1. Primeiro episódio da nova série do nosso camarada Tony Borié* (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), a que ele deu o título de Bom ou mau tempo na bolanha.
Nesta segunda série de textos, que se chamará “BOM OU MAU
TEMPO NA BOLANHA”, será consoante os temas, se forem agradáveis “Bom Tempo..., e se não forem agradáveis, “Mau
Tempo...!
Agora vou falar de temas do conflito que vivemos na Guiné e não só, pois
às vezes também falarei de assuntos de
hoje, embora relacionados com a nossa
vivência na Guiné, em outras palavras
estarei mais livre, podendo viajar do
interior de uma bolanha, onde andei junto
daquelas bajudas, que afinal eram
guerrilheiras, atolado em lama até ao
joelho, há cinquenta anos, para o dia de hoje, onde continuo
atolado, neste mundo de consumo onde quase nada se faz, sem a
ajuda de um computador.
Para começar, contando mais uma vez com a vossa
compreensão para o título desta série, que não é lá muito
sugestivo, mas foi o que o Cifra, depois de passar noites e
noites acordado, caminhando de um lado para o outro, e num
momento em que ouviu um som de chuva no telhado, veio à janela e
viu mesmo que estava mau tempo, e então logo pensou, é isto
mesmo, “Mau Tempo”. Ao outro dia indo a caminho do mar para mais um dia de pesca, passou por diversas terras alagadiças,
parecendo tal qual as nossas conhecidas bolanhas da Guiné,
tornou a pensar, está perfeito, “mau tempo na bolanha!”,
portanto já sabem a origem do título.
Agora sim, vamos começar.
1 - Mau tempo na bolanha
O Cifra tem esta foto, das poucas
que conseguiu recuperar, e que lhe veio parar às mãos, em
Mansoa, em 1964, pouco depois de lá chegar. Esta foto estava
entre uns papeis, com uma cobertura em papel branco, que dizia
“Olossato”,
estava no
edifício do
comando do
Agrupamento,
que ainda
estava em
construção,
portanto um
pouco
desarrumado.
Andou por lá
algum tempo,
e o Cifra,
depois que
presenciou a
cena dos
dois
guerrilheiros mortos que sempre acreditou que foram queimados
com gasolina e enterrados numa vala, andava revoltado com a
situação e de uma vez, vendo lá o dossier “Olossato”, única e
simplesmente tirou a foto do local e guardou-a. O Cifra
acredita que foi tirada nas imediações de Olossato, talvez
alguém da polícia do estado, ou alguém do Agrupamento 16 estacionado em Mansoa, que a tirou, alguém com graduação
superior, que de vez enquando lá se deslocava para inspecção. Esta foto sempre lhe colocou muita interrogação, e os antigos
combatentes, por favor percam uns segundos, analizem a foto e
depois tentem compreendê-la, tem um homem africano, com farda, boina, possivelmente as mãos amarradas atrás nas costas, uma
corda em volta de uma árvore, o seu rosto demonstra alguma
aflição, na sua frente está o “típico” africano tradutor, com um
cigarro dado pelo militar branco na orelha, e atrás de si pode
ver-se um pouquinho da face de um homem branco sentado, que
possívelmente será um polícia do estado, a tirar apontamentos,
muitas crianças demonstrando interesse pela situação, algumas já
crescidas e uma até usa uma boina militar, portanto já tinham
algum fascínio pela farda, mas nenhuma mostra um simples
sorriso, pelo contrário, os seus rostos estão sérios demonstrando
preocupação. Um militar armado e outro com interesse na conversa
entre, o talvez prisioneiro e o interrogador, não se vêm mais
militares, que com toda a certeza estavam em redor, no local
onde a pessoa tirou a foto.
O Cifra acredita que o mais provável, era ser um primeiro
interrogatório, e na frente de todas aquelas crianças, que
deviam de ter ficado traumatizadas com a violência daquela cena,
e que no futuro, por mais “psico-social” que houvesse, com toda
a certeza não iriam ser agricultores, artesões, alfaiates,
carpinteiros ou saber assentar tijolos, mas sim, iriam ser
guerrilheiros, ou militares, pois outro meio de vida com toda a
certeza não iriam ter.
Este título, como já verificaram, seria “MAU TEMPO NA BOLANHA”.
____________
Nota do editor:
Vd. poste de 23 DE MARÇO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11299: Do Ninho D'Águia até África (60): O regresso a Portugal (Tony Borié)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Parabéns pela nova série... Consciente ou inconscientemente, deves ter-te inspirado no título dessa obra prima da literatura açoriana e portuguesa que é o "Mau Tempo no Canal" (1944), do Vitorino Nemésio...
E começas bem, com uma foto sinistra, ao mesmo tempo fascinante e intrigante que permite todas as leituras e especulações... e que, de repente, me fez lembrar o filme de Antonioni, "Blow-up", de 1966...
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