quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8636: In Memoriam (88): Na morte de um Cavaleiro do Gabu (2)


1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323, Copá, 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.

Carta ao meu Prezado Amigo


Joaquim Vicente Silva


Lembras-te Joaquim, de quando nos conhecemos (superficialmente) pela primeira vez?

Era o início do mês de Setembro de 1973, quando eu cheguei ao Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, onde tu já te encontravas para formar-mos o nosso Batalhão de Cavalaria 8323, pois estávamos mobilizados com destino ao sector de Pirada no Leste da Guiné.


Pouco a pouco, fomos fixando os rostos uns dos outros e ouvindo chamar pelos respectivos nomes e assim nos fomos habituando a conhecer aqueles que seriam como nossa família, pelo menos enquanto o Batalhão estivesse a cumprir a missão que lhe estava confiada.


Partimos juntos no Niassa a 22 do mesmo mês e chegamos a Bissau a 29.


Durante a viagem de uma semana, todos juntos dentro de um espaço relativamente pequeno para as nove companhias que viajavam no Niassa, fomo-nos conhecendo ainda melhor uns aos outros, porque nos cruzávamos a todo o instante dentro do navio e os rostos de cada um ficavam cada vez mais gravados na minha memória: o teu era um deles, apesar de pertenceres a outra companhia.


Entramos em Pirada a 3 de Novembro de 1973, onde tu ficaste com a tua 3ª companhia e eu segui com a 1ª para Bajocunda. 15 dias depois acompanhei um Pelotão para Copá de onde passado mês e meio, em Pirada, começaste a ouvir e a sofrer com os bombardeamentos que nos assolavam quase diariamente.


Voltei a encontrar-te 3 meses depois quando regressei a Pirada e por lá estive cerca de 15 dias na tua companhia e dos demais companheiros .


Regressei a Bajocunda e rotineiramente passei a fazer colunas a Pirada, onde normalmente te encontrava e, assim, se foi cimentando a nossa amizade: da minha parte nunca tive dúvidas, tinhas todo o meu respeito e consideração, porque sempre entendi que o merecias.


Regressamos depois da nossa missão cumprida e só passados 16 anos nos voltamos a encontrar no nosso primeiro almoço convívio no Porto que eu ajudei a impulsionar em 1990.


Recordo-me que me disseste nesse dia: “A partir de agora sempre que hajam estes convívios largo tudo para estar presente e rever todos estes amigos!” De facto durante muitos anos cumpriste a tua palavra e apareceste para conviver nesses nossos dias de festa.


Em Junho de 2008, apresentaste-me o teu Amigo António Graça de Abreu, cujo nome eu já conhecia pois já tinha lido um dos seus livros. Ele veio a tornar-se meu Amigo também. Esta amizade devo-a a ti e muito me honra.


Em Agosto de 2009, aconselhaste o jornalista Joaquim Furtado a levar-me a um dos programas da série (A Guerra) para falar sobre Copa. A gravação foi em Setembro de 2009 mas ainda não passou na RTP. Infelizmente já não poderás vê-lo.


Quando no passado dia 6 de Junho de 2010 apareceste no nosso convívio em Coimbra pela última vez, nada fazia prever que a tua saúde corria tanto perigo. Pelo menos aparentemente.


Três meses e meio depois, em Setembro, telefonaste-me a pedir uma cópia das minhas memórias da Guiné porque se tinham extraviado as que tu possuías. Logo te preocupaste, honesto como sempre foste, com a forma de me pagares as despesas envolvidas. Respondi-te então que não te preocupasses, pois no nosso próximo encontro anual resolvíamos isso.


Enviei-te a cópia pelo correio no dia seguinte.


A tua saúde segundo me disseste continuava bem.


Um mês e meio depois, no final de Outubro, telefonaste-me de novo e recebi um choque: primeiro porque me disseste que estavas gravemente doente e segundo porque me transmitiste que não querias morrer sem pagar o que me devias. Aí correram-me as lágrimas pela cara e respondi-te que esquecesses tal insignificância, pois o importante era que tratasses o melhor que pudesses da tua saúde.


Combinamos que te telefonaria de vez em quando a saber das tuas melhoras e fi-lo algumas vezes, não tanto como gostaria, com receio de te estar a incomodar no meio do teu sofrimento.


