ou 7 ?)"
__________________________________
O homem mascarado tem na mão uma granada de RPG7; o homem com a farda do PAIGC empunha um tubo que será provavelmente RPG7, uma vez que as granadas RPG2/RPG7 não eram intermutáveis.
Diria que as granadas das duas armas, usadas na Guiné pelo PAIGC, eram de efeito dirigido e não de fragmentação sendo o seu efeito em muito de natureza psicológica; ainda assim, causavam alguns estragos uma vez que sendo disparadas a curta distância e por isso com alguma precisão, atingiam o pessoal directamente ou deflagravam muito perto, actuando por 'efeito de sopro' e por concussão.
SNogueira
Depois de melhor observação parece que se pode afirmar que a arma empunhada pelo homem do PAIGC será um RPG7, pois distingue-se a calha/base do ponto de mira que no RPG2 era muito mais estreita.
(Não identifico o que está na boca da arma e que parece um tampão de protecção mas nunca vi nenhum...)
SNogueira
Obrigado, ao nosso leitor (e camarada) Salvador Nogueira, pela qualificada explicação técnica que nos dá, permitindo distinguir o RPG2 do RP7...
Quanto ao "homem mascarado" (percebo a sua ironia...), é um membro estimado e querido da nossa Tabanca Grande, e foi um herói em Gadamael (mesmo que nunca tenha trazido para casa nenhuma medalha de guerra).
Cito o seu comandante:
(...) "Exmo Senhor Chefe do Estado Maior do Exército:
"Por, quando Comandante da Companhia Independente da Cavalaria 8350, em serviço na Guiné entre 1972 e 1973, sedeada em Guileje, ter sido ferido em Gadamael, nunca me foi possível propor uma homenagem pública ao Furriel de Operações Especiais CASIMIRO CARVALHO.
(...) "Quando fui ferido, foi este homem que me ajudou a deslocar para junto do Rio Cacine, pois eu mal me podia movimentar, deslocando-se em seguida debaixo de intenso fogo de morteiros e outra armas que, neste momento, não sei especificar, para conseguir um depósito de gasolina de forma a poder fazer movimentar a embarcação em que me evacuou para Cacine, como também outros militares que nesse momento já se encontravam junto ao pequeno cais.
"Nas reuniões anuais da nossa Companhia muitos falam dos actos de bravura deste furriel, desde, debaixo de fogo, conduzindo uma Berliet se deslocar aos paióis para municiar não só as bocas de fogo de artilharia, como para os morteiros, fazer ainda parte duma patrulha onde morreram vários militares ficando ele e outro a aguentar a situação, até serem socorridos, e ter sido ferido, evacuado para Cacine, o que não invalidou que passados poucos dias se tenha oferecido para voltar para junto dos camaradas no verdadeiro inferno em Gadamael.
"Esperando a maior atenção de Vª Exª para este assunto e agradecendo desde já toda a atenção que lhe possa dispensar. Abel dos Santos Quelhas Quintas, Capitão Miliciano de Artilharia na Reforma Extraordinária Nº Mec. 36467460, Deficiente das Forças Armadas" (...).
Fonte: Blogue Luís Graça & Canmaradas da Guiné, I Série, Poste de 2 Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVIII: No corredor da morte (CCAV 8350, Guileje e Gadamael, 1972/73)(Magalhães Ribeiro)
Lembro-me muito bem desta operação,
até porque foi a primeira vez que
visitei um acampamento inimigo.
Quando lá entrei já estava muito
vasculhado,mas ainda consegui um
livro escolar do P.A.I.G.C. e o
meu Soldado Daíro(um latagão futa-
fula com quase dois metros)desco-
briu umas botas.Excelentes botas
que não serviam a ninguém,só ao
Alfero.Fizeram toda a comissão.
A quem teriam pertencido?Quem seria
o Turra,pequenino, que calçava 37?
Pensei muitas vezes...
Abraço
Jorge Cabral
Dou-te um grande abraço, meu amigo por este lindo pedaço de humanidade!...
Mendes Gomes
Entendo a expressão do SNogueira que imagino ter sido um oficial pára-quedista disciplinado e disciplinador... O "homem mascarado" da foto [leia-se: o nosso querido amigo J. Casimiro Carvalho) não está fardado segundo as regras de aprumo e disciplina que todos nós aprendíamos, a gosto ou a contragosto na recruta... De restop, como eu gosto de dizer, não se nasce soldado...
