Luís.
Espero que já tenhas descansado um pouco [, da estadia em Luanda]-.
Se vires que este texto tem interesse para alimentar a "fogueira" podes colocá-lo no blogue. Abraço fraterno do Zé Teixeira
2. Creio que o tema "Filhos do Vento", trazido à ribalta pela [ jornalista do Público,] Catarina Gomes , deve ser analisado sem paixões, complexos ou sentimentos de culpa. Foi e é uma realidade à qual não devemos fugir.
Na pretensão de contribuir para a discussão fui ao "meu Diário" buscar mais uma acha para a fogueira. Vejamos o que eu escrevi em 21 de Novembro de 1968
Novembro 69, Empada 21
É uma família muito simpática. Ela Bijagó, ele Cabo Verdiano. Têm quatro filhos; Marcos, Lucas, Júlia e Victória. Muito trabalhadores aproveitam o terreno cultivável, na impossibilidade de se dedicarem à pesca, a sua profissão, por medo da guerra. A Júlia está muito marcada pelo ambiente militar que a rodeia, tem até um filho de branco e creio que foi prostituta em tempos em Bissau. Tem três filhos, todos de tenra idade e é uma tentação cá para a malta. A sua liberdade de linguagem é um dos factores para qualquer homem se sinta tentado a persegui-la e receber as benesses, por troca de umas moedas. A Victória, essa tem porte digno, alguns de nós já se lançaram ao engate, mas ela troca-lhe as voltas.
Até há pouco tempo, toda esta gente, três homens três mulheres e três crianças dormiam no mesmo compartimento da morança., Com os ataques seguidos de há dias, o medo aumentou, o que se compreende, pois na mesma noite tiveram de pegar por duas vezes nas crianças e fugir para o abrigo rasgado na terra e coberto com "cibos", tendo caído duas granadas muito perto da sua casa
Na luta pela sobrevivência, decidiram passar a dormir no minúsculo abrigo, pondo lá dois pequenos colchões, tendo como companheiros lagartos, formigas cobras, etc. Os dois velhos da família, por falta de lugar no abrigo, continuam a dormir na morança.
Um clima muito quente e húmido, a terra é muito húmida, uma pequena abertura para entrar, a enorme quantidade de bichos, a urina das crianças, o suor dos corpos . São estas as condições desta família. Quantas famílias, quantas Júlias, haverá por esta terra !?
O "puto", filho de branco, chamava-se Mário. Era fruto de uma relação que a mãe manteve em Bissau com um fuzileiro. A comissão deste acabou, ele voltou a Portugal e ela ficou com um filho nos braços. Os outros dois negros, filhos de pai africano que não vivia em Empada. A família aceitou de novo a Júlia e deu-lhe o apoio e estímulo para educar o seu filho de cabelo louro.
Em Bissau era comum os militares, pelo menos conheci dois casos, "juntarem-se" com uma mulher africana e viverem com ela durante a comissão. Depois, quando a Comissão acabava, acabava a "romaria", com os eventuais resultados de uma relação natural de dois seres que viviam acasalados. Num dos casos conhecidos, uns anos depois, a ex-companheira bateu-lhe à porta, estando ele casado com a mulher que à data era a sua namorada e tendo dois filhos desta. Não sei o que resultou deste encontro, mas abalou profundamente a vida do casal.
Mas não precisamos de ir à Guiné, buscar casos de pais que não assumem os seus atos. Temos tantas situações idênticas em Portugal.
Temos os "filhos da borda". Assim eram conhecidos, na minha aldeia, os filhos de mães solteiras, na minha infância. Referenciavam-se assim as crianças que não foram gerados no leito sagrado do casal mas em qualquer borda de um campo de milho
Conheci um "pai" que envergonhadamente acompanhava de perto o seu "filho da borda", sem ter a coragem de se afirmar e identificar como pai. Teve, sim, o cuidado de casar rapidamente com a outra namorada para tentar encobrir e negar a paternidade, só que o "puto" era a sua cara chapada.
Nos últimos anos de vida num rebate de consciência para alcançar o "céu", informou a família que ia perfilhar o bastardo, felizmente bem colocado na vida. Como resposta , a mulher ameaçou sair de casa e os filhos logo lhe disseram que o abandonavam. Morreu pouco depois com esta espinha enterrada na garganta.
