sábado, 18 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8438: (Ex)citações (141): Hospital Militar Principal: Sofri as piores atribulações naquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo, o Texas (Carlos Rios, ex-Fur Mil, CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)

1. Comentário, com data de 16 do corrente,  do nosso leitor (e ex-camarada de armas no TO da Guiné) Carlos Rios, ao poste P3496 (*) [Não temos nenhuma foto deste camarada, que não pertence, mas poderá vir a pertencer, se ele assim o desejar, à nossa Tabanca Grande; em contrapartida publicamos, á direita, a foto de um camarada dele, e ao que parece, seu amigo, da CCAÇ 1420, o nosso querido camarigo Rui Alexandrino Ferreira, a quem saudamos e de quem não temos tido notícias boas da sua saúde; infelizmente, ele falhou este ano o nosso VI Encontro]:

Caro Camarada! [, Referência ao António Santos, autor do poste]:


É gratificante poder ir ao encontro das preocupações que demonstras. Aqui deixo o meu testemunho: fui dos que passou pelas instalações e sofri as piores atribulações que aquelas miseráveis e desumanas instalações, principalmente o anexo (Texas),  tinham. 


Ali passei seis anos com imensas operações, vindo a ficar estropiado de 66 a 72. O director era um déspota bem como a maioria do pessoal ligado àquilo que deveria ser o lenitivo para as miséris que nos atingiam mas que afinal se vinha a transformar como que um castigo por termos sido feridos. De tal maneira que já no Depósito de Indisponíveis, onde se encontrava o pessoal em tratamentos ambulatórios,  termos sido metidos nas escalas de serviço, como se os doentes em tratamento estivessem numa Unidade. 


Imagina um Oficial de dia quase maneta e eu próprio, já coxo,  a fazer o içar da bandeira na porta de armas, vindo ao exterior a comandar a guarda e dar ordens militares para o caso. Fui  um espectáculo macabro, eu só consigo andar com uma bengala. Calcula o ridículo. 


No decrépito anexo não havia um espaço onde pudessemos ter um bocadinho de lazer, havendo apenas uma horrorosa cantina pequena para largas centenas de todo o tipo de doentes, cegos, amputados, loucos, etc...tudo á mistura. Não podiamos estar nas camas depois das nove horas nem sair para o exterior antes das catorze, exceptuando os acamados. Era-nos sugerido, quase obrigado,  que não andássemos fardados. Enfim atribulações e peripécias dos pobres que eram arrancados às familias para servir alguém.


Carlos Rios (**)
Ex-Furriel Mil 
CCAÇ 1420
(Fulacunda, 1965/67)

__________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3496: Hospital Militar Principal: Fazendo mini-caixões antes de ser mobilizado (António Santos)

(**) O nosso querido camarigo Manuel Joaquim refere-se ao Carlos Rios neste comentário ao poste de 26 de Abril de 2011  > Guiné 63/74 - P8166: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (21): Saúdo o núcleo permanente de colaboradores que vem mantendo absolutamente impecável este grande projecto (Rui Ferreira)


(...) Apoiado! Um grande abraço, Rui A. Ferreira, o "verdadeiro" comandante da CCaç 1420 no dizer de um seu ex-fur mil, o meu amigo (e teu) Carlos Rios, já que o comandante nominal não seria mais que isso, nominal. Força,camarada! Manuel Joaquim ( ex-fur mil CCaç 1419)  (...) 
Também no portal Ultramar Terraweb há uma referência ao Carlos [Luís Martins] Rios, Fur Mil Inf, da CCAÇ 1420 / BCAÇ 1857, "Cruz de Guerra, 1.ª Classe,  OE  12/IIIª/67, tomo IV, pág. 260".

(***) Último poste da série > 15 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8426: (Ex)citações (140): Vejo que os jovens estão atentos, pelo menos são mais jovens do que eu (António Dâmaso)

8 comentários:

António Martins Matos disse...

Caro amigo
Enquanto Alferes da Força Aérea, também passei por esse Anexo da Graça, quando em 1970 tive um acidente de automóvel.
Depois de mês e meio no Principal e assim que me pude levantar mandaram-me para o “Anexo”.
Apesar de mal me aguentar em pé também me queriam pôr a fazer serviço, não consegui perceber se eram totós, mal intencionados ou qualquer outra coisa, mandei-os à m... .
Aquilo não tinha nada de hospital, era apenas um antigo convento para onde mandavam os momentaneamente “indisponíveis”.
Talvez por tudo isso a Força Aérea acabou por construir o seu Hospital, onde tem tratado militares dos 3 ramos e civis.
E como há quem faça e quem prefira as coisas já feitas, depois de nos terem levado os para-quedistas agora o objectivo da “cobiça”é o HFA.
Abraços
AMM

Rogerio Cardoso disse...