Aquela farda (?) não é do Exército Português...Mas convém dizer, sobretudo aos mais novos e aos vindouros (que nunca viram este filme..), que estamos na fronteira da Guiné-Bissau (já reconhecida desde Setembro de 1973 por dezenas de países, Estados-membros das Nações Unidas), que estamos em Paúnca, em Agosto de 1974, e o poder político mudara de mãos (e Lisboa e em Bissau)... E logo, uns antes, em Maio de 1974, havia gente a gritar nos cais de embarque, nos aeroportos, nas ruas, nas escolas, nas fábricas, e até nos quartéis: "Nem mais um soldado para as colónias"...
É contra as nossas regras de "são convívio e boa ética" fazer juízos de valor sobre o comportamento humano e operacional dos nossos camaradas, seja ele qual for... É fácil fazê-lo, é grande a tentação de fazê-lo, nomeadamente em casos públicos e notórios...
Eu não sou juiz, nós não somos juízes... De qualquer, de 1961 a 1974, mesmo quando havia essa instituição chamada Exército que nos formou (aos infantes, artiheiros, cavaleiros)... ainda com um levado grau de prontidão, operacionalidade, disciplina, moral, etc., mesmo nessa altura temos registos (fotográficos) de "homens mascarados"... Acho que sempre existiram, em todas as guerras...
Não sei se há um termo equivalente, apropriado aos militares, para designar a famosa "cafrealização" que costumava dar aos colonos, aos civis, aos europeus, ao fim de alguns anos em África... Devo dizer que o termo é pejorativo, que me perdoem os pobres dos cafres... "Apanhados do clima" é talvez a expressão que mais se aproxima, no TO da Guiné, ao termo civil "cafrealização"...
Quem tem "doutrina" sobre estas matérias, de resto muito interessantes e importantes para a formação dos nossos futuros militares e para a gestão estratégica do activo mais importante de um exército que são os seus homens (e agora também mulheres) ?...
"Homens mascarados",sempre tive
conhecimento da sua existência em
guerras deste tipo.Lembro-me de operações efectuadas pelo Sector da Zona Operacional de Tete à qual
eu pertenci,ver pessoal vestido e
calçado de forma diferente da regu_
lamentar e armados com armas ligei_
ras de diversas procedências e ca_
libres,desde:PPSH;AK;Beretta;MP18 e
MP 36 ou 38,provàvelmente captura_
das aos Alemães pelos Soviéticos durante a 2ª guerra mundial e reca_
pturadas pelo EP aos grupos de li_
bertação e serem usadas para OPEs.
Isto em Moçambique.A gerra na Guiné
sendo muito pior estas Operações
seriam mais frequentes e de maior
envergadura,todo o combatente se
lembra dessas operações,algumas em
terras vizinhas e com a presença do
general Spinola.Estas Operações
nunca deveriam deixar provas cabais
no terreno,daí os homens mascarados
Carlos N.
Os senhores estão a brincar c'a coisa?
Claro que houve usos de uniformes (ou partes de uniformes)diferentes do nosso, capturados ou não, pelas mais diferentes razões e com as mais distintas finalidades...
até por falta de troca de roupa por não ter a muda vindo a tempo da lavadeira, um facto prosaico que nada terá a ver a ver com 'apanhadelas do clima' ou outra forma de escape ocasional para o qual terá havido todavia balizamento e alguma, digamos, discrição.
Ora, a imagem mostra um homem de cabeça descoberta, -civil ou militar?- envergando em plena praça da tabanca -ou do quartel?- calças que podem ser do nosso exército, camisa camuflada inidentificada, um cinturão cubano 'ou isso', botas incaracterísticas e que se mostra abraçado a um que parece ser guerrilheiro do PAIGC, o qual não abandona a sua postura. O homem vestido de forma grotesca transporta ainda, amistoso e sorridente, a granada do RPG do tal guerrilheiro.
Se isto não é brincadeira de mau gosto não sei o que será e nada disto explicará adequadamente às tais gerações seguintes o que se passou. Não ajuda a esclarecer se se terá mantido a dignidade e o decoro na circunstância da entrega.
E não parece tratar-se de uma situação 'especial' que justificasse a farpela - é pura encenação estúpida e não se vislumbra agora interesse em promovê-la.
Honremos sim 'os que se mantiveram até ao fim' e, repito, sem prejuízo da aceitação dos factos e situações peculiares criadas no terreno, caso a caso - aquilo não era a Igreja de N. Sra. de Fátima mas também não deveria ter sido a casa da Carlota Joaquina e se o foi, aqui ou ali, que não se divulgue em pose ostentatória; é inútil e frouxo.
(desculpem os senhores comentadores anteriores o eventual excesso de frontalidade)
SNogueira
Caros camaradas o 1 cabo antonio braga rodrigues Mateus mora em matosinhos, e tem como contacto 919361208
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