sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9379: (Ex)citações (173): Os catchurres de dois e quatro pés, o pensamento mágico, e as saudades dos ganguelas do Rio Cubango... (Cherno Baldé / Antº Rosinha)



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CCaç 3518 - os Marados de Gadamael, Gadamael, 1971/74. A mascote da comanhia: nome de guerra, a Marada... Foto nº 83 do álbum fotográfico de Daniel Matos (1950-2011).

Foto: © Daniel Matos (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados .




 1. Comentário, com data de 17 do corrente, da autoria de Cherno Baldé ao Poste P9363 (*):

Caro Rosinha,

Diante da vida como da morte, o africano "tradicionalista" vive habitado pelo (pre)conceito do sagrado e pelo medo do imponderável.

A leitura que eu faço dos monticulos de pedra na estrada a que tu aludes é a seguinte: Uma morte tão brutal e repentina num animal tão lesto e ágil (cão ou gato) como acontece num atropelamento,  viola as regras pré-estabelecidas no supremo contrato pelo direito a vida. Assim, qualquer pessoa (ser) que tenha visto ou assistido a este tipo de cena violenta, deve purificar-se, livrar-se da violência das forãas do mal (mufunessa) através do ritual da deposição de um objecto qualquer em cima do animal morto.

Hoje em dia, esta prática esta em franca regressão.

Relativamente ao periodo a que te referes, o Luís [Cabral] e o pessoal do PAIGC no tinham tempo a perder pois, estavam ocupados a tratar da saude  de outros "catchurres de dus pé", como costumas dizer, que infestavam o país, abandonados precipitadamente pelos seus amos e que seriam bem mais perigosos.


Um abraço, Cherno Baldé.


2. Comentário do Antº Rosinha, com data de 17 do corrente:


Cherno, obrigado pela explicação. Sabes que os pedreiros e serventes e operadores que trabalhávamos na estrada Bissau-Aeroporto, não tinham o teu vocabulário.


E, como te digo,  enquanto não aparecer o tal best-seller de um balanta ou fula, ou ganguela ou bacongo, e forem europeus ou afro-europeus a escrever a vossa história,  não saimos, nem brancos nem pretos, do mesmo sítio sobre o que se passou.


E já há luso-falantes ou franco-falantes africanos suficientes que podem escrever para branco entender.


Sobre o abandono dos cães de dois pés, ouvi demais, que até confrange. Eu tambem abandonei uns ganguelas que as últimas palavras que ouvi deles quando me viram fazer as malas, me disseram
- Vamo-nos matar uns aos outros!.


Foi 30 anos de guerra que se seguiu.


Lembro-me sempre desse lugar, se tiveres Google Earth,  clica para veres duas fotos sobre o rio Cubango: 17 18.9000 S, 18 21.3727 E; e verás uma obra que ainda não tinha terminado.


Eram ganguelas,  eu,  "patrão",  e um Silva, outro "patrão",  da Junta de Estradas, que fazíamos aquela estrada e ponte.


Estávamos muito longe da guerra, porque o MPLA passou procuração ao PAIGC.

Antº Rosinha
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 16 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9363: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (18): Os cães abandonados de Bissau, no tempo de Luís Cabral

(**) Último poste da série > 18 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9370: (Ex)citações (172): Que riqueza este nosso blogue! (Hilário Peixoto, ex-Cmdt da CCAÇ 2403, 1968/70)

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