terça-feira, 14 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8418: Notas de leitura (247): O Império Colonial Português, Secretariado da Propaganda Nacional (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2011:

Queridos amigos,
Reputo do maior interesse ler/conhecer os conceitos ideológicos que o regime de Salazar subscrevia em 1942.

Quem escreveu o documento teve a preocupação de conotar o regime com a restauração do engrandecimento imperial. Há muitas coisas que se podem ler com a frieza que a investigação exige. Outras, temos que reprimir a gargalhada como a Guiné ser encarada como a porta aberta frente ao Brasil (devia ser por causa dos clippers que atravessavam o Atlântico Sul e amaravam na Baía da Bolama).

O mesmo autor que exalta a ocupação que legitimou o Império diz sem rebuço que a ocupação da Guiné era bem recente. Como se sabe, há fendas e interstícios na couraça ideológica que depois se pagam bem caro. A Guiné não foi excepção.

Um abraço do
Mário


O Império Colonial Português e a Guiné, em 1942

Beja Santos

Vários historiadores que têm apreciado a evolução da política colonial portuguesa entre os séculos XIX e XX centram-se, regra geral, nas políticas de ocupação e pacificação, no esforço diplomático e nas diferentes vicissitudes porque passou o conceito de Império Colonial, chegando, nas vésperas da eclosão das diferentes manifestações de independência, à consideração de que o regime presidido por Salazar perdera totalmente a noção dos “ventos da mudança” que passaram a soprar no termo da II Guerra Mundial.

Contudo, o mesmo regime que irá teimosamente fechar todas as portas a qualquer tipo de solução política para as parcelas do Império montara uma arquitectura ideológica que muitas vezes é descurada nas análises contemporâneas. Ora, o regime de Salazar não se coibiu a fazer publicidade institucional do que pretendia com a noção imperial, para uso doméstico. Para a sua compreensão, utiliza-se um documento de propaganda oficial, editado em 1942.

Em primeiro lugar, a publicação critica a postura dos portugueses que acerca da grandeza do passado histórico rebaixam e lamentam o presente. O Império não era encarado como o resto que se salvara da herança imensa do apogeu da expansão, era, isso sim uma continuidade absoluta do que melhor os portugueses tinham criado no passado, era o Império que ditava o destino de Portugal, a Nação não era inteligível enquanto ser vivo sem o seu Império.

Em segundo lugar, a expansão portuguesa não se caracterizava por uma ocupação recente, como era propalada pelos seus críticos. As suas etapas sucessivas marcavam essa continuidade colonizadora, a saber: da Madeira com o Infante D. Henrique; dos Açores com D. Afonso V; das Ilhas dos Atlântico central com D. João II e D. Manuel; do Brasil com D. João III; de Angola com D. Sebastião. O domínio marítimo foi criando os pontos o bases permanentes para uma progressiva ocupação colonizadora, com destaque para as Ilhas Atlânticas, o Brasil, Angola, Moçambique e Goa. Aquilo que se chamava decadência ou declínio imperial ocorrera quando Portugal vivera em União Ibérica e fora arrastado para conflitos que em nada se prendiam com o seu destino histórico, os conflitos europeus dos Áustrias.

Em terceiro lugar, a prova de grandeza imperial podia ser vista ao longo da dinastia de Aviz, um verdadeiro Império de ocupação e não de carácter mercantil. Até no nefasto período liberal, todas as gerações ao longo do século XIX, estiveram conscientes da nossa continuidade histórica e apoiaram-na: Sá da Bandeira e Garrett, Andrade Corvo e António Enes, D. Carlos e Ayres de Ornelas, entre outros. Foi a separação do Brasil que veio pôr em toda a sua magnitude o problema da nossa continuidade histórica através da nossa expansão em África. E tirando o lamentável incidente do Mapa Cor-de-rosa (1890), a obra de expansão colonizadora portuguesa não conheceu qualquer interrupção até ao presente. E assim se releva a grande mensagem: “A Nação que alguns diziam decadente e fraca, a Pátria destinada a findar em catástrofe ou deliquescente abandono, reafirmou-se, como sempre no passado, além do mar e desprezando os erros da sua vida política construiu um vasto Império Colonial. E dessa obra veio afinal o anseio de uma recuperação política nacional que se realizou”.

