por Luís Graça
Poema dedicada
aos valorosos soldados fulas
da CCAÇ 12 (1969/71),
de Badora, do Cossé, do Corubal
E de repente
Tudo te é estranho,
O muro que corta, rente,
A brisa da manhã,
A fonte onde ainda ontem
Os jubis tomavam banho,
O poilão aonde ias rezar,
À tua maneira,
Ao teu irã,
A ponta onde colhias a manga e o abacaxi,
O macaco-cão que ora chora ora ri…
De repente
Não sabes donde vens,
Não sabes quem és,
Aqui de camuflado e de G-3,
Nem a verdadeira razão para matar e morrer,
Não sabes o que fazes neste lugar,
Triste tuga entre tristes fulas,
Abaixo do Trópico de Câncer,
A 11 graus e tal de latitude norte.
Não reconheces os sinais de guerra,
O feroz combate em noite de luar,
O cavalo de frisa,
Os pássaros de morte,
Os jagudis no alto da árvore descarnada,
A terra desventrada, ensaguentada,
O arame farpado, aqui e acolá cortado,
O colmo das moranças, carbonizado,
O medo que se sente mas não se vê,
As cápsulas de 12.7 da Degtyarev,
Um par de chinelos,
Os caracteres chineses dos invólucros, amarelos,
Das granadas de RPG…
Um triste cão vadio ladra
Ao cacimbo fumegante
E o seu latido lancinante
Ecoa pela bolanha fora.
A seu lado, a única velha,
Que não se foi embora,
Com a sua máscara impassível
De séculos de dor.
Mais tarde saberás
- Mas nunca o saberão, de cor,
Os jovens pioneiros com os seus lenços multicolores -,
Que por aqui passou
Mamadu Indjai,
Hoje valoroso, amanhã insidioso,
Combatente da liberdade da pátria,
Hoje herói, amanhã traidor.
Diz-me, mãe e pitonisa,
Onde estão as mulheres com os balaios à cabeça
E os seus filhos às costas ?
Onde estão as gentis bajudas,
Cujo sorriso nos climatizava os pesadelos ?
Onde estão o régulo e os suas valentes milícias ?
Para que lado corre o Rio Corubal
E donde vêm aqueles sons de bombolom?
Diz-me, homem grande,
Onde fica o Futa Djalon ?
E de que ponto cardeal
Sopram os ventos da história, afinal ?
Dizes-me para que lado fica Meca, meu irmão ?
E, no seu conciliábulo,
O que sobre nós decidirão,
Os nossos deuses, o teu e o meu ?
Diz-me onde está o velho cego, mandinga,
A quem demos boleia,
Em Bambadinca,
Que tocava kora
E nos contava histórias
De velhos e altivos senhores,
Agora prisioneiros no seu chão ?
Passei, na madrugada de um dia qualquer,
Pela tua tabanca, abandonada,
Do triste regulado do Corubal,
De que já não guardo o nome,
Na memória.
Tabanca onde passámos sede e fome,
Sinchã qualquer coisa,
Agora posta a ferro e fogo,
Que importa, minha irmã,
O topónimo para a história ?!...
Venho apenas em teu socorro,
Irmãozinho,
Quando as cinzas ainda estão quentes
No forno da tua morança,
Da morança que também fora minha…
Raiva, sim, meu camarada,
Como eu te compreendo…
Mas vingança, para quê ?
De guerra em guerra se chega à vertigem do nada!
A um espelho partido me estou vendo,
E a mim mesmo me pergunto-me quem sou eu
Triste tuga entre tristes fulas, ai!,
Para te dar lições de história ?!
Quem somos, ao fim e ao cabo, nós, os dois ?
Saberei apenas, muito anos depois,
Que fuzilaram o Mamadu Indjai!…
_____________
Nota do editor:
Último poste da série > 31 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9296: Blogpoesia (174): Dies irae! (Luís Graça)
6 comentários:
OLÁ LUÍS,
FRANCAMENTE GOSTEI DESSA TUA HOMENAGEM.
