quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7056: (De) Caras (2): Em 6 de Novembro de 1971 abati um chefe de bigrupo do PAIGC, sei o seu nome, e o seu rosto persegue-me até à morte (Luís Borrega)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Piche > Ponte Caium > 3º Gr Comb da CCAÇ 3546 (1972/74) > Viaturas da TECNIL, uma empresa portuguesa ligada à construção de estradas... Neste caso, a estrada (alcatroada) Nova Lamego - Piche - Ponte Caium - Camajabá - Buruntuma.... Em 1974 o alcatrão chegava já  à ponte, enquanto a estrada chegava já perto de Camajabá...

Fotos: © Jacinto Cristina (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados



1. Comentário de Luís Borrega ao poste P7044 (*): 

Camarigos:

Também estou na mesma situação do camarada referenciado.(*)

Faz 39 anos no dia 6 de Novembro de 2010, que o meu Gr Comb 
sofreu uma emboscada na Estrada Piche-Nova Lamego, que na altura ainda andava a ser alcatroada. 

A missão do meu Gr Comb  era assegurar a segurança aos trabalhos da TECNIL. Pois às 5,50 h fomos emboscados com forte e violento fogachal. 

A seguir aos 6 elementos das milícias que iam a picar, eu era o primeiro branco à frente do Gr Comb, caímos na "zona de morte", levámos com um fogo intenso, e o IN veio à estrada ao confronto físico. 

Abati um guerrilheiro com 3 tiros. Pelas inscrições na baínha da faca de mato (que era portuguesa,  das nossas FA), sei o nome,(era o Chefe do bigrupo, segundo vim a saber mais tarde), o seu nº dentro do PAIGC e ainda a frase "Liberdade a Lutar". Fiquei-lhe com a faca, o ronco e o carregador da Kalash (a arma o IN levou-a).

Desde esse dia não consigo coabitar com a ideia de ter feito viúva(s) e orfãos. Quando regressei fui falar com o Prior da minha Paróquia (eu era catequista), que me disse que a guerra era assim e não podia estar com estes problemas.

A verdade,  Camarigos,  é que eu não consigo esquecer...e vai-me perseguir até à morte... (**)

Abraço

Luís Borrega 


[ Fixação / revisão de texto / bold a cor / título: L.G.]

_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Setembro de 2010  > 
Guiné 63/74 - P7044: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (4): Olhar fatal

(...) Acabado o tiroteio, avançámos para ver os possíveis “troféus” e o Simões foi directamente para o local onde estava o indivíduo que o obrigara a tanta pontaria. Ao ver que, afinal, era uma cara feminina de traços finos e já idosa, fitou o seu olhar fixo e acusador, que já o esperava. Ainda mexia os lábios, mas o buraco da bala, no pescoço e o sangue que dele saía,  não lhe permitiam transmitir aquilo que seria a sua última mensagem. No entanto, o Simões ficou convencido de ter ouvido dizer:
- A mim pude ser mãe di bo.

 [Vd. legenda da imagem à direita***].

Chocado, entrou em choro convulso, acompanhado de repetidos lamentos, ao mesmo tempo que interrogava:
- É para isto, que aqui estamos? Foi para isto que nos prepararam?  É isto defender a Pátria?

E concluía:
- Ai,  querida mãe, que sou um assassino... um assassino de inocentes!

O Capitão, que esteve sempre próximo e acompanhara a cena, foi o primeiro a agarrar e a confortar o Simões. (...)


(**) Início desta nova série, (De) Caras > 23 de Setembro de 2010 > 
Guiné 63/74 - P7025: (De) Caras (1): PAIGC: Abdu Indjai e os "sete homens" (Luís Graça / José Brás / José Teixeira / Mário Fitas)

(***)  Legenda da imagem: Guiné > PAIGC > Manual escolar, O Nosso Livro - 2ª Classe, editado em 1970 (Upsala, Suécia). Exemplar cedido pelo Paulo Santiago, Águeda (ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53, Saltinho , 1970/72) > A lição nº 27 > O Dia da Mulher.

6 comentários:

Unknown disse...

Caros Amigos, Luís Borrega e José Silva, ninguém de bom senso e moralmente integro, condena um soldado por sí só, emquanto uma unidade de um conjunto de homens.
Referindo-me ao soldado comum, não podem no meu entender, serem incriminados. Mas sim os que dirigem politica e militarmente as estruturas militares, incluindo operacionais e mercenários militaristas.
Não vos cabe qualquer culpa enquanto homens, que foram militares temporáriamente e provávelmente nem foi por vontade própria.

Queiram receber um forte abraço.

Carlos Filipe
ex CCS BCAÇ3872 Galomaro

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo Luís Borrega

Apenas para te dar um grande abraço e dizer-te que tendo sido catequista tens em ti mesmo a resposta a esse problema da tua vida.

Não acrescento mais nada a não ser que sei do que falas e por isso mesmo estou à tua disposição se quiseres falar comigo.


Um abraço forte e camarigo

antonio barbosa disse...

Amigo Luis Borrega, li o teu testemunho e imagino o que possas sentir, de qualquer forma nunca te esqueças que estavas no cumprimento do dever na defesa da PATRIA, na guerra o lema é matar para não morrer.
ANTONIO BARBOSA
Ex-Alf. RANGER Cabuca

Juvenal Amado disse...

Camaradas Luís e J. Silva

Os vossos dramático relatos trás-nos a realidade do que foram aqueles anos. Choramos os nossos mortos e há camaradas, que passados tantos anos não esquecem que foram vítimas das circunstâncias, hoje choram os mortos deles.
Os actos que cometeram, foram relação directa da situação em que se encontravam, o sentimento de culpa não é justo para vós, nem para ninguém que tenha estado em situações iguais ou parecidas.


Tanto é de louvar a vossa coragem da altura como o vosso lamento de hoje.

Um abraço para ambos

Juvenal Amado

Joaquim Mexia Alves disse...

Caros camarigos

Ainda aqui volto apenas para dizer que sabemos bem que neste tipo de guerras, de emboscadas nas matas, etc., as balas não escolhem as vitimas.

Uma coisa sabemos nós, é que connosco, com as nossas forças em patrulhamento ou operações não iam mulheres nem crianças.


Nada disto serve de lenitivo, mas é uma realidade que não podemos esquecer.

Tenho a certeza que a esmagadora maioria de todos nós, nas três frentes, se pudessemos fazer a guerra sem disparar um tiro e ferir ou matar alguém o fariamos de muito boa vontade.

No fundo, quero eu dizer, que não era a nossa vontade pessoal, (entenda-se o que eu digo), que acionava o gatilho das nossas armas.

Um abraço camarigo para todos

Anónimo disse...

Camarigos
Agradeço as vossas amáveis e reconfortantes palavras.
Custa mais esta situação, pois foi um frente a frente, e não a disparar para a mata e aparecer elementos do In abatidos,aí não sabemos quem matou quem. Ali foi diferente...
Abraço
Luís Borrega