Em quarto lugar, a geografia do Império não era obra do acaso, todas as parcelas foram alavancas e faróis desse Império marítimo. Uma a uma dessas razões vão sendo enunciadas. Por exemplo, “O arquipélago de Cabo Verde prolonga para o Sul, e na rota do Brasil e de Angola, a posição geográfica, essencial, das Ilhas Atlânticas (…) De não menor importância é, a colónia da Guiné. Base essencial como Cabo Verde das rotas aéreas do Atlântico Sul, é em particular a Guiné a garantia de uma defesa da própria costa brasileira colocado aquém do Atlântico como sentinela vigilante na costa ocidental da África. A sua superfície, embora pequena e bem menor do que deveria ser naquela região do globo descoberta e secularmente explorada por Portugal, é, no entanto, suficiente para permitir o seu desenvolvimento em inteira independência dos territórios que com ela confrontam no continente africano".

Em quinto lugar, no contexto das informações geográficas e da cooperação racial e dalguns indicadores da vida económica e social, a propaganda do regime dá conta de como se via a Guiné pela lupa ideológica. No tocante a informações práticas, fica-se a saber que a Guiné tinha 4 portos principais (Bissau, Bolama, Bubaque e Cacheu), alguns portos fluviais (Bafatá, Farim, Buba, Cacine, S. Domingos, Xitole, Cachungo, Bula e Bissorã; o coconote, a mancarra e o arroz eram os produtos agrícolas mais cultivados, havendo ainda a registar a cana do açúcar para o fabrico da aguardente; nem uma só palavra sobre os recursos piscatórios.

Falando da cooperação racial, e  recordando a acção missionária destinada a propagar a fé católica, fica-se a saber que a população portuguesa absorve outras massas humanas: “Um português difícil e raramente se deixa absorver. E posto em contacto com um núcleo, às vezes bem pequeno, de população portuguesa, qualquer elemento estranho, de raça branca ou de cor, de um grande ou de um pequeno país, será por ele absorvido, as mais das vezes na primeira geração. Os exemplos do Brasil e Cabo Verde vêm à cabeça. Após a exaltação da administração e economias civilizadoras, o autor diz que sobre a Guiné, de ocupação muito recente, ainda não se podem tirar conclusões. O que estava comprovado é que a administração colonial portuguesa não se destinava à exploração das colónias para enriquecimento exclusivo e unilateral da metrópole. E são apresentados dados sobre a Guiné: em ligação com a metrópole através de carreiras da Companhia Colonial de Navegação; os cargueiros da Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes Lda. também ligavam Lisboa com Bissau e Bolama. O mais surpreendente vem depois, a propósito das estradas: “Segundo os dados oficiais, em 1937, havia já na Guiné uma rede de estradas com um desenvolvimento de 3.341 quilómetros”. Quanto a indústrias, a Guiné tinha uma fábrica de tijolos e três fábricas de descasque de arroz, sendo ainda de referir uma fábrica de extracção de óleo de palma no arquipélago dos Bijagós. Ao tempo, a Guiné tinha 5 missões religiosas, todas católicas: Missão Central de Santo António de Bula (Bissau), compreendo dois internatos (um masculino outro feminino); Missão Central de Bolama; Missão Sucursal de N.ª S.ª da Natividade de Cacheu; Missão Sucursal de N.ª S.ª da Candelária de Bissau; Missão de N.ª S.ª da Graça de Geba”.

E o livro termina assim: “O Império Colonial Português, com raízes no passado e na epopeia de conquista e ocupação, é já hoje, pela obra do Estado Novo, efectivamente um Império”.

Tratava-se de uma propaganda de engrandecimento do regime, isto quando está inequivocamente demonstrado que o mesmo regime não teve dinheiro para engrandecer o Império, modernizando-o, até ao fim da II Guerra Mundial. E quando começou a modernizá-lo, o regime não teve entendimento para os “ventos da história”. Daí a profunda reflexão que esta obra do Secretariado da Propaganda Nacional pode oferecer aos estudiosos, aos curiosos e àqueles que combateram na Guiné, em particular.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8399: Notas de leitura (246): Dias de Coragem e de Amizade, Angola, Guiné, Moçambique: 50 Anos de Guerra Colonial, de Nuno Tiago Pinto (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Antº Rosinha disse...

Mais um bom esforço de Beja Santos que eu aprecio sempre.

Apenas quero dizer que tive ocasião de ainda com 10/11 anos ouvia falar no SPN, a outros mais velhos "do contra".

Como era o António Ferro o responsável, diziam os críticos à sucapa "O Salazar agarra-se ao ferro e diz..."

Mais tarde e hoje, tenho para mim, que Ferro e Salazar ainda ninguem os analizou em toda a dimensão, negativa e positiva.

Talvez isso se deva a que quem os analiza não são "grandes" suficientemente.

Anónimo disse...

Sao estes documentos e testemunhos, aqui gentilmente partilhados (independemente da concordancia ou nao com o teor dos mesmos) a razao desse incontido "ronco" do blogue !

Venham mais!

Nelson Herbert