Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Guiné 63/74 - P7095: (In)citações (11): O arroz nosso de cada dia nos dai hoje... (Cherno Baldé)
Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 6 de Junho de 2010 > Região de Cacheu > Barro > Foto tirada em 22 de Abril de 2010 > Palavra chave: segurança alimentar > Legenda: "O ano de 2009 foi um mau ano agrícola, especialmente com a redução da produção de arroz de bolanha salgada, responsável por cerca de 75% da colheita deste cereal na Guiné-Bissau. Daí que, neste ano de 2010, tenha havido uma mobilização geral dos agricultores para recuperar antigas bolanhas (arrozais) abandonadas e voltar a cultivá-las. Mulheres e homens meteram-se ao trabalho numa bolanha perto de Barro, no norte da Guiné-Bissau, contribuindo para a construção de uma barragem que impeça a água salgada de invadir os terrenos de cultivo".
Foto (e legenda): © AD - Acção para o Desenvolvimento (2010). (Com a devida vénia...)
1. Comentário de Cherno Baldé ao poster P7073, com data de 3 do corrente:
Há vários factores que estão a contribuir para o abandono gradual da produção do arroz na Guiné:
A partir dos anos 80, com a liberalização do comércio e das importações, aliado à descida de preços do amendoím no mercado internacional, o cajú transformou-se no principal produto de exportação da Guiné contribuindo, neste momento, com mais de 90% do PIB e ocupando mais de 80% da população activa.
A partir do momento em que há uma grande procura deste produto no mercado internacional, sobretudo indiano, e na condição de uma troca directa cajú/arroz, prevaleceu a lógica do mais fácil, ou seja, as famílias/populações preferiram aumentar os campos de plantação de cajú em detrimento da produção do arroz que, como sabem, é muito exigente em água, técnicas de cultivo e mão de obra intensiva.
Pouco a pouco o cajú transformou-se no concorrente e substituto directo do arroz numa altura em que se verifica uma certa diminuição e irregularidade das chuvas assim como um crescente êxodo da mão-de-obra mais jovem para as cidades.
As nossas autoridades estão confrontadas com o dilema do preço do arroz. Não podem perfilar pela subida do arroz importado para não prejudicar as populações (real politique exige)mas, também, não o podem diminuir muito porque o estado não é actor comercial directo.
Cherno AB.
_____________
Nota de L.G.:
6 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7089: (In)Citações (10): Vídeos produzidos pela AD - Acção para o Desenvolvimento na área do Ambiente e Desenvolvimento (Pepito)
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8 comentários:
Caro Cherno,
Obrigado pela tua intervenção.
No entanto, não me parece esclarecedora, pois, fiquei com a ideia de que o arroz escasseia e, que na balança corrente, o peso do arroz importado, é maior do que o do cajú exportado, do que resulta o aumento de dificuldade económica para a GB.
Será que este retrato corresponde à realidade?
Quais são os projectos governamentais para incrementar a agricultura?
O povo está mobilizado para essas políticas?
Existem programas de cooperação objectivos para a agricultura? e, existindo, cobrem o páis nas diferentes regiões e potencialidades?
Dará para exportar, como aconteceu anteriormente?
É que sem produção, não há receita. Sem receita, não há verbas para investimentos, nem para importações, nem para despesas correntes. E, todos sabemos, a subsídio-dependência pode quebrar inopinadamente.
Abraços
JD
Zé Dinis:
Consulta as estatísticas das Contas Nacionais da RGB, disponíveis em:
http://www.stat-guinebissau.com/publicacao/publicacao_contas.pdf
Em 2008, o total das exportações foi de 58,6 milhões de Francos CFA (a preços correntes), dos quais 45 milhões cabem à castanha de cajú (77% do total)... Em 2005 e 2006, a castanha de cajú chegou atingir a incrível cifra de 94% do total do valor das exportações...
As importações, por seu turno, totalizaram 117,1 milhões de Francos CFA, cabendo ao arroz 9,8 milhões (8% do total)...
Os produtos alimentares (arroz, farinha de trigo, açúcar, bebidas e outros produtos) representam cerca de um quarto das importações.
Na estrutura do consumo final das famílias, os produtos alimentares representavam, no período que vai de 2003 a 2008, mais de 80% do total...
Economia paralela à parte, a Guiné-Bissau tem, de facto, um grave problema de segurança alimentar...
Mesmo assim a produção agrícola tem a vindo a aumentar, de 2003 a 2008 (em mil toneladas):
Arroz - De 88 para 149;
Milho - De 9 para 17;
Sorgo - De 9 para 18; etc.
Total de cereais - De 125 para 217.
Em contrapartida, a castanha de cajú tem-se fixado nas 80 mil toneladas. Enquanto a mancarra,com casca, das 20 mil toneladas (em 2003) para as 30 mil (em 2008).
