sábado, 6 de agosto de 2011

Guiné 63/74 - P8643: Estórias avulsas (56): Quando o Dulombi foi flagelado pelo PAIGC com “Armas Pesadas” (Luís Dias)

1. O nosso Camarada Luís Dias, ex-Alf Mil At Inf da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


QUANDO O DULOMBI FOI FLAGELADO PELO PAIGC COM “ARMAS PESADAS”

Em 20 de Outubro de 1972 saía uma notícia no D. N. com o título “A LUTA NA GUINÉ” e o subtítulo “A Actividade do inimigo desenvolve-se quase exclusivamente na faixa fronteiriça”, referindo-se ao Boletim das Forças Armadas da Guiné que se transcreve:
BISSAU, 19 – O Boletim Informativo das Forças Armadas da Guiné, referente ao período de 1 a 15 de Outubro, é do seguinte teor:

"A situação militar na província continua caracterizada pela actividade que o inimigo desenvolve, quase exclusivamente na faixa fronteiriça, visando paralisar os trabalhos e serviços essenciais à vida das populações. No período em análise inserem-se neste quadro: uma acção de rapto a norte da região de Quenhaque, junto ao rio Cacheu; o ataque a uma viatura civil desencadeado junto à fronteira norte, quando circulava no itinerário Canhamina - Cambaju, transportando elementos da população para os seus locais de trabalho; a implantação de minas anti-pessoal a norte de Farim e a sul de Cabuca que, assinaladas, pela população, foram levantadas e destruídas. Enquadrando-se na mesma preocupação o inimigo flagelou com armas pesadas, à distância, as povoações fronteiriças de Dulombi e Aldeia Formosa. (a)

As nossas forças continuaram as tarefas de desenvolvimento económico e social da província e a garantir as condições de segurança necessárias à sua realização. Assinale-se, no âmbito da assistência educativa, a cargo das Forças Armadas, o início das actividades lectivas em 129 postos de ensino por 197 professores militares, que abriram com uma frequência de cerca de 10 000 alunos. (b)
No âmbito da missão de segurança, as nossas forças interceptaram a oeste de Sare Uale, um grupo inimigo que tentava infiltrar-se em território nacional, o qual foi obrigado a retroceder com pesadas baixas.

Uma formação, agindo fora da sua zona de acção e em desobediência a todas as determinações superiores, violou a fronteira do Senegal e provocou um incidente com um destacamento militar daquele país. Este incidente foi já objecto de comunicado especial. (c)

Em seguida o boletim referia-se ao número de estrangeiros que tinham atravessado a fronteira para transacções comerciais (senegaleses, guineanos e gambianos) (d) e depois retomavam:

Em consequência da nossa actividade e da reacção das nossas forças e populações o inimigo sofreu 16 mortos e a apreensão de uma metralhadora Dectyarev, dois lança granadas foguete RPG2, quatro espingardas kalashnikov, cinco Simonov e três pistolas-metralhadoras PPSH, além de outro material e grande quantidade de munições.

Da acção do inimigo resultou a morte de 11 elementos da população. As nossas forças sofreram 4 mortos em combate, cujos elementos de identificação foram oportunamente divulgados.” (e)

a) O meu falecido pai quando leu esta notícia e a recortou, ficou muito apreensivo com a mesma, quando ali é referido que o Dulombi havia sido atacado com armas pesadas e escreveu-me relatando essa preocupação, dele e da minha mãe, é claro. De facto, nesse tempo, nos relatos que escrevia para casa (pais, namorada, amigos e restante família), apenas mencionava que fazíamos operações, colunas, picagens e pouco mais. Nunca falava em pormenor sobre o que nos sucedia. Deste modo, compreendi o que lhes ia na alma e escrevi de volta a dizer que, de facto, havíamos sido atacados por “armas pesadas”. Pesadas, porque as espingardas, os roquetes, as pistolas metralhadoras, os morteiros 60 e as munições e granadas para estas armas, que normalmente o IN usava contra nós na zona do Dulombi, transportados pelos guerrilheiros atacantes percorrendo mais de 50 km (eles eram oriundos de uma base que ficava na Guiné-Conacri, muito para além do Rio Corubal e do território da Guiné) tornavam-se, vivamente, “armas pesadas” (Eh!Eh!Eh!). Não eram nem canhões, nem mísseis, nem carros de combate, nem aviões. E, assim, os meus pais talvez tenham ficado um pouco mais descansados.

