Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 , Os Unidos de Mampatá (1972/74) > O Zé Manel, ou o Josema (pseudónimo literário), que durante a sua comissão na Guiné escrevia todos os dias um poema...
Ei-lo aqui "a reler o que havia escrito, numa pausa durante a protecção a uma coluna de Buba para Aldeia Formosa".
Foto: © José Manuel Lopes (2008) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Relembrando a poesia simples, singela, espontânea, chã, naïve, de um combatente que nunca quis ser poeta nem nunca frequentou workshops de escrita criativa nem teve a veleidade, a pretensão ou a ambição de figurar no panteão nacional das letras nem sequer das eruditas antologias poéticas da(s) guerra(s)... Limitava-se a escrever uma poema (ou uns versos que não tinham obrigatoriamente que rimar com nada), todos os dias, enquantro montava segurança aos trabalhos de construção da nova estrada Quebo - Mampatá - Salancaur, que ficou asfaltada antes do 25 de Abril... (Tratava-se de uma obra que ia ao encontro da estratégia desenhada por Spínola, a da contra-penetração nas regiões libertadas do PAIGC, nomeadamente no Cantanhez. A obra parou com o 25 de Abril... O novo troço deveria ter uns 30 quilómetros... Do alcatrão, pouco resta ou restava quando lá passei em 1 de Março de 2008, a caminho de Guileje)...
Do Poemário do Josema (*) também restaram umas escassas dezenas versos. A maior parte da sua produção poética foi consumida pelo fogo, numa daquelas noites de dúvidas, insónias, pesadelos que podem assaltar qualquer um de nós que conheceu o TO da Guiné... De repente, apeteceu-me revisitar o nosso camarigo Josema, que agora se dedica a outras culturas, Turismo & Vinhos, numa das regiões mais belas do nosso querido Portugal: Vd. aqui a página no Facebook da Quinta da Senhora da Graça (**) (LG)...
Gostava de vos falar
dos esquecidos,
dos heróis que a história
não narra,
que as viúvas choraram
mas já não recordam,
daqueles
que nem tempo tiveram
de ter filhos
que os amassem,
descendentes
que os lembrassem,
daqueles
que nunca tiveram
o dia do pai,
vítimas de guerras
que não inventaram,
em tempo que já lá vai.
Falar deles é prevenir,
se bem que de nada lhes valha,
guerras que possam vir,
geradas pela ambição
dos que nunca morrerão
num campo de batalha.
Josema
[Sem título, s/l, s/d] (*)
[Revisão / fixação de texto: L.G.]
______________
Notas do editor:
(*) Originalmente publicado em 19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2665: Poemário do José Manuel (4): No carreiro de Uane... todos os sentidos / são poucos / escaparão com vida ? / não ficarão loucos ?
(**) Último poste da série > 1 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8352: Blogpoesia (150): A todas as crianças do mundo (Felismina Costa)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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11 comentários:
Creio que Mampatá,estranhamente,marcou os que por lá estiveram,independentemente de também terem "passeado" por outros dos locais interessantes da Guiné em guerra.Teremos ficado todos "poetas"?Talvez.Só que näo tivemos o "engenho e a arte" de compor este bonito poema do Josema. Um grande abraco.
Zé Manel, Bom amigo. Talvez em Mampatá houvesse alguma ninfa...
Bajudas bonitas e "boas com´ó milho" havia-as.
Dedico a ti este meu pobre poema. A minha homenagem a um jovem que uma mina AC arrastou para a morte entre Buba e Mampatá.
MATARAM O FUTURO
O destino, no tempo o marcou.
Aquela hora!
A mina escondida!
Aquela viatura!
Era a quinta, passava,
Quando a mina deflagrou.
Uma vida cheia de vida,
A morte a levou.
Destino cruel.
Demasiado duro.
Deixou de ser a esperança, no futuro.
Para sempre partiu,
Aquele jovem.
Cheio de saudades de um tempo,
De quem não se despediu.
Um tempo, para com garra viver,
Mas. . .
Ficou sem tempo, para o conhecer.
Já não vejo!
Já não vejo!
Vou morrer!
Com ténue voz.
Balbuciou.
Tremendo grito.
Eu quero viver!
E . . .
Ali se ficou.
Até morrer.
Sede.
Muita sede.
Aquela vontade danada de viver,
E um corpo a arrefecer!
Vida.
Quase sem vida.
E eu. . .
Sem lhe poder valer.
Tremendo momento.
Num mundo mais pobre,
Num futuro em sofrimento.
Zé Teixeira
Afinal sempre tinha razäo.Mampatá era terra de "poetas" em confrontos demasiados com a morte,e näo só.E...."Os mortos?Os mortos estäo bem...näo têm memória.Näo planeiam sonhos sempre adiados.Näo conhecem a saudade.Näo sentem remorsos...pois nem sequer podem mentir.Os mortos?Se lágrimas tivessem choravam os vivos!"
Mampatá, teve soldados, teve poetas...
Como diz quem sabe e por lá passou Mampatá inspirava os "Poetas" talvez por isso vários foram escritos por quem tinha arte e geito. O Zé Manuel além de arte e egenho para tal teve o condão de nos despertar para as rimas contadas das vivencias por todos os que passaram por Mampatá......Aos que naquela estrada Buba-Ald. Formosa lutaram.
ESTRADA DA MORTE
Na quela maldita estrada
A morte nos espreita
Se o IN nos metralha
A malta logo se deita
Há minas e fornilhos
Que fazem muitas mazelas
As picas vão a caminho
Com a malta á procura delas
De repente a emboscada
Na curva de SARE USSO
A malta responde á metralha
com tudo o que tem a uso
Chamem os bombardeiros
para os turras desalojar
Bombas, roquetes e tiroteiro
Tudo para o IN matar
Na p...a da confusão
Abrimos fogo ao desnorte
Os turras fugiram em turbilhão
E nós tivemos manga de sorte
Buba estamos chegando
Vindos de Mampatá
Esta estrada de embrulhanço
De má memória não há
Escrito por:
António Samarra
Sol. At. Cart 2519
Mário Pinto
Em Mampatá, outro poeta poderia ter escrito:"Os Soldados de Mampatá nunca morreram! Desvaneceram-se,simplesmente,nas neblinas da mata".
Caro Josema,
Francamente gostei deste desfiar de palavras sentidas num relembrar dos caidos.
obrigado
manuelmaia
Caro Josema,
Eis-me de novo para voltar a agradecer-te uma vez que fizeste espoletar no Ze´ Teixeira as qualidades inatas de poeta.
Esta´s duplamente de parabe´ns.
abraço
Continua Ze´ que so´ te falta a teimosia, o resto esta´ la´, de forma ineludivel.pronto a explodir.
abraço
manuelmaia
E não morreram os jovens de 6o/70
E não morreram os jovens,
que tão jovens recusaram
ter a morte por futuro!
e não morreram na morte,
do esquecimento colectivo,
porque muitos não esqueceram,
dos que sobraram,
...dos vivos!
Um Abraço a todos os que os recordam.
Felismina Costa
É com estes e outros escritos que se escreve a história.
Por mim apenas digo, obrigado.
BSardinha
Que dizer Zé Manel a não ser obrigado e parabéns!
Realmente não são precisas muitas palavras para exprimir tão bem sentimentos.
Grande abraço
E ao Zé Teixeira também, a quem o engenho e a arte também não faltam.
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