terça-feira, 9 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11364: Bom ou mau tempo na bolanha (1): Uma foto que fala por si (Tony Borié)

1. Primeiro episódio da nova série do nosso camarada Tony Borié* (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), a que ele deu o título de Bom ou mau tempo na bolanha.



Nesta segunda série de textos, que se chamará “BOM OU MAU TEMPO NA BOLANHA”, será consoante os temas, se forem agradáveis “Bom Tempo..., e se não forem agradáveis, “Mau Tempo...!

Agora vou falar de temas do conflito que vivemos na Guiné e não só, pois às vezes também falarei de assuntos de hoje, embora relacionados com a nossa vivência na Guiné, em outras palavras estarei mais livre, podendo viajar do interior de uma bolanha, onde andei junto daquelas bajudas, que afinal eram guerrilheiras, atolado em lama até ao joelho, há cinquenta anos, para o dia de hoje, onde continuo atolado, neste mundo de consumo onde quase nada se faz, sem a ajuda de um computador.

Para começar, contando mais uma vez com a vossa compreensão para o título desta série, que não é lá muito sugestivo, mas foi o que o Cifra, depois de passar noites e noites acordado, caminhando de um lado para o outro, e num momento em que ouviu um som de chuva no telhado, veio à janela e viu mesmo que estava mau tempo, e então logo pensou, é isto mesmo, “Mau Tempo”. Ao outro dia indo a caminho do mar para mais um dia de pesca, passou por diversas terras alagadiças, parecendo tal qual as nossas conhecidas bolanhas da Guiné, tornou a pensar, está perfeito, “mau tempo na bolanha!”, portanto já sabem a origem do título.
Agora sim, vamos começar.



1 -  Mau tempo na bolanha

O Cifra tem esta foto, das poucas que conseguiu recuperar, e que lhe veio parar às mãos, em Mansoa, em 1964, pouco depois de lá chegar. Esta foto estava entre uns papeis, com uma cobertura em papel branco, que dizia “Olossato”, estava no edifício do comando do Agrupamento, que ainda estava em construção, portanto um pouco desarrumado.


Andou por lá algum tempo, e o Cifra, depois que presenciou a cena dos dois guerrilheiros mortos que sempre acreditou que foram queimados com gasolina e enterrados numa vala, andava revoltado com a situação e de uma vez, vendo lá o dossier “Olossato”, única e simplesmente tirou a foto do local e guardou-a. O Cifra acredita que foi tirada nas imediações de Olossato, talvez alguém da polícia do estado, ou alguém do Agrupamento 16 estacionado em Mansoa, que a tirou, alguém com graduação superior, que de vez enquando lá se deslocava para inspecção. Esta foto sempre lhe colocou muita interrogação, e os antigos combatentes, por favor percam uns segundos, analizem a foto e depois tentem compreendê-la, tem um homem africano, com farda, boina, possivelmente as mãos amarradas atrás nas costas, uma corda em volta de uma árvore, o seu rosto demonstra alguma aflição, na sua frente está o “típico” africano tradutor, com um cigarro dado pelo militar branco na orelha, e atrás de si pode ver-se um pouquinho da face de um homem branco sentado, que possívelmente será um polícia do estado, a tirar apontamentos, muitas crianças demonstrando interesse pela situação, algumas já crescidas e uma até usa uma boina militar, portanto já tinham algum fascínio pela farda, mas nenhuma mostra um simples sorriso, pelo contrário, os seus rostos estão sérios demonstrando preocupação. Um militar armado e outro com interesse na conversa entre, o talvez prisioneiro e o interrogador, não se vêm mais militares, que com toda a certeza estavam em redor, no local onde a pessoa tirou a foto.

O Cifra acredita que o mais provável, era ser um primeiro interrogatório, e na frente de todas aquelas crianças, que deviam de ter ficado traumatizadas com a violência daquela cena, e que no futuro, por mais “psico-social” que houvesse, com toda a certeza não iriam ser agricultores, artesões, alfaiates, carpinteiros ou saber assentar tijolos, mas sim, iriam ser guerrilheiros, ou militares, pois outro meio de vida com toda a certeza não iriam ter.

Este título, como já verificaram, seria “MAU TEMPO NA BOLANHA”.

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Nota do editor:

Vd. poste de 23 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)

1 comentário:

Luís Graça disse...

Parabéns pela nova série... Consciente ou inconscientemente, deves ter-te inspirado no título dessa obra prima da literatura açoriana e portuguesa que é o "Mau Tempo no Canal" (1944), do Vitorino Nemésio...

E começas bem, com uma foto sinistra, ao mesmo tempo fascinante e intrigante que permite todas as leituras e especulações... e que, de repente, me fez lembrar o filme de Antonioni, "Blow-up", de 1966...