E FORAM TANTOS OS "INDJAI" FUZILADOS... EM BISSUM ATÉ OS FAXINAS SOFRERAM ESSE TRATAMENTO SÓ POR TEREM CONVIVIDO COM OS BRANCOS.
ABRAÇO
manuelmaia
Obrigado, Manel Maia, grande vate do Cantanhez!...
O Mamadu Indjai era do PAIGC, comandante de bigrupo, foi gravemente ferido pelas NT (grupo de combate do Carlos Mraques Santos, da CART 2339, Mansambo, 1968/69), na sequência de uma operação conjunta (Páras, CART 2339, CCAÇ 12...), em Agosto de 1969...
Esteve mais tarde implicado, em Conacri, na conspiração e assassinato do Amílcar Cabral... Era mandinga. Foi fuzilado em Conacri...
... Mas os nossos soldados fulas da CCAÇ 12 também pagaram caro a sua lealdade aos "tugas"...
O papel dos fulas, infelizmente para a Guiné Bissau, vai fazer por muitos anos, lembrar os guineenses se era mesmo a bandeira do PAIGC que queriam.
Assim como em Angola e Moçambique, outros lembram se era mesmo as Bandeiras da Frelimo e do MPLA a melhor bandeira.
Em Caboverde já não teem a bandeira do PAIGC escolheram uma em democeracia.
Saude para o Luis Graça no seu aniversário
Bom dia.
E que ele seja para ti um dos melhores,senão o melhor da tua vida.
Parabéns amigo.
Castro (CART 3521)(
Caro amigo e irmao Luis,
O poema é lindo e a mensagem profunda.
Nao conheci Badora ou Galomaro nem antes nem depois da guerra, mas no Sancorla de ghalen Sonko e Branjame Baldé os fulas nao eram tristes, até parecia que nao tinham nocao da gravidade da sua situacao. Também é verdade que o horror da guerra nao se fazia sentir com a mesma intensidade.
Nesta ultima semana, fiquei a saber, atraves de um colega, também Djubi de Fajonquito, que na (CKA)CCAC 12 estacionada em Bambadinca/Xime, fazia parte um primo nosso que dava pelo nome de Armando Adulai Baldé (Beia), filho do entao régulo de Sancorla (Sambel Baldé).
Eu vi a lista dos teus bravos na historia do CCAC 12, mas nao conhecia o seu verdadeiro nome. Consulte os teus arquivos para confirmar.
Quero também enderecar uma palavra ao A. Rosinha para lhe dizer que, na verdade, quando eclodiu a guerra, independentemente das bandeiras, na memoria dos fulas estava, sobretudo, a guerra de Kansala e a dificil vitoria contra os Soninques de Gabu. O resto aconteceu por arrasto, inteligentemente aproveitado pelo poder colonial portugues.
Um grande abraco e feliz aniversario.
Cherno Baldé
Claro que não, meu irmão, os fulas não são tristes. Tristes eram as tabancas fulas do Corubal, cercadas de arame farpado, valas e abrigos, e vivendo sob o medo do Mamadu Indjai e do seu bigrupo nos idos tempos de Agosto de 1969...
Quanto ao bravo Armando Adulai Baldé (Beia), da CCAÇ 12, já não é do meu tempo... Eu sou um dos fundadores da CCAÇ 12 (, formada em Contuboel, como sabes)... Mas voltei para casa em Março de 1971, cansado da guerra. Outros graduados vieram da Metrópole (!) para enquadrar a companhia, que entretanto se foi sangrando e renovando, até à sua extinção em Agosto de 1974... Alguns dos guineenses da CCAÇ 12 (como o Abibo Jau) foram depois para a CCAÇ 21, comandada pelo Cap Comando Graduado Jamanca.
Um Alfa Bravo, amigo e irmão Cherno!
Luís
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