Uma das belíssimas fotos da série temática "A Mulher, menina, bajuda de Bedanda", da autoria do nosso nosso camarada António Teixeira (ex-Alf Mil da CCAÇ 3459/BCAÇ 3863 - Teixeira Pinto, e CCAÇ 6 -Bedanda, 1971/73).
Foto: © António Teixeira (2011). Todos os direitos reservados
1. Seleção de comentários ao poste P11360 (*)
(i) Cherno Baldé
A sexualidade é, desde sempre, um tema sensível, em particular se tivermos em conta a carga moral ou moralista de cariz cultural ou religioso que o acompanha nas nossas sociedades.
Falando de relações sexuais entre a tropa e as nossas mulheres (locais) que não podem ser confundidas com prostituição, sendo esta uma dimensão distinta dentro do mesmo e grande campo sociológico, a minha opinião é que no decurso da guerra e em função do aumento do numero do contigente militar no TO, da fixação mais prolongada, da diminuição da frequencia das operações e saidas ao mato em determinados sitios, da aclimatização e perda relativa do medo da diferença e do outro, do estranho, etc..etc, terá havido maiores espaços sociais de convivialidade e de aproximação entre as partes que, por sua vez, favoreceram e facilitaram as relações de intimidade.
No caso concreto de Fajonquito, uma tabanca grande para a época que recebera numerosas familias fugidas da guerra a volta e habitada por uma população Fula e Mandinga, coexistiram lado a lado uma espécie de prostituição semi-profissional, protagonizada por algumas mulheres viuvas ou solteiras sem esperanças de voltar a casar, quase sempre de outras etnias não muçulmanas e que, por isso, eram imunes a pressão comunitária local. Mas, também, algumas bajudas Fulas cairam no charme dos jovens brancos e pasmem-se, era por amor, pela curiosidade e gosto da aventura ou simplesmente por violação as vezes consentida e fraqueza pessoal ou humana.
Os casos da prostituição eram bem controlados porque eram feitos por profissionais do sexo que não raras vezes alugavam os serviços de pessoas terceiras dentro de um grande sigilo profissional.
Paradoxalmente, a maior parte dos filhos "mestiços" que resultaram dessas relações fortuitas aconteceu com as nossas bajudas Fulas ainda jovens e inexperientes, quase crianças sem contar com os casos de aborto ou de infanticídio.
Os primeiros casos conhecidos e que resultaram em filhos de carne, osso e cabelos ondulados ou de capim seco, são de meados de 1969, mas a maior parte aconteceu depois de 1970 tempo que coincide com as duas últimas companhias.
Conheci muita bajuda fula ingenua e doidamente apaixonada por soldados metropolitanos, mas infelizmente, parece que não havia recíprocidade de sentimentos. Aos soldados apeteciam-lhes fazer sexo e descarregar suas baterias com as nativas e mais nada, pois a mentalidade colonial de superioridade racial debaixo dos seus camuflados não lhes permitia ter outra forma de ver as coisas e de se relacionar com o nativo, "indígena" logo inferior.
É evidente que hoje, todos nós temos uma forma diferente de ver as coisas e de justificá-las.
(ii) José Teixeira:
Obrigado Cherno pelo ponto de vista que expressas e que é o resultado de uma visão atenta dos acontecimentos in loco.
Tu, melhor que qualquer um de nós podes explicar bem este fenómeno. Creio que na realidade a visão ou concepção de ser "superior" do militar branco só em poucos casos lhe permitia um apaixonamento real, mas da outra parte também se colocavam reservas a meu ver naturais, porquanto um militar branco não ficaria na Guiné, após a passagem à "peluda".
Muitos de nós tínhamos assumido compromissos de namoro, noivado e casamento em Portugal.
No entanto conheci camaradas que se apaixonaram por jovens africanas e não eram correspondidos, pois já estavam prometidas em casamento na maior parte dos casos. Também conheci jovens africanas apaixonadas por camaradas meus.
Eu ainda hoje trago na mente a imagem da minha lavadeira, como a mais linda mulher que conheci, a qual estava prometida a um filho do chefe de tabanca, pelo que se distanciava de nós. Nas vezes que voltei à Guiné, tive a oportunidade e a alegria de me reencontrar e conviver com ela e com o marido
As intimidades partilhadas, eram em muitos casos resultantes de um aproveitamento por parte do militar branco do seu poder económico e o poder das armas, aliados às necessidades hormonais como diz o C. Martins, de uma juventude afastada do seu modus vivendi.
(iii) Cherno Baldé:
A minha visão deste fenómeno em particular não pretende ser completa, nem neutra e muito menos deve ser vista como imparcial, é simplesmente uma opinião de quem (con)viveu a época com as suas naturais limitações de análise, viu e sofreu juntamente com os seus irmãos "mulatos" as difíceis experiências e as mil e uma interrogações sem respostas de crianças que estavam a crescer num mundo que à partida não devia ser deles e eram tratados em conformidade.
