sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Guiné 63/74 - P10383: Notas de leitura (403): Relatório do Conselho Superior de Luta ao III Congresso do PAIGC (1977) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 9 de Julho de 2012:

Queridos amigos,
Trata-se do III Congresso do PAIGC, ainda se vivia no mito da unidade Guiné-Cabo Verde.
O postulado ideológico aparece claramente definido, a ligação entre partido e movimento de libertação, o centralismo democrático consorciado com a dinâmica revolucionária. Aristides Pereira refere sucessos industriais que no ano seguinte, Luís Cabral, noutro documento já aqui apresentado, não ilude insucessos, desvios, inviabilidades. Tudo faltava à Guiné e confundiram-se desejos com a política praticável. As fábricas fecharam, os financiamentos volatizaram-se, a divida externa acumulou-se. Começava a espiral infernal de onde nunca mais se saiu.

Um abraço do
Mário


Relatório do Conselho Superior de Luta ao III Congresso do PAIGC (1977)

Beja Santos

Com o intuito de se juntar toda a documentação que permita seguir a evolução política do PAIGC no período de pós-independência, procede-se a um resumo das matérias abordadas no seu relatório por Aristides Pereira no decurso do III Congresso do PAIGC. Convém recordar que o II Congresso ocorrera em 1973, havia que eleger uma nova Direção após o assassinato de Amílcar Cabral e definir a linha de rumo que desembocasse na independência.

A Guiné-Bissau estava agora confrontada pelo modelo de desenvolvimento na era pós-colonial. Aristides Pereira lembra as dificuldades vividas durante o período da libertação total (que ele denomina por “política de abertura em relação aos nacionais que, enganados pela demagogia colonialista, tenham combatido nas fileiras do inimigo”), refere o novo Estado como confrontado pela ausência de infraestruturas básicas, pelo desequilibro e dependência do comércio externo e por uma grave falta de quatro técnicos qualificados. A seguir, debruçou-se sobre os fundamentos da orientação política e ideológica do PAIGC e recorda: “Desde a sua criação o PAIGC definiu-se como a vanguarda e o motor da luta. Cabral dizia que uma luta, para poder avançar a sério, tem que ser organizada e só pode ser organizada a sério por uma direção de vanguarda. Que o PAIGC adotara a designação de partido porque, para dirigir um povo para a libertação e para o progresso é fundamentalmente preciso uma vanguarda. O PAIGC nasceu, assim, como um verdadeiro partido político”. Seria esta a riqueza da dualidade Partido-Movimento, e voltou a citar Cabral: “Nós, que lutamos contra o colonialismo português somos todos um movimento de libertação nacional, toda a gente é partido. Mas só entra de facto no partido aquele que de verdade tem uma só ideia, um pensamento que só quer uma coisa e tem que ter um dado tipo de comportamento na sua vida privada e social”. Isto para justificar porque é que o PAIGC é a força política dirigente da sociedade no estádio de desenvolvimento que exige a direção de um processo revolucionário num contexto de democracia nacional.

Depois, a sua exposição dirigiu-se para o desenvolvimento económico e recordou que o PAIGC favorecia um modelo de planificação, de estatização, sem perder de vista a necessidade do desenvolvimento e modernização da agricultura, da reforma agrária (em Cabo Verde) e da nacionalização das terras e de outros bens pertencentes a inimigos provados da liberdade do povo; o controlo do comércio externo e a coordenação do comércio interno era o corolário lógico do modelo estatista. Procedeu a um balanço do que estava a ser feito quanto ao dinamismo industrial, elencando as realizações: fábricas de parquete-mosaico e de pranchas, fábrica de sumos e compotas, fábrica de espuma para colchões e almofadas, fábrica de cerâmica de Bandim, restruturação da CICER, criação da companhia de eletricidade e águas de Bissau. Para o período até 1980 encarava-se a hipótese de instalar mais indústria: complexo industrial de Cumeré, produção de mel e cera no Gabu; cerâmica em Bafatá; fábrica para a produção de oxigénio e acetileno de Bissau; fábrica de farinha e óleo de peixe de Cacheu; fábrica de curtumes; fábrica de artigos de plástico; fábrica de leite reconstituído; fundição e oficinas metalo-mecânicas; unidade de transformação da castanha de caju; unidade de fabrico e de coloração de tecido em bandas. Referiu-se igualmente ao desenvolvimento da rede de energia elétrica, a criação de uma empresa para estudar o aproveito das bauxites, a criação de três empresas mistas de pesca, mais adiante falou no défice do comércio externo, dos armazéns do povo e da necessidade de encontrar resposta para a rede de transportes, área em que já se criara a Silo Diata, que possuía 37 autocarros e a Guinémar.

