Caros amigos,
“Tudo vale a pena se a alma não for pequena” disse o poeta. Foi ontem de manhã que vi este Poste do nosso camarada e amigo Carlos Cordeiro. Tinha acabado de por o meu uniforme da Associação de Antigos Combatentes. Iria tomar parte numa Dedicatória de uma ponte ao Sargento americano Shane P. Duffy, morto em combate durante o conflito do Iraque.
Eu, soldado do Exército Português, a honrar a memória de um soldado, sargento como eu, em terras da América. É este tipo de ironia que nos atinge enquanto emigrantes portugueses.
Durante a cerimónia o Sr. Padre oficioso disse:
- Ao homenagearmos a morte do Sargento Duffy estamos a honrar a morte de todos aqueles que, independentemente do seu credo religioso ou do seu país de origem, deram a vida pela nossa pátria, pela nossa liberdade.
Confesso que deixei rolar uma lágrima pela cara. Lembrei-me do meu Manuel Veríssimo, dos nossos camaradas.
Os meus pensamentos foram para o que era a vida nos Açores nos idos anos de sessenta e setenta. Ali, naquele belo arquipélago, a nossa vida acabava ao fim da rua e ali começava o sonho das Américas.
Foi durante os conturbados anos de 60/70 que aqueles rochedos negros, plantados no seio do Atlântico, sofreram o maior flagelo da sua história: a emigração e a guerra do Ultramar.
Aqui, nos E.U.A, muitos de nós somos a afirmação desse flagelo, tentando fazer o melhor que podemos e sabemos para menorizar, se é que tal seja possível, a dor de uma família e de uma comunidade, homenageando um dos seus e, agora, também nosso.
Paisagem açoriana > Ilha do Pico
Nos Açores aqueles que puderam ficar atrás, com coragem assumida, também tentam fazer a diferença. O Carlos Cordeiro é, definitivamente, um desses homens.
Açoriano orgulhoso das suas raízes aproveitou o seu tempo para educar vidas ajudando a construir homens e mulheres com futuro.
O coordenador da Comissão Organizadora (Carlos Cordeiro) recebendo inscrições para o debate, que foi muito participado e enriquecedor.
Uma das grandes qualidades do Carlos é a coragem de trazer à ribalta assuntos que, na vida açoriana, ainda são considerados tabus. A guerra do ultramar constitui uma dessas paredes quase intransponíveis e que os açorianos teimam em não discutir.
Aquela guerra é um estigma que acompanha ilhas açorianas e as suas gentes. São 283 as famílias que choram a perda dos seus meninos soldados. São milhares as que viveram a angústia das despedidas da emigração, deixando os seus meninos para trás para cumprirem o dever pátrio. Um pouco por todos os portos das ilhas ainda lá estão como testemunhas os lagos que s e encheram com as lágrimas dos que partiram e dos que ficaram. De muitas que afinal foi a eterna despedida.
Coragem não é a capacidade de actuar sem medo, é antes a capacidade de actuar com ele.
O Carlos sabia à partida o quanto arrojado era um projecto desta natureza. O resultado está à vista. Sem despesas e tendo como palco a Universidade dos Açores, também ficou demonstrado que com um pouco de boa vontade e de coragem se pode fazer milagres. Conhecimento, dignidade e brio presentes. Mais não se poderia esperar.
Poderemos pensar, com alguma legitimidade, que não foi mais que uma conferência que se debruçou sobre a guerra do Ultramar. Para quem conhece aquelas ilhas e os açorianos sabe que uma conferência deste género bem sucedida dá ao seu autor o direito a algum orgulho medido, porque não a uma certa vaidade, e o direito a uma morte feliz.
Na verdade o que isso significa é o direito que o Carlos Cordeiro tem de olhar para trás e dizer: Valeu a pena!
Para mim, para nós, fica o direito de lhe dizermos: continua amigo para bem dos Açores, para bem de Portugal.
Um abraço amigo do tamanho do oceano que nos une.
José da Câmara
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 3 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8206: A reportagem que faltava fazer - Associação de ex-militares das Forças Armadas Portuguesas na cidade de Taunton - EUA (José da Câmara)
(**) Vd. poste de 14 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8272: Agenda cultural (122): Ciclo de Conferências-debate Os Açores e a Guerra do Ultramar - 1961-1974: história e memória(s) (Carlos Cordeiro)
Vd. último poste da série de 19 de Março de 2011 > Guiné 63/74 - P7965: Comentários que merecem ser postes (11): Regressados, cansados de guerra (Jorge Narciso)
3 comentários:
À comunicação do Carlos Cordeiro reagi porque me apercebi do imenso trabalho que está por detrás daquele evento e do que se conseguiu obter. Disso, e da justa homenagem que lhe era devida, pelo seu intenso e persistente trabalho na preservação da memória.
Agora, não posso deixar de também felicitar o José da Câmara por este 'manifesto'.
Estamos (estou) habituado à emotividade, à poesia, ao apelo aos sentimentos nobres que JCâmara costuma colocar nas suas intervenções, mas este comentário é de facto uma preciosidade.
Abraço
Hélder S.
José da Câmara tem a sensibilidade que é inerente a quase todos os emigrantes.
Os emigrantes nunca esquecem a Pátria, mas não há reciprocidade.
Se houvesse reciprocidade eramos um país maior e mais rico.
Lembram-se dumas "velhas" remessas dos emigrantes?
Umdos maiores paises do mundo é Israel.
Se um português que se candidatasse a governante de Portugal, tivesse a cultura de um emigrante, era mais patriota e menos corruptível.
Caro Zé,
É sempre muito bom ler-te. E nunca consigo esquecer a emoção de quando fálas - escreves - dos ou sobre os teus Açores.
Tu sabes porquê.
Um abraço apertado.
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