A zona do Dulombi era a que detinha a maior área de quadrícula da Guiné. As nossas operações eram sempre a palmilhar largas dezenas de quilómetros em busca do inimigo. Uma ida ao Rio Corubal implicava sempre um esforço físico considerável. A quadrícula foi aumentada quando a área de Galomaro passou também a estar incluída nas nossas tarefas operacionais, a partir de 9 de Março de 1973.


b)Isto de ter cerca de 10 000 alunos a receberem aulas por elementos das forças armadas era obra.

c)Tratava-se aqui da acção inopinada de elementos do Esquadrão de Reconhecimento de Cavalaria - Chaimites, que entraram no Senegal pela estrada de Pirada e tiveram uma escaramuça com militares senegaleses.


d)Não entendo como conseguiam controlar as entradas de estrangeiros ao pormenor de dizerem tratar-se de 1876, distribuídos por países e tudo !!!

e)Pelo menos os nossos comunicados referiam as nossas baixas. Quando ouvíamos os comunicados de guerra do PAIGC eram, na sua maioria, ridículos. Destruíam sempre o que eles denominavam os campos fortificados, sofrendo as nossas forças sempre pesadas baixas e quanto às deles, eram zero (muito raramente falavam que tivessem sofrido mortos – lembro-me de terem referido algumas baixas, entre mortos e feridos, num contacto/emboscada, connosco em 11 de Março de 1972, em Paiai Lemenei, mas que nós tínhamos sofrido oito mortos e diversos feridos, com muita perda de armamento, munições e outro material – o que, felizmente, não foi verdade, dado que apenas sofremos feridos ligeiros e foi o In que deixou armamento e material diverso e diversos rastos de sangue).

Um abraço
Luís Dias
Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872
_________
Nota de M.R.:


Vd. último poste desta série em:

18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (114): O tio Quim Quim (Felismina Costa)

5 comentários:

Juvenal Amado disse...

Caro Luís

Entre as mentiras da Maria Turra e as mentiras da imprensa Portuguesa pouco ou nada se aproveitava.
Quando um jornal apelida o Dulombi de posição fronteiriça, foi porque se quis esquecer do território, que ficava entre o destacamento e a fronteira.
Os teus pais tinham toda a razão quanto à aflição que tinham, pois a falta de verdade ou a verdade escondida, ampliava o volume da mentira.
O controle de entrada de estrangeiros também é uma anedota.

Luís boa reflexão este teu texto.
Um abraço

Anónimo disse...

Relativamente à alínea c) (entrada de chaimites no Senegal), há aqui no blogue um poste de um dos militares que integraram a operação. O capitão (que já tinha sido punido na Índia), foi julgado, preso e libertado a seguir ao 25 de Abril.
Esta acção inopinada do capitão deu brado na ONU e o governo português, além da apresentação formal de desculpas ao governo senegalês, julgo que também teve que pagar uma indemnização.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

António Rodrigues disse...

Caro Luís

Também eu normalmente faltava à verdade quando escrevia aos meus Pais não lhe contando nem por sombras o que se passava comigo.
Até que um dia um camarada e meu conterrâneo que se encontrava em Pirada ( eu estava em Copá )disse ao Pai dele que se encontrava menos mal mas que eu estava num local que mais parecia o inferno.
O Pai dele ingenuamente foi contar isso ao meu Pai que apesar disso nunca me perguntou nas cartas que me escrevia se isso era verdade, só quando regressei foi uma das primeiras perguntas que o meu falecido Pai me fez se eu confirmava essa história aí contei-lhe a verdade com todos os pormenores.

Um Abraço

Luís Dias disse...

Caros Amigos

De facto raramente, pelo menos a maior parte do pessoal, contava a verdade do que se passava aos seus familiares e amigos. Ao fim de poucos meses de Guiné, assaltou-me aquela "apanhadisse" do clima, como nós referíamos e passei a escrever nos aerogramas unicamente: " A Leste nada de novo" (retirado do livro sobre a 1ª GG , de Erich Maria Remarque). E, mais tarde, deixei mesmo de escrever. Os meus pais preocupados e com razão contactaram o Estado Maior do Exército e este, através do Cmdt. do meu Batalhão, "ordenou-me" que mantivesse correio com a família, o que voltei a fazer. Mesmo nas férias não lhes contava a verdade, mas sim que fazíamos acções de rotina e era raro termos contacto com o IN. Só após o meu regresso e ao meu ritmo é que lhes contei o que era a Guiné.
Um abraço a todos.
Luís Dias

Carlos Vinhal disse...

Caro Luís Dias, vira-te depressa para Oeste que é de onde vem o inimigo.
Abraço
Carlos