1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 30 de Setembro de 2010:
Caros camarigos editores
Prossigo, para vossa "tortura" na insistência de escrever em verso o que vou sentindo, neste reviver "terapêutico" das memórias de Guiné.
Quase acredito que a rima me acalma, me tranquiliza me devolve uma Guiné de paz e entendimento.
Mas para isso é preciso fazermos as pazes com o passado, para no presente conseguirmos aceitar o passado mais recente, que colocou de lado o que nós fomos, o que nós somos, o que nós sempre seremos.
Enviados fomos, mas poucos quiseram saber de nós.
Regressados chegámos, mas fomos olhados de lado.
Resolvido o conflito, mais desprezados acabámos por ser.
E vamos morrendo aos poucos, porque a hora se vai chegando.
Que ao menos nesta Tabanca Grande fique aquilo que sentimos e com verdade contamos, para que os vindouros pela nossas bocas saibam, o que nós passámos, o que vivemos, o que sem vergonha contamos, homens cansados, mas vivos, que nas nossas memórias, vamos fazendo história.
Um abraço camarigo do
Joaquim
DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM
O TEMPO PRESENTE (2)
A HONRA AOS QUE LUTARAM
Tanto para recordar
nada para esquecer
que a vida é feita do tudo,
do passado e do futuro
e do presente a viver.
Contei-vos tudo,
ou talvez não,
o que vivi em tempos,
ou mesmo o que vivo agora.
Contei-vos das esperanças,
das dores do coração,
das angústias,
das revoltas,
das alegrias fugazes,
das memórias,
das saudades,
de tudo o que não fizemos
e de tudo
o que fomos ou não capazes.
Ganhou-se,
ou perdeu-se a guerra,
viveu-se um povo,
fez-se terra,
ou apenas e afinal,
de nada serviu tanta vida,
porque se por cá ainda há fome,
por lá um povo se consome
e daqueles que tombaram,
quer de um ou outro lado,
apenas se ouve a voz,
que pergunta em tom fechado:
Nós que somos só memória,
somos derrota ou vitória?
Pensava, pobre de mim,
que ao dar a conhecer,
as letras que quis escrever,
para me retratar e expor,
tudo chegaria ao fim.
Mas coitado,
sonhador,
há memórias agarradas,
que mesmo muito contadas,
não se libertam da dor,
e permanecem assim,
fundidas no coração,
que chora e se lamenta,
que se entristece e alegra,
cada vez que as recorda,
como uma parte de mim.
E penso na tal homenagem
a fazer pelo meu país,
àqueles que combateram
e se sentem desprezados.
Mas o amor ou existe,
desde a mais tenra idade,
entre os pais e os filhos,
ou não é pela força,
nem pela persuasão,
que ele se torna real,
mais verdadeiro e concreto,
mas apenas um arremedo,
uma hipocrisia ensaiada,
apenas uma imitação.
Não quero homenagens falsas,
que apenas se servem de nós,
quero que nos ouçam,
que tenhamos voz,
que saibam que demos a vida,
de vontade,
ou “empurrados”,
que fomos todos soldados,
somos filhos da Nação.
Vai-se o tempo,
vão-se os anos,
e a cada ano que passa,
somos menos “problema”.
Que importa àqueles que dormem,
o sono despreocupado,
o sono dos que não dormem,
sob a ignomínia do desprezado.
Pensei que já tinha a paz,
pensei que já nada importava,
mas levantam-se dentro de mim,
os muitos milhares de vozes,
que gritam cada vez mais alto,
pela dignidade,
pela honra,
dos muitos que então tombaram,
lá longe,
naquele calor,
e aqueles que por aqui,
vão tombando todos os dias,
porque se lhes esgota a vida,
cansada, esgotada, lutada,
à espera que um dia lhes digam:
Somos uma Nação grata,
a todos os que lutaram,
em África,terra passada.
Vinde que fazeis parte
da história deste País,
que vos chora e recorda,
juntos com os demais,
que nos tempos,
e em tempos,
de peito feito,
levantado,
e o medo feito coragem,
honraram os nossos Pais.
