domingo, 7 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11356: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (31): 32.º episódio: Memórias avulsas (13): Como uma canção bem cantada pode ser uma dissuadora arma de guerra

1. O nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), em mensagem do dia 25 de Março de 2013, enviou-nos mais uma história para publicar na sua série "Os melhores 40 meses da minha vida".


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

GUINÉ 65/67 - MEMÓRIAS AVULSAS

13 - COMO UMA CANÇÃO BEM CANTADA POR QUEM SABE, PODE SER UMA DISSUADORA ARMA DE GUERRA

Íamos partir de Mansabá, para tomar posse do K3, que já estava quase concluído graças à CCAÇ 1421, se é que podemos dizer "concluído", ao facto de os abrigos estarem prontos pelos quatro cantos e onde coube toda a 1422.

Coluna organizada e à frente iria a Daimler, mais vulgarmente chamada "o piolho".
Tratava-se d'uma auto-metralhadora semi-blindada, que iria disparando para a mata, durante a progressão e mais própriamente junto aos locais onde já antes houveram existido emboscadas ou flagelações.

Tinha no exterior um morteiro 60 e um banco acoplados pela rapaziada engenhosa das "mecânicas auto" e lógicamente que era ali necessária, quando em viagem, a permanência dum elemento que soubesse trabalhar c'o canhão.

Auto Metralhadora Ligeira Daimler

Foto do nosso camarada Carlos Pinto, ex-1.º Cabo Condutor-Apontador Daimler do Pel Rec Daimler 2208


Tal como nos bailes onde se me atrasasse me saía a mais feia, também ali me calhou tal sorte. Encomendaram-me essa missão, mas compreendi, modéstia à parte... eu era o especialista... eu era o mais bom melhor, e já que ali teria de ir, sentado em poltrona d'aço verde, pelo menos seria o primeiro de duas coisas:

1ª - Ou a enfrentar o inimigo e levar um balázio nas trombas;
2ª - Ou no destino, receber as honras de primeiro a chegar.

Subi para o poiso, conjuntamente c'a minha Vat 69 a fim de ganhar embocadura para a viagem, aconcheguei-me emborcando antes, quase metade da dita cuja.

Passados que foram dois ou três quilómetros, começou-se-me a vir à memória a minha santa terrinha e o Conjunto musical "Sôr-Ritmo", pois então.
Tinham lá um vocalista fora de série, um tal de Veríssimo Ferreira, que encantava e deliciava as jovens d'então e também as suas próprias respectivas, mães.


E vai daí... atento venerador e obrigado a ir ali exposto e sem defesa possível, comecei a trautear, qual Chatotorix, uma coladera que aprendera a dançar há dias, no Pelundo, só que às tantas, entusiasmei-me, e lá foi em alta voz a "Nha Bolanha"*.

Avisado fui, ao que soube mais tarde, para me calar, mas com aquela barulheira de tantas viaturas, nada ouvi e fui bisando continuadamente, os versos que sabia.

Chegámos sem problemas, caso único e nunca mais repetido, mas ficou-me sempre a mágoa do não saber porquê de não nos honrarem com qualquer ataque, ou ao menos ter sido accionada uma minazita que fosse.

Seria porque me viram ali na frente e acagaçaram-se? Ou seria porque abominaram a minha voz?
Bom... apeámo-nos e lá fomos observar o hotel.

O abrigo que me fora destinada estava nos conformes. Descíamos quatro degraus, depois mais cinco para a esquerda e ali estava a suite. Embora não época das chuvas, o chão ladrilhado de terra encarniçada, tinha já dez ou mais centímetros d'agua, o que era porreiro mesmo e propício à propagação da matacanha, bichinho comichoso, como sabem.

Os locais para dormir eram dez, tantos quantos éramos, dispostos em cinco grupos, ou seja um por cima e outro por baixo. Fizeram-se as escolhas e a mim tocou-me o último em cima, mas com visibilidade para a seteira do abrigo o que era óptimo pois que assim até poderia reagir, deitado.

Ali mesmo ao lado, em baixo, ficava a vala que nos levava de gatas, ao local donde dispararíamos o morteirómetro se atacados, o que aconteceu logo nesse fim de tarde. Não havendo necessidade de fazer a cama que lençóis "cá tem" entretivémo-nos a tentar tapá-la com a lingerie possível a servir de mosquiteiro, que também "cá tem".

Depois, hora para o remanso, que aproveitei para procurar o bar. Bem no meio do aquartelamento, lá estava o malandro e também debaixo do chão e que surpresa foi verificar que nada faltava do que eu utilizava por questões medicinais.
Ele havia wisky's... tintos e brancos... cervejas... Gin... e coca-cola que na Metrópole estava proibida, e até frigorífico a petróleo, vejam bem !!!

Acalmei a sede, afinfei duas sandes de pão com pão e levei dez sagres de seis decilitros para os meus. Enquanto bebíamos cá fora chegaram as boas-vindas inimigas e lá se foi o jantar que por acaso nem havia sido confeccionado ou sequer planeado.

(continua)


Filme de autoria do nosso camarada Jorge Félix, ex-Alf Mil Pilav, tendo como tema musical "Nha Bolanha" 
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 24 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11306: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (30): 31.º episódio: Memórias avulsas (12): Acção psico-social

2 comentários:

Tony Borie disse...

Olá Veríssimo.
Saí pela manhã da Florida e vou a caminho de Pennsylvania, pois segundo consta, para aumentar ou diminuir o aquecimento ou o arrefecimento global, ninguém sabe, os meus descendentes vão brindar-me com mais um neto, que talvez, oxalá que sim, daqui a cinquenta anos, vai concerteza dizer que o avô e os seus amigos foram combatentes na Guiné!
Parei no estado de Virginia, para retemperar forças, dormir e talvez comer umas costeletas de porco, assadas com molho de mel, que estes "gajos", aqui na Virginia, descendentes de emigrantes germanicos, costumam fazer deliciosamente!.
Abri o computador e deparei com o teu texto, contando coisas de há cinquenta anos também, coisas que matavam, mas contadas a sorrir, com uma auto metralhadora, que dava tiros, pum pum, catrapum trás, trás, e depois uma garrafa de Vat 69, e umas suites debaixo da terra encarniçada com camas de dois andares e alguma água e lama!
Porra que até me arrepio, pois neste momento estou num hotel e ando sobre uma alcatifa por sinal muito fofa, mas continuando até falas em vinho, cerveja, e sandes de pão com pão, enfim, como um combatente jovem, era "feliz", e vem logo aquela música de "Nha bolanha", onde o "Frank Sinatra lá do sítio", interpreta deliciosamente, e já agora eu acrescento que podia ser dançada, SENTADO numa cadeira, que até podia ser feita de um barril de vinho vazio, com uma cerveja numa mão, uma garrafa de Vat 69 na outra e só os pés é que se movimentavam para a frente e para trás!
Continua a escrever e a lembrar aqueles lugares, e sempre com essa boa disposição, que é o que nós precisamos nesta nossa idade de ouro!
Um abraço, Tony Borie.

Anónimo disse...

Tony amigo. Primeiro que tudo que o teu novo neto esteja bem e desde já lhe desejo felicidades futuras e que tu vejas.Quanto ao resto, sabes como foi. Passámos por muita coisa má, mas estamos ainda por cá. O que vamos escrevendo, ajudará decerto a que outros possam compreender que foi dura a nossa missão obrigatória, mas cumprimos o nosso dever. Um abraço e bebe aí um tinto por mim e em honra do que nasceu.
De: Veríssimo Ferreira