Acontece que o fenómeno dos filhos mestiços entre nós não era de todo inédito, pois já os comerciantes lusos, em tempos anteriores, tinham feito filhos num contexto diferente e com comportamentos diferentes.
Os da primeira vaga (comerciantes) eram mais responsáveis e assumiam sempre a sua progenitura, muitos dos quais eram enviados para estudar em colégios na metrópole e não havia problemas de maior.
Os filhos da tropa, abandonados, quase todos, viraram brancos "mpelelé" no período após independência.
As promessas de casamento entre familias eram de facto uma realidade, particularmente no seio dos grupos islamizados, mas também não se pode apresentar nenhum caso em que um soldado "tuga" fosse apresentar-se aos pais de uma bajuda com uma proposta séria de casamento, nenhum.
Posso garantir-vos que a maior parte das mulheres casadas com soldados nativos ou milicias daquela época já estavam prometidas a outras familias ou pessoas, mas sempre que foram colocadas perante factos reais (por força do estatuto militar, capacidade financeira ou decisão firme das filhas e pretendentes), os anciões guineenses souberam sempre decidir pela razão, pela bondade e bom senso que caracteriza a mentalidade primitiva dos africanos da época.
Reconheço e aceito o meu etnocentrismo, obrigado e mais não digo,
Acontece que o fenómeno dos filhos mestiços entre nós não era de todo inédito, pois já os comerciantes lusos, em tempos anteriores, tinham feito filhos num contexto diferente e com comportamentos diferentes.
Os da primeira vaga (comerciantes) eram mais responsáveis e assumiam sempre a sua progenitura, muitos dos quais eram enviados para estudar em colégios na metrópole e não havia problemas de maior.
Os filhos da tropa, abandonados, quase todos, viraram brancos "mpelelé" no período após independência.
As promessas de casamento entre familias eram de facto uma realidade, particularmente no seio dos grupos islamizados, mas também não se pode apresentar nenhum caso em que um soldado "tuga" fosse apresentar-se aos pais de uma bajuda com uma proposta séria de casamento, nenhum.
Posso garantir-vos que a maior parte das mulheres casadas com soldados nativos ou milicias daquela época já estavam prometidas a outras familias ou pessoas, mas sempre que foram colocadas perante factos reais (por força do estatuto militar, capacidade financeira ou decisão firme das filhas e pretendentes), os anciões guineenses souberam sempre decidir pela razão, pela bondade e bom senso que caracteriza a mentalidade primitiva dos africanos da época.
Reconheço e aceito o meu etnocentrismo, obrigado e mais não digo,
PS - E, por sinal, são estes filhos de comerciantes lusos, caboverdianos e sãotomenses que, mais tarde, bem instruídos e conhecedores do mundo e da realidade portuguesa, vão formar a nata da elite politica que vai reivindicar o direito a emancipacao e a independência dos territórios do ultramar.
(iv) Antº Rosinha
Não se deve confundir uma simples queca de um soldado ou de qualquer jovem numa breve passagem (2 anos) pela África colonial, com o fenómeno da mestiçagem luso-africana ou luso-brasileira.
Toda a secular colonização portuguesa foi baseada num ambiente mestiço.
Os últimos anos (13) de guerra do Ultramar colonial, que representam o fim do império, não são representativos do ambiente colonial.
O ambiente mestiço das colónias portuguesas (antes da guerra) era muito respeitável, e foi pena que se extinguiu ou esteja em vias de extinção porque era um modelo digno de ser preservado e imitado.
O PAIGC guineense eliminou esse ambiente mestiço com o 14 de Novembro de 1980.
Penso que se está mantendo e desenvolvendo esse fenómeno em São Tomé, Caboverde e Portugal.
O "bulyling" sobre estudantes mestiços no liceu de Bissau, após o 14 de Novembro era perigoso e muito difícil.
Colega meu sãotomense teve que reenviar os filhos para Portugal, nesses tempos.
Pessoalmente penso que era naquele bem-estar mestiço que sonhavam os fundadores do MPLA. PAIGC e FRELIMO, quando resolveram partir para a independência.
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 8 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)
6 comentários:
Não vou falar própriamente sobre os favores sexuais entre militares e as bajudas, mas sim, sobre a tradição da cultura islamica, neste caso dos Fulas.