Monte Real, 10 de Agosto de 2010
__________
Notas de CV.
(*) Vd. poste de 24 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7030: Estórias avulsas (96): O dia em que o RAP2 esteve sob ameaça terrorista (Joaquim Mexia Alves)
Vd. último poste da série de 9 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6961: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (11): Tempo presente, tempo de viver
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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3 comentários:
CARO MEXIA,
LER-TE É UM PRAZER ENORME.
SABER QUE COMUNGAS DE IDEIAS PRÓXIMAS DAS QUE PERFILHO,E QUE,DESSA FORMA CORAJOSA,EXPÕES O QUE SENTES É PARA MIM UM INCENTIVO PARA CONTINUAR,ATÉ "QUE A VOZ ME DOA" A GRITAR ALTO QUE OS MORTOS MERECEM MAIS RESPEITO DESTA CORJA QUE DESPUDORADA E VILMENTE SE SENTA NAS CADEIRAS DO MANDO(NÃO DO PODER POIS QUE ESSE É EXTERNO,"MERKELIANO"...) E MANDA CÁ PARA FORA AS DIRECTRIZES QUE AQUELA LHES IMPÕE...
OS MORTOS MERECEM MAIS RESPEITO DOS CHEFES MILITARES QUE CONSIDERAM TABÚ OS PROBLEMAS DE DIGNIDADE( MAIS DE FALTA DELA) QUE ENVOLVEM TANTOS VETERANOS,AS SUAS FAMÍLIAS,ALGUNS VEGETANDO POR ESSAS RUAS DAS GRANDES CIDADES OU ARRASTANDO-SE POR TUGÚRIOS MISERÁVEIS NAS TERRAS DO INTERIOR,SEM UMA MALGA DE CALDO QUENTE,SEM UM CARINHO,SEM UM ABRAÇO AMIGO,SEM UM SIMPLES SORRISO DE UM VIZINHO...
SÃO QUNTOS DELES OS VEÍCULOS APORTADORES DAS MEDALHAS DOS SENHORES GENERAIS E QUEJANDOS,QUE NUM ESFORÇO ABNEGADO A QUE SE DEVOTARAM,SEM NADA RECEBEREM EM TROCA,POSSIBILITARAM UM RELATÓRIO DE OPERAÇÃO QUE OS IGNORAVA E ENALTECIA O "GÉNIO" DO ESTRATEGA,DO AMARELADO E ESTRELADO OMBRO...
SEI QUE TERIA DE "ESPERAR SENTADO" POR UMA RETRATAÇÃO,UMA PEQUENINA,POR MAIS INSIGNIFICANTE QUE FOSSE,ATITUDE DE RESPEITO,DE LHANEZA DE CARÁCTER,DE QUEM ESTANDO NO ALTO DOS PEDESTAIS QUE TODOS E EM ESPECIAL AQUELES QUE JÁ PARTIRAM,AJUDARAM A COLOCAR,RELATIVAMENTE AOS QUE LHES SERVIRAM DE MULETAS...
NÃO ME CALAREI,SABENDO QUE FARÁS O MESMO.
QUE DIZER DO TEU ESCRITO?
PALAVRAS PARA QUÊ?
É MAIS UM TRABALHO DE ALTÍSSIMA QUALIDADE A QUE FELIZMENTE NOS TENS HABITUADO.
ABRAÇO
MANUEL MAIA
Caro Camarigo Mexia
Acompanho sempre com interesse estas tuas interrogações, estas reflexões.
Gosto dos poemas.
Mas desta vez retenho-me na tua introdução ao artigo.
É isso mesmo, concordo com o que lá dizes.
Um abraço
Hélder S.
Mexia Alves
Dizem (alguns) que quem não aprecia Poesia,tem pouca sensibilidade...!?
Talvez...mas não estou nem estarei convencido!
Há poesia de que gosto e outra que me enfastia!
Julgo que a diferença estará na mensagem e na maior ou menor simplicidade em a exprimir poéticamente.
Errado? Talvez,mas é o que sinto.
Desta tua,gostei,gostei bastant, assim como da introdução.
Um abraço
Luis Faria
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