Quanto à definição do Estado, Aristides Pereira é inequívoco: “O Estado nasceu como um instrumento ao serviço do Partido para a realização do seu programa. É ao Estado sob a direção do Partido que incumbe a execução do seu programa económico, social, cultural, de defesa e de segurança. A direção do Estado pelo Partido deverá fazer-se na base de uma relativa autonomia e aí intervêm a administração central e os escalões intermédios e de base". O capítulo referente à unidade Guiné-Cabo Verde revela-se nebuloso, uma vez mais fica-se com a ideia que se tratava de um preceito assente na areia: “Partindo da análise das nossas realidades históricas e tendo em conta que no mundo atual a unidade é uma exigência da luta dos povos pela sua liberdade e progresso, Amílcar Cabral teve a lúcida visão de inscrever a opção da unidade como um princípio de base da nossa organização partidária e da nossa luta pela realização da suprema aspiração do nosso povo à liberdade e ao progresso". As afirmações não passam de verbosidade: “Se é certo que a unidade pressupõe diferenças entre as partes componentes, não é menos evidente que, tratando de nações, para que a unidade seja uma força, a formação jurídico-política da unidade deve ser antecedida pela materialização gradual da unidade de existência dos povos traduzida por formas superiores de cooperação e comunhão, através das novas realizações de intercâmbio e complementaridade (...) para além de todos os fatores históricos, étnicos, culturais, que podem fundamentar a unificação de uma nação ou a associação de dois ou mais povos, será preciso possuir-se um conjunto de interesses comuns, conscientemente definidos, para que a unidade seja bem-sucedida”. E deixou um aviso: “Hoje, é cada vez mais premente a necessidade dos nossos Estados definirem uma estratégia comum de desenvolvimento, a qual permitirá evitar o estabelecimento de estruturas concorrenciais ou divergentes, que esvaziariam a unidade do seu conteúdo”.

Posto isto, analisou o funcionamento das organizações de massa e o funcionamento do PAIGC. Este é reafirmado no centralismo democrático, mediante crítica e autocrítica e com uma direção coletiva. Faz-se um apelo à formação permanente dos militantes e quadros. A política externa continua no não alinhamento, o PAIGC aparece imbrincado com o MPLA, a FRELIMO e o MLSTP, em sintonia com a organização da unidade africana, havendo que não descorar relações de excelente vizinhança com a Guiné-Conacri e o Senegal. Foram endereçados agradecimentos à URSS, a Cuba, à OLP e à FRETILIN. Decorrente desta alocução que abrangeu as principais áreas políticas, o congresso aprovou uma resolução geral onde importa destacar: - o PAIGC é um movimento de libertação no poder e pratica uma política de unidade nacional; haverá que consagrar nas leis fundamentais dos dois países o princípio de que o PAIGC é a força política dirigente da sociedade, o PAIGC deverá continuar a praticar a política de democracia nacional revolucionária, o que implica que todas as camadas sociais sejam mobilizadas para participarem ativamente nas tarefas do desenvolvimento nacional e o Estado deve organizar as suas estruturas e instituições e controlar as suas atividades em observância estrita do princípio da defesa intransigente dos interesses das massas trabalhadoras.

O III Congresso terminou em 20 de Novembro de 1977. Em Dezembro terão lugar uma série de execuções de antigos comandos guineenses. Nos bastidores do Congresso travou-se luta renhida para a constituição da nova lista da Direção, os guineenses protestaram com uma alegada desproporção de nomes cabo-verdianos. E em 1978 tornou-se indisfarçável o descalabro do aparelho económico e a rutura financeira agravou todos os problemas. As cúpulas passaram a contar as espingardas e a participação popular evaporou-se.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Setembro de 2012> Guiné 63/74 - P10380: Notas de leitura (402): "Les Héros de la Guinée-Bissau: La Fin D'Une Légende", de Lourenço da Silva (Francisco Henriques da Silva)

6 comentários:

Anónimo disse...