Nos últimos dias do passado mês de Abril (encontrava-me em Braga pois tinha perdido o meu Pai à poucos dias) recebi mais uma chamada tua, onde me dizias que vinhas ao Porto, num dos primeiros dias de Maio, e que gostarias de te encontrar comigo. Regressei ao Porto e conforme combinamos cá nos encontramos, dei-te um abraço mas achei-te um pouco debilitado fisicamente. Fomos os dois almoçar na companhia da tua simpática Família que em parte já conhecia e no fim dei-te mais um abraço (infelizmente foi o último) e desejei-te boas e rápidas melhoras, e muitas felicidades, com a promessa de que te telefonaria de vez em quando para saber do teu estado de saúde. Desta promessa me penitencio porque não o fiz muitas vezes.


Ainda antes de partires nesse dia, disseste-me que este ano não te sentias com forças para viajar e participar no nosso convívio que se realizaria em Braga três semanas depois.


Uns dias antes de partires, pensando mais uma vez em ti, tive talvez um pressentimento de que não estarias bem e como não sabia como nem onde te encontravas, tive receio de te incomodar ligando para o teu telemóvel. Decidi então ligar para o telefone de tua casa e fi-lo algumas vezes, a diferentes horas, mas não obtive resposta. Agora compreendo, estavas infelizmente a viver os teus últimos dias.


Resolvi mesmo assim no dia anterior à tua “partida” enviar uma mensagem para o teu telemóvel na esperança de que algum dos teus familiares me informasse do teu estado de saúde. A resposta chegou no dia seguinte 23 de Julho, quando um dos teus filhos me enviou uma mensagem com a má notícia: tinhas “partido” na noite anterior.


Olha meu estimado Amigo Joaquim, não tenho palavras para te agradecer a sincera amizade que me dedicaste, só te posso garantir é que, enquanto eu viver, nunca te esquecerei, que Deus te guarde junto dele para sempre, porque sei que eras crente e acreditavas nele.


Depois de todos os sacrifícios porque passaste e pelo bem que com certeza fizeste durante a tua vida que Ele te recompense.


“Quem Crê Em Mim Não Morrerá.” Prometeu-nos Deus.


À tua Esposa e Filhos, apresento os meus mais sentidos Pêsames e que tenham muita força e coragem para suportar a dor da tua perda.


Até sempre meu Grande Amigo...


António Rodrigues

Sold Cond Auto da 1ª CCAV do BCAV 8323
_____________
Notas de M.R.:

Vd. também sobre o Joaquim Vicente Silva, postagens em:


27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8608: In Memoriam (85): No dia 23 de Julho de 2011 faleceu Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo At, 3ª CCCAÇ / BCAV 8323, Pirada, 1973/74, natural de Mafra (António Graça Abreu / Eduardo Magalhães Ribeiro)


30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8620: In Memoriam (86): Na morte de um Cavaleiro do Gabu


Vd. último poste desta série em:



5 comentários:

antonio graça de abreu disse...

Falei Há dias com o António Rodrigues, pelo telefone, sobre a "partida" do nosso
Joaquim Vicente.
As lágrimas corriam-me pelo rosto, como chuva.
Descansa em paz, meu amigo!...

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Amigo António Rodrigues, acabei de ler o Teu texto, mas não me saem palavras, nós sabemos que um dia havemos de nos juntar todos ao pé dele, mas é sempre difícil ver-mos os nossos Amigos partirem desta maneira.
Que DEUS o tenha bem junto dele.
Paz há sua Alma

Um Abraço do tamanho da Guiné para toda a Gente.

Amilcar Ventura

Hélder Valério disse...

Caro camarigo António Rodrigues

Uma justa, sincera e comovente homenagem prestada a um teu e nosso camarada que engrossou, recentemente, a lista daqueles dos nossos que se vão 'passando'...

Sabemos que temos tal fim como certeza mas é reconfortante sabermos que alguém fez a diferença para alguém.

Abraço
Hélder S.

Luís Dias disse...

Caro António Rodrigues

Li agora mesmo o teu comovente texto sobre essa vossa bela amizade. Eu também sei como é perder um amigo, com uma amizade construída naquela guerra.Algum dia, esperam os que acreditam, todos nos iremos juntar junto ao Pai, onde, em paz, daremos um abraço aos que nos antecederam na partida.
Que Deus guarde alma do camarada Joaquim Vicente e lhe dê o eterno descanso.
Um grande abraço
Luís Dias

António Rodrigues disse...

Obrigado Amigos pelos vossos comentários, para mim, depois da minha Família, a minha maior riqueza são os verdadeiros Amigos, que eu muito prezo, por isso, cada vez que perco um deles, eu fico muito mais pobre.

O meu obrigado e um Forte Abraço para todos.

António Rodrigues