Isto passava-se cá em Portugal.
Casos como o da Júlia, creio que houve muitos. Era uma relação a dois consentida, que deram como resultado, tanta criança sem pai. Nestes casos creio que devia ter havido algum cuidado por parte das autoridades militares, o que não aconteceu.
Quanto ao assumir da paternidade, é uma questão de consciência do presumível pai, que duvido venha a dar frutos, não só pelo tempo que já passou, mas também pelos eventuais conflitos que iriam gerar na família constituída. Nos dois casos que conheço ambos recusam assumir a paternidade: num dos casos alega que a jovem andava também com outros militares.
Que fazer então?
Não se perde nada em continuar a explorar esta temática de forma cuidada para não ferir, pelo contrário, pode "abrir" consciências e ajudar a encontrar algumas soluções para estes "gritos" de quem se sente "filho de ninguém".
Zé Teixeira
________________Em Bissau era comum os militares, pelo menos conheci dois casos, "juntarem-se" com uma mulher africana e viverem com ela durante a comissão. Depois, quando a Comissão acabava, acabava a "romaria", com os eventuais resultados de uma relação natural de dois seres que viviam acasalados. Num dos casos conhecidos, uns anos depois, a ex-companheira bateu-lhe à porta, estando ele casado com a mulher que à data era a sua namorada e tendo dois filhos desta. Não sei o que resultou deste encontro, mas abalou profundamente a vida do casal.
Mas não precisamos de ir à Guiné, buscar casos de pais que não assumem os seus atos. Temos tantas situações idênticas em Portugal.
Temos os "filhos da borda". Assim eram conhecidos, na minha aldeia, os filhos de mães solteiras, na minha infância. Referenciavam-se assim as crianças que não foram gerados no leito sagrado do casal mas em qualquer borda de um campo de milho
Conheci um "pai" que envergonhadamente acompanhava de perto o seu "filho da borda", sem ter a coragem de se afirmar e identificar como pai. Teve, sim, o cuidado de casar rapidamente com a outra namorada para tentar encobrir e negar a paternidade, só que o "puto" era a sua cara chapada.
Nos últimos anos de vida num rebate de consciência para alcançar o "céu", informou a família que ia perfilhar o bastardo, felizmente bem colocado na vida. Como resposta , a mulher ameaçou sair de casa e os filhos logo lhe disseram que o abandonavam. Morreu pouco depois com esta espinha enterrada na garganta.
Isto passava-se cá em Portugal.
Casos como o da Júlia, creio que houve muitos. Era uma relação a dois consentida, que deram como resultado, tanta criança sem pai. Nestes casos creio que devia ter havido algum cuidado por parte das autoridades militares, o que não aconteceu.
Quanto ao assumir da paternidade, é uma questão de consciência do presumível pai, que duvido venha a dar frutos, não só pelo tempo que já passou, mas também pelos eventuais conflitos que iriam gerar na família constituída. Nos dois casos que conheço ambos recusam assumir a paternidade: num dos casos alega que a jovem andava também com outros militares.
Que fazer então?
Não se perde nada em continuar a explorar esta temática de forma cuidada para não ferir, pelo contrário, pode "abrir" consciências e ajudar a encontrar algumas soluções para estes "gritos" de quem se sente "filho de ninguém".
Zé Teixeira
Nota do editor:
Último poste da série > 24 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11867: Filhos do vento (17): Comentário: "Não quero nada dele, [do meu pai], apenas o nome" (José Teixeira)
6 comentários:
Olá Camarada
Esta achega é muito pertinente.
Independentemente de outras considerações é necessário que aceitemos as condições em que tudo sucedeu ou sucedia.
Claro que assiste a cada filho(a) o direito de conhecer o pai e a mãe (elas também fugiam, fogem e continuarão a fugir), mas não se poderá ir muito além disso...
O uso fraudulento de um "erro" dos pais é abuso...
Fiquemos por aqui!
Um Ab.
António J. P. Costa
Zé:
Não conhecia a expressão "filhos da borda"... que é sugestiva, mas também ela preconceituosa e discriminatória, tal como "filhos do vento"...