Caro Carlos Rios
Também eu passei as paças do Algarve no chamado Texas.Estive lá de Fevereiro de 1966 a meados de 1967.
De facto o Director era uma pessoa intragável, assim como muito do pessoal lá destacado.
Voltando ao director, assisti uma vez, ele dar uma bofetada num 2º sarg. enf. por ele não ter chamado á atenção de um Fur.Milº que estava deitado em cima da cama, pelo meio da manhã, o homem até chorou, pela humilhação sofrida.
Quanto ao anexo que o amigo Antonio Martins refere, o da Graça, não deve ser a mesma coisa, pois este que nós citamos, era na Rua da Artilharia 1 .
Um abraço, Rogerio Cardoso,Cart643-AGUIAS NEGRAS

Anónimo disse...

Camarigos
No Hospital, Anexo ou Texas, existente na Rua de Artilharia 1, tive as primeiras visões horriveis, do que me poderia esperar, qualquer que fosse o TO que me saísse na rifa.

Isto aconteceu talvez nos finais de Setembro de 1969, quando estava a frequentar o CPC em Mafra.
Aí funcionavam, não sei se outras, as consultas de Ortopedia, para onde fui encaminhado pelo Oficial Médico Mil da EPI, face aos problemas da coluna lombar de que já padecia.

Para chegar à zona das consultas tinha de percorrer vários corredores (ou seria só um muito comprido, mas dividido por várias portas?), atulhados com macas ocupadas por estropiados brancos e negros, meio ao "Deus dará". Da primeira vez fiquei meio "zonzo" com aquelas cenas e nas seguintes procurava chegar rapidamente ao local olhando par o ar...

Quanto ao Cap Med do QP chefe da Ortopedia fiquei com as piores recordações, respondendo-lhe "torto" e chamando-lhe a atenção que não estava a falar para um analfabeto, mas sim para um licenciado como ele, mas isso são outros contos.

Abraços

Jorge Picado

Manuel Joaquim disse...

Camaradas, camarigos

Não me dirijo, aqui, ao meu amigo Carlos Rios, auto-denominado "um velhote coxo e surdo", vejam lá!
Dizer que é "coxo e surdo" não é uma expressão irónica, é o resultado de ferimentos em combate sofridos por um militar exemplar no serviço e na camaradagem, senhor de uma coragem e de um humanismo transbordantes, uma daquelas personagens inesquecíveis que encontramos na nossa vida.
A sua companhia (CCaç 1420/Bcaç.1857) foi uma mártir e ele também bem martirizado foi. Ferido gravemente em combate, passou seis anos(!) no HMP. Ele representa para mim a coragem, a determinação, as angústias e os sucessos dos combatentes e, ainda, o humanismo, por vezes enternecedor,que sublimava as ambiências turvas e agrestes daquela guerra.

Leia-se o seu depoimento "Porto de Abrigo / Ca mi(n)sti o guerra", presente no portal Ultramar Terraweb (referido neste P8438). É um documento simples, direto, objetivo, pejado de humanismo mas também de incomprensão e revolta. Através dele revisitaremos ambiências que nos marcaram mas não só, também tiraremos conclusões, algumas delas nada abonatórias para certas atitudes e situações criadas.

Para terminar, e como ele pode andar por aqui, manifesto o meu desejo que Carlos Rios se junte a nós aqui no blogue. Já lhe disse mas ... está difícil.

Um grande abraço

M. Joaquim
(Fur. milº CCaç.1419/BCaç.1857)

António Martins Matos disse...

Caros amigos

OK, já percebi, estão a referir-se à Artilharia-1.
Em boa verdade, a coisa era complicada, só na Estrela havia 3 edifícios separados por 3 ruas. E "Belém", "Ajuda", ...parece que o denominador comum era os enfermos fazerem "serviço".
Já agora, alguém me elucida sobre o que era a "Graça", onde passei quase 1 mês.

António Tavares disse...

Camarigos,
Em Jan69 estive internado no anexo do HMPrincipal, R Artilharia 1, onde vi e assisti a episódios sem classificação...impossível a sua descrição.
Abraço do
António Tavares
Galomaro 1970/72

Rogerio Cardoso disse...

Amigos
Depois de lêr os 5 comentários, estou lembrado de mais uma cena humilhante. Nós sargentos, instalados no anexo "texas", frequentemente tinhamos consultas no HMP-Estrela, estou a falar no ano 1966. A deslocação era feita numa carrinha Mercedes, salvo erro de 18 lugares. Até aqui tudo bem, mas a nossa vestimente era pior do que a de um recluso. Calças de cutim com dezenas de carimbos com uma estrela com os dizeres HMP, camisa branca sem colarinho tipo moço de estrebaria,também com carimbos, casaco cinzento de golas largas (capote cortado a 3/4) e barrete branco de algodão, igual aos que os velhotes usavam para dormir no século 19, além de sapatilhas brancas.
A nossa vestimenta era mais do que ridicula, os reclusos eram uns "pipis" comparando.
Era o tratamento a que os combatentes que tiveram azar, eram sujeitos.
Rogerio Cardoso

Unknown disse...

Boa noite,

Fiquei sem palavras, só me consigo por a lembrar o que o pobre do meu querido pai deve ter passado o imenso tempo que este internado em Campolide depois de ter sido gravemente ferido no dia 18/10/69 no decorrer da operação ostra amarga, ao ter pisado a mina a/p.... é revoltante... devia ser hoje que eu nem sei o que lhes fazia se tratassem mal o meu pai....