Um dia fui dar uma volta pelos redores da Vila de Nova Lamego, quando dei por um aglumerado de gente em redor de um homem que tinha algo nos seus ombros embrulhado num lençol branco, e eu com a minha curiosidade, consegui me aproximar e espreitar por baixo do lençol, e o que vi, foi uma coisa linda, uma linda bajuda de 13 anos toda nua. A partir daí a minha curiosidade ainda aumentou mais e fiquei ali a tentar perceber o que se passava, até que consegui entender. O homem era o tio da bajuda e estva a fazer um leilão a ver quem dava mais pela bajuda, e pelo que acabei por saber que tinha sido vendida por uma vaca, um saco de arroz, um saco de sal e mais qualquer coisa que não me recordo o quê. Mais tarde vim a saber que um Alferes tinha também comprado uma bajuda para que fosse a sua criada para todo o serviço enquanto lá esteve, entregando-a de novo aos pais quando regressou à Metrópole. Tudo isto fez-me lembrar um filme que tinha visto anos atrás, e que se chamava "As escravas ainda existem" e outro filme "Mundo Cão". Eu sei que este meu comentário vai ferir as sensibilidades de muita gente mas é a realidade, pelo menos quando eu lá estive, 1969/1971. Tino Neves
Também me contaram que lá no Gabu havia um Régulo que tinha 60 mulheres, (acho um exagero mas foi mesmo 60 que me contaram)e que um ano resolveu ser nesse ano que iria pela primeira vez a MECA rezar e adorar a pedra negra CAABA. E assim foi, e levou consigo 6 (seis) mulheres, mas à partida houve alguém que lhe perguntou para quê levar 6 mulheres, não lhe chegava uma apenas? E recebeu como resposta, que depois teria que vender as mulheres para pagar a passagem de regresso. Será verdade, esta Estoria não é minha, contaram-me. Eu penso ter sido verdade, pois desde que se tenha dinheiro e muitas vacas, poder-se-á comprar as mulheres que se queira, daí... Tirem as vossas conclusões. Tino Neves
Acho que anda alguma confusão nas estorias do Tino Neves.E em princípio não têm muito a haver com o tema de "sexo entre população e militares".Também acho que se pinta muita coisa que não são bem verdade e já na época e ainda estávamos na formação de batalhões e já alguns dos nossos formadores faziam "propaganda" desses pseudo favores sexuais. Nos dois anos que estive na Guiné nada correspondia ao que se "pintava"mesmo na treta da compra das Bajudas com arroz ,ou massa... Agora entre a sua organização familiar e em determinadas Etnias os seus costumes e cultura permitiam a "compra"de suas esposas. Mas atenção que na cultura Europeia e cá em Portugal tambem se "compravam" noivos ou noivas através do Dote anunciado pelos pais da noiva ou noivo.Mas isso nos levaria a outras questões, pois que acredito que nos nossos dias ainda há muita "venda"encapotada de casamentos de conveniência.
Bom foi uma tentativa minha de comentar este assunto.
Henrique Cerqueira
Caro amigo Tino,
Gostaria imenso de conceder um benefício de dúvida ao conteúdo do teu comentário, partindo do principio de que ninguém pode ter a pretensão de saber tudo na vida, mas tendo em conta que o Senhor, na altura, nem sequer conseguia distinguir um Bijagó de um Fula, não sei se valerá a pena discutir contigo sobre os outros aspectos, bem mais complexos e subtís, de etnicidade e cultura dos povos da Guiné.
Por outro lado, acho que não precisava dizer-te que o sentido crítico que Deus distribuiu a cada um de nós serve, precisamente, para não acreditarmos em todas as tretas que nos contam por ai.
Sem mais, aceite um abraço amigo,
Cherno Baldé
PS: Muito obrigado pelas fotos de Fajonquito que, em tempos, nos enviou através do Blogue.
Um poste muito explicativo,embora fiquei balanceada com os comentarios.
Caro amigo Cherno Baldé, Henrique Cerqueira e restantes camaradas.
Como inicialmente tinha dito, o que iria comentar não seria própriamente sobre o tema "favores sexuais", mas também se enquadra um pouco no tema.
Amigo Cherno Baldé, queira-me desculpar, mas não era minha intenção ofender seja quem for, muito menos os guineenses e em especial os fulas, etnia de quem eu gosto muito, pois era o povo onde eu estava inserido.
A minha intenção foi contar o que se contava sobre o assunto, mas no caso da bajuda de 13 anos, passou-se na minha presença e foi o que entendi e me explicaram alguns guineenses que lá estavam.
Possivelmente quem a comprou não a levou para casa, e se a levou julgo que ficaria à espera que a bajuda atingi-se idade para ter sexo, com o marido, (julgo eu) e aquilo tenha sido simplesmente um ritual da cultura dessa ou outras etnias.
Mais uma vez lhe pesso imensa desculpa, mas adoro o Povo da Guiné, e quando me abeiro de alguém que me pareça ser guineense, arranjo logo meio de o contactar e falar-mos sobre a Guiné.
A amizade com esse povo já me está no sangue.
Abraços
Tino Neves
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