Em Trás-os-Montes, usa-se o termo "zorro", para o bastardo, o filho natural, nascido for ado casamento e enjeitado... Como sabes, com a entrada em vigor da Constituição da República Portuguesa, deixou de haver a figura jurídica do "filho ilegítimo"...
De qualquer modo, sempre fomos um país com uma elevada taxa de "filhos naturais" ou "ilegítimos"...
Vê aqui um estudo de caso numa aldeia transmontana:
http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223553154U7bBO1uz3Vf41MN2.pdf
Um abraço. Luis Graça
Em relação à "borda"...
Certa vês um mancebo foi-se confessar.
O padre perguntou-lhe?- Meu filho por acaso já fizeste algo de imoral com a tua namorada ???
Responde o mancebo:- Não Sr.padre eu apenas andei pelas bordas.
O padre:Isso é pecado porque pelas bordas ou por dentro é igual!Vais rezar 30 avé-marias e pôr 50€ na caixa das esmolas.
Passadas as rezas o mancebo foi para a caixa das esmolas e pecou em 50 € e começou andar com a nota pelas bordas da ranhura da caixa.
O padre ao saír do confessionário repara na acção do mancebo e questiona-o sobre o que está a fazer.Este responde:-Então Sr.Padre se pelas bordas e por dentro é a mesma coisa,eu estou a passar os 50€ pelas ditas e assim estamos quites ,ou não?
Pois cá em Portugal haviam muitas meninas que engravidavam pelas "bordas"e outras a tomar banho na banheira.
Por isso na minha zona haviam os casamentos das "bordas"e as"banhadas".
Um bom dia e deixem passar a banda...
Henrique Cerqueira
Portugal sempre foi um país com elevada taxa de filhos nascidos fora do casamento... Em 1960, creio que tínhamos na Europa a 3ª maior taxa... Em 2012, são quase 46%!
Estes números têm várias leituras... A tendência, hoje, é cada vez mais para nascer-se fora do casamento, em uniões de facto ou de relações transitórias... É também impressionante a queda da fecundidade... Chamem-lhe o que quiserem: "modernidade", "pós-modernidade"... O casamento e a família, tal como os conhececemos, até há 40, 50, 60, 70 anos... já não existem. LG
_____________
Nados-vivos de mães residentes em Portugal: total e fora do casamento - Portugal
Nados-vivos
Anos Total Fora do casamento
1960 213.895 20.221
1970 180.690 13.042
1980 158.309 14.558
1990 116.321 17.095
2000 120.008 26.642
2001 112.774 26.814
2002 114.383 29.117
2003 112.515 30.236
2004 109.298 31.766
2005 109.399 33.633
2006 105.449 33.331
2007 102.492 34.443
2008 104.594 37.854
2009 99.491 37.928
2010 101.381 41.844
2011 96.856 41.489
2012 89.841 40.950
Fontes/Entidades: INE, PORDATA
Última actualização: 2013-04-30
http://www.pordata.pt/Portugal/Nados+vivos+de+maes+residentes+em+Portugal+total+e+fora+do+casamento-14
Veja-se também a evolução do casamento não católico: era menos de 10% em 1960; é hoje superior a 60%... LG
____________________
Casamentos não católicos entre pessoas do sexo oposto (%) em Portugal
Proporção - %
Anos % casamentos não católicos
1960 9,2
1970 13,4
1980 25,4
1990 27,5
2000 35,2
2001 37,5
2002 37,5
2003 40,4
2004 42,9
2005 44,9
2006 47,9
2007 52,6
2008 55,5
2009 56,8
2010 57,9
2011 60,5
2012 62,0
Fontes/Entidades: INE, PORDATA
Última actualização: 2013-05-03
http://www.pordata.pt/Portugal/Casamentos+nao+catolicos+entre+pessoas+do+sexo+oposto+(percentagem)-420
Uma realidade,os filhos fora do casamento,diferente dos filhos sem nome do pai. Às vezes oiço dizer que
já não existem filhos de pai incógnito.Claro que existem e são muitos...O que a nossa Constituição não permite é o uso de "designações discriminatórias relativas á filiação"-artº36,nº4.Ainda conheci
pessoas com o apelido Exposto.Tinham sido, em bébés,abandonados nas rodas,que existiam,para esse efeito, nos conventos.Conheço duas,a de Odivelas e a de Évora.
Abraço.
J.Cabral
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