1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 22 de Outubro de 2012, trazendo uma história relacionada com uma doença (que parecia) bem grave:
Os pés inchados
Em todas as companhias havia sempre uns mais medrosos do que outros e também uns mais astutos do que outros. Arranjar uma forma de ficar no bar, na cozinha, no depósito de géneros, na arrecadação de armamento, na secretaria ou em qualquer outro sítio dentro do arame farpado, era a preocupação de alguns que, nalguns casos, iam já “cunhados” à saída de Lisboa, noutros, teciam o seu ardil, por conta própria.
Como se sabe, competia geralmente ao furriel enfermeiro ajuizar sobre a (in)capacidade física para sair para o mato, de qualquer camarada e comunicar a “sentença” ao comandante do pelotão respetivo ou ao capitão. Se a incapacidade física se tornava frequente, o próprio capitão mandava o rapaz para o médico do batalhão que por sua vez, julgando o caso grave, desresponsabilizava-se, submetendo-o a uma consulta no Hospital Militar de Bissau.
Umas vezes regressavam à sede da companhia, com a indicação de que deviam ser dispensados de tarefas muito penosas, nomeadamente alinhar nas saídas, outras vezes vinham frustrados porque não tinham conseguido enganar o hospital.
Vem este intróito a propósito de uma história alegadamente verdadeira, passada na minha companhia e narrada agora, passados 40 anos, no decurso do nosso convívio ocorrido no último 30 de junho, em Leça do Balio.
O narrador e protagonista principal foi o António Fernando Moreira da Silva, atirador do 3º grupo, quanto à segunda figura que entrou na história fui eu próprio, na qualidade de Fur. Enf. Confesso que não me lembro dos factos mas se o Silva diz que foi assim, foi mesmo.
Por entre sorrisos marotos e sonoras gargalhadas, contou o Silva como arranjou forma de me enganar assim como ao médico do batalhão e aos do HM 241, ou será que alguns se deixaram enganar, propositadamente? Eu estou tranquilo porque fui literalmente enganado.
Vejamos a esperteza e a vontade do rapaz (e sabemos como a vontade move montanhas).
Aparece-me o Silva na enfermaria, com um ar muito confrangido, mostrando-me os pés inchados como cepos. Não achando as causas e temendo as consequências de eventual agravamento do estado clínico do rapaz, toca a mandá-lo ao médico do batalhão e este, incapaz de decifrar as causas do inchaço, pede uma evacuação para o Hospital Militar de Bissau, e lá vai o Silva pelos ares a pensar: enquanto o pau vai e vem folgam-me as costas.
Na verdade, conseguiu trazer de Bissau um relatório clínico que uma vez entregue ao nosso Capitão mereceu deste a decisão de o colocar na carpintaria a ajudante do carpinteiro Costa. E por ali se manteve até ao resto da comissão, exceptuando um período intermédio durante o qual esteve deslocado em Catió na construção de um aldeamento (também não se pode ter tudo).
Mas afinal, o que há de especial nesta história?
É que o Silva teve a manha de, propositadamente, fazer inchar os seus pés, apertando-os com ligaduras durante a noite. De manhã, lá aparecia ele na enfermaria, com ar de inocente, a mostrar os pés inchados como cepos. E este rapaz acreditava que era doença… e das grandes.
A história vai aqui contada com a aquiescência do António Silva, sendo certo que muitas outras semelhantes se passaram, na Guiné e nos outros territórios.
António Carvalho
ex-Fur Mil Enf.º
CART 6250/72
Mampatá
____________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2012 > Guiné 63/74 - P10042: Estórias avulsas (62): A minha ida para a Guiné (António Melo)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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4 comentários:
Carissímo irmão
A estoria e interessante e está bem contada, mas chamares Leça do Balio em vez de Leça da Palmeira á terra onde mora o Zé Alves que vos recebeu no convívio da comp. isso não se faz. Vê se pedes ao Vinhal que faça o favor de emendar antes que ele veja, para não seres tu a ficar com qualquer coisa inchada em vez do Silva. E mais não digo
Manuel Carvalho
Caro camarada A.Carvalho
Que o A.Silva te enganasse com esse truque é perfeitamente plausível, agora aos médicos..uhh,duvido,pelo simples facto de o "inchaço" edema dos pés ser de fácil diagnóstico..inclino-me mais para a "cunha de conveniência".
Um alfa bravo
C.Martins
O furriel dotor nao tinha muito esperto no cabeça,ou entao,foi cúmplice nesta artimanha do Silva.vamos lá a saber,será que o Silva,nao teria lá uns salpicoes,para o furriel dotor?
Abraçao amigo Carvalho
Meus caros:
O meu irmão tem razão, troquei os Leças, por este lapso, desde já, peço desculpa a todos os habitantes de Leça da Palmeira e particularmmente ao Zé Eduardo, na sua bem nobre qualidade de anfitrião da festa da companhia.
Quanto ao comentário do C.Martins, não posso deixar de estar de acordo com ele. Houve seguramente, supletiva ou essencialmente, algo mais...Enganar o médico do batalhão e os do hospital! Dá mesmo para me perguntar: será que me enganou? Verdade nua e crua é que não me lembro de nada.
O mafioso do Cancela não precisava de falar nos salpicões porque, esquecer-me da história (uma entre muitas do mesmo género que passaram por mim) é natural, agora se tivesse havido salpicões daqueles do cachaço, como uns que comi, há uns meses, em Boelhe, certamente que não me tinha esquecido. O Cancela pensa que sou como ele que, quando esteve em Mampatá, trocava latas de sardinha por cochas de cabrito.
Um grande abração
Carvalho de Mampatá
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