Vd. documento do Instituto Nacional de Estatística da RGB
http://www.stat-guinebissau.com/publicacao/publicacao_contas.pdf
Bem, antes do mais as minhas sinceras desculpas, acontece que no meu comentario feito a quente, confunde-me nos dados que forneci, na verdade, referia-me a um estudo recente sobre a fileira, feito pela Comissao Nacional do caju, segundo o qual o caju contribui com 98% das receitas de exportacao (nao é do PIB como anteriormente disse). E entra com 10% nas receitas fiscais.
Ainda o mesmo estudo considera que o caju ocupa 4% do territorio nacional e a sua expansao cresce anualmente a taxa de 4%, enquanto a producao aumenta a uma taxa de 10%. A producao de 2006 é estimada em 100.000 toneladas, com nitida tendencia para alta nos anos subsequentes o que coloca a Guiné em segundo lugar na Africa Sub-sahariana, a seguir a Costa do Marfim.
Embora ja se levantem vozes criticas em relacao a excessiva dependencia do pais em relacao a monocultura do caju que, de facto substituiu a mancarra,a opiniao que prevalece em diferentes quadrantes, a nivel interno mas sobretudo a nivel da expertise externa, é que a melhoria do desempenho da fileira do caju é essencial para o crescimento e a reducao da pobreza no pais, apostando a todos os niveis desde a producao, a comercializacao e a transformacao.
Obrigado Luis, pela ajuda oportuna.
No que diz respeito a politica, informo que neste momento esta em curso a elaboracao do documento de estratégia para o pais (DENARPII)para os proximos 5 anos (2011/15), que opta claramente para o incremento das duas fileiras agricolas(caju e arroz)quase ao mesmo nivel, considerados como sectores portadores de crescimento a par de outros nao negligenciaveis como a pesca, a pecuaria e ainda o turismo privilegiando, nestes sectores, as medidas de preservacao do meio ambiente e dos recursos naturais.
O documento é extenso e esta estruturado em quatro eixos estratégicos desde o fortalecimento do estado a melhoria dos servicos nos sectores sociais, passando pela justica, a participacao civica, dialogo e reconciliacao nacional.
Agora, resta saber se teremos um Governo que querera fazer dele o documento nacional de orientacao e instrumento para a implementacao de politicas para o desenvolvimento do pais.
Como costume dizer o nosso "mais Velho" Colon (Ant.Rosinha), documentos compilados em forma de ideias, leis, etc. isso nos temos, o que falta é por tudo em pratica, a ver vamos.
As informacoes em cima sao minhas e dao continuidade ao comentario anterior.
Obrigado a todos e desculpem pela insistencia.
Olha Tcherno, quando andei por essas bolanhas, tanto no tempo do Luis Cabral como no tempo do Nino Vieira, aprendi mais sobre África, do que em 19 anos que estive em Angola.
Mas porque lá era novo e a cabeça pensava noutras coisas.
E na Guiné já era mais velho.
E lembrava-me de um chefe que tive noutros tempos que dizia no 25 de Abril:
Há duas colónias que se vão ver à rasca, uma é a Guiné, outra é Portugal.
E, em Bissau acompanhava-se muito a política dos vizinhos, soube que os paises do CFA, para aprovarem o seu Orçamento de Estado, tinham que o levar a Paris.
Cherno, soube agora pelos jornais em Lisboa, que o Orçamento de Estado de Portugal, de 2011, tem que ser aprovado em Bruxelas.
E já esteve cá um técnico de Bruxelas a dar instruções como deve ser.
Como vês, em África tambem se aprende muito sobre a Europa.
Aquele meu antigo chefe, em Luanda há 36 anos já via mais ou menos o que hoje se passa.
Cumprimentos
Caro Cherno Baldé,
Se a cultura do cajú é o que está a dar neste mommento deve ser incrementada ao máximo enquanto der, pois as exportações são sempre necessárias e benéficas para todos os países.
Eu acho que a Guiné Bissau nunca correrá o risco de caír na monocultura, pois nunca deixará de cultivar também o arroz e a mancarra.
Estou muito satisfeito por saber que Barro está a ficar no centro das atenções, quer na preparação das bolanhas para a cultura do arroz, quer no aproveitamento do sal que foi referido no post 7089.
Barro foi a tabanca da Guiné onde a minha companhia esteve mais tempo (Março de 69 a Abril de 1970)e a par de Guidage são as tabancas que eu mais gosto na Guiné Bissau.
Um grande abraço para ti e os votos sinceros para que a Guiné Bissau e Portugal saiam rápidamente do buraco onde estão metidos.
Um grande abraço para todos.
Adriano Moreira -Cart. 2412 "SEMPRE DIFERENTES" - Fur. Mil.
Enf.Bigene,Binta,Guidage e Barro.
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