Repare-se na aleivosa patacoada que aqui continua a ser alegremente reproduzida,
como se de monumento se tratasse,
como se importância tivesse ou
como se algo de grandioso ilustrasse

“O Estado nasceu como um instrumento ao serviço do Partido para a realização do seu programa. É ao Estado sob a direção do Partido que incumbe a execução do seu programa económico, social, cultural, de defesa e de segurança. A direção do Estado pelo Partido deverá fazer-se na base de uma relativa autonomia e aí intervêm a administração central e os escalões intermédios e de base".

Este blog anuncia o tratamento de coisas da Guiné, relacionadas com a guerra e do ponto de vista de quem lá combateu ou serve de plataforma para o elogio velado da encenação que enxotou os portugueses de África?

SNogueira

Henrique Cerqueira disse...

Ó SNogueira
Este blog é mesmo este blog e só quem gosta deste blog é que participa neste blog.
Por tal este blog é o nosso blog.
Goste ou não é o nosso blog.
Eu blogo,tu blogas ele Bloga.quem não quer não bloga.
Boa Noite e bons sonhos com o blog.
Henrique Cerqueira

Bispo1419 disse...

Num comentário acima S.Nogueira pergunta ( ou é sua opinião afirmativa?) se este blog "serve de plataforma para o elogio velado da encenação que enxotou os portugueses de África".
Elogio velado?, pergunto agora eu. Não nego que possa haver algum mas não de maneira nenhuma que se possa assim caraterizar este blogue. Muitíssimo longe disso.
Como me parece que estão em causa estas últimas recensões de M. Beja Santos (este Relatório e o discurso de Luís Cabral, "O estado da nação", cuja recensão figura nos P10344 e P10358) fico sem compreender a base da opinião de S.Nogueira. Não compreender não quer dizer desrespeitar.

Tanto este Relatório como o referido "O estado da nação" são documentos de grande valor histórico (também para os ex-combatentes portugueses). São dois documentos que deitam por terra muitas das costumadas (?) teorias de boa governança e práticas de louvor aos governos do PAIGC nos anos imediatos à sua ascensão ao poder na Guiné-Bissau. Transformaram-se em prova histórica das fracas capacidades de governar do referido partido, capacidades políticas e culturais, que provocaram o rápido descalabro da economia do país e da sua organização política e administrativa. São prova da insensatez da aplicação de certas ideias "revolucionárias" totalmente alheias e inadaptadas ao meio social e económico do país.
Nestes três "posts" não dei, neles, por qualquer elogio feito pelo Beja Santos ao PAIGC ou ao regime político implantado. Antes pelo contrário. Leiam-se as duas últimas frases desta recensão e recorde-se o que BS disse sobre "O estado da nação":
" Leem-se estas coisas escritas e mais de 30 anos depois procuram-se as concretizações. E não pode haver desapontamento maior por tanto dinheiro deitado à rua, por tanta cooperação desviada dos seus interesses mais nobres, por tanto desalento que ficou entre aqueles que suspiravam e suspiram pelo desenvolvimento e pela dignidade da pessoa humana".

Bispo1419 disse...

Esqueci-me de assinar acima. O Bispo sou eu
Manuel Joaquim

Anónimo disse...

Caro Manuel Joaquim,
não neste post, exclusivamente, mas no conjunto e no pendor desse conjunto, julgo transparecer a dita atitude ou escolha reverencial, talvez anacrónica.

SNogueira

Anónimo disse...

Ó meu caro SNogueira,comprendo (ou não, mas percebo o porquê)que não gostes do Beja Santos. Que não estejas de acordo com as suas recensões, também aceito,mas de maneira nenhuma posso aceitar a tua falta de respeito para com os teus camaradas. Enxotar ?
Vais-me desculpar, mas acho que a melga aqui és tu.

Saudações de um combatente para TODOS os combatentes, mesmo para aqueles que não pensam como eu.

Antonio Almeida