segunda-feira, 29 de julho de 2013

Guiné 63/74 - P11880: Notas de leitura (506): A imprensa esquerdista e a luta anticolonial: A Guiné (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Abril de 2013:

Queridos amigos,
Temos aqui o vastíssimo repertório da imprensa clandestina oriunda da esquerda radical.Estudantes, desertores, refratários, católicos progressistas, exilados mais antigos, entre outros, deixaram um legado com várias variedades ideológicas onde avultaram o maoismo, o trotskismo, o marxismo-leninista dissidente do PCP. Predominaram o MRPP, o PCP (ML), os dissidentes do PCP.

Um dos olhares que esta imprensa oferece tem a ver com a luta anticolonial onde facilmente se percebe o charme de Cabral e a forte atração do seu ideário revolucionário. Mas também é possível analisar-se estes universos ideológicos, ver os nomes de antanho e conferir os postos que eles atualmente ocupam…

Um abraço do
Mário


A imprensa esquerdista e a luta anticolonial: A Guiné

Beja Santos

“As armas de papel”, por José Pacheco Pereira (Círculo de Leitores e Temas e Debates, 2013) é um rigoroso e importantíssimo inventário da imprensa clandestina e do exílio ligada a movimentos radicais de esquerda cultural e política (1963-1974). Trata-se de um segmento muito importante de imprensa da responsabilidade da extrema-esquerda e neste estudo aparecem 158 títulos ligados a organizações de esquerda radical. 

Como escreve o autor, “A classificação de ilegal e clandestina não oferece dúvidas para a maioria da imprensa publicada no interior de Portugal, mas é igualmente válida para certas publicações produzidas ora do país. Classificaram-se como clandestinas todas as publicações realizadas fora de Portugal que não seguiam as regras legais para a sua publicação no respetivo país”

O conjunto da imprensa em análise foi organizado nas seguintes tipologias: órgãos oficiais de organizações; publicações também oficiais, mas de índole interna, de organizações políticas; órgãos temáticos de organizações ligados a uma questão única (é o caso do colonialismo); órgãos oficiais de organizações frentistas; jornais de causas (é o caso da luta anticolonial); jornais de “massas”, cuja ligação a organizações políticas é de um modo geral não enunciada explicitamente; órgãos de associações que exprimem a posição de organizações políticas que eram maioritárias no seu seio; órgãos semilegais publicados no âmbito do movimento estudantil, órgãos de “orientação” no movimento associativo operário e estudantil; órgãos de grupos cujo elo de ligação é a própria publicação e que não têm qualquer organização para além da sua produção e distribuição; publicações de grupos ad hoc de carácter cultural contestatário.

Predomina, na sua generalidade, o modelo leninista, estas organizações, a despeito de todas as divergências que eram conhecidas (maoistas, trotskistas, marxistas-leninistas e antirrevisionistas…), apresentavam-se contra o colonialismo, algumas apelavam declaradamente à deserção, outras à convergência políticas dos desertores do exílio. Como é igualmente sabido, muitos dos colaboradores destas publicações vieram, depois do 25 de Abril, a ter um papel central nas universidades, na renovação dos estudos históricos e da filosofia, outros vieram a militar em partidos políticos, fundaram editoras, aparecem hoje à frente de diferentes causas. O auge desta imprensa situa-se particularmente nos de 1972 e 1973 (convém recordar que 1974 ficou reduzido ao primeiro quadrimestre). Tem o maior interesse o estudo feito às tecnologias da imprensa clandestina, caso dos duplicadores, mimeógrafos, tipografias, grafismo e iconografias utilizadas.

Passa-se agora em revista algumas dessas publicações quanto à luta anticolonial. 

  • “Ação Comunista” era um órgão da corrente trotskista e afirmava-se lutar pelo “transcrescimento proletário e socialista da revolução em Angola, Guiné-Cabo Verde e Moçambique”
  • de igual modo, “Ação Popular”, dirigido por dissidentes do PCP tinha o noticiário centrado na situação internacional, na guerra do Vietnam e na luta das colónias portuguesas; 
  • “Alavanca” era publicada em França por elementos da LUAR, incluía no seu objetivo informar sobre as lutas do povo português e as lutas de libertação nacional dos povos das colónias; 
  • “Anticolonialismo” era publicado em Londres para ser distribuído no interior do país por um “Grupo Anticolonialismo”, os seus fundadores eram militantes estudantis portugueses no estrangeiro, Basil Davidson era um colaborador do jornal, importa realçar que em finais de 1971, Pedro George, representado o Anticolonialismo, e Medeiros Ferreira, a Polémica, fazem em Londres uma entrevista comum a Amílcar Cabral, publicada no segundo número da revista, trata-se de uma importante entrevista, Cabral mostra abertura e vontade de negociação com o governo português, a publicação divulgava os endereços de várias organizações de desertores na Europa, mormente radicados na Suécia; 
  • “O Anti-Colonialista” foi uma publicação clandestina mimeografada produzida no interior do país, era o jornal da organização anticolonial do MRPP, MPAC; 
  • “BAC”, boletim anticolonial era editado por um grupo de católicos progressistas, caso de Nuno Teotónio Pereira, Luís Moita e padre José de Sousa Monteiro, o grupo pretendia “desenvolver atividade anticolonial” na clandestinidade, graças à cumplicidade do padre Ismael Nabais Gonçalves usava um copiógrafo da paróquia da freguesia da Igreja Nova, em Mafra, a rede de informação nacional incluía o escritor Nuno Bragança, que trabalhava no Ministério dos Negócios Estrangeiros e que dava conhecimento de uma série de documentos confidenciais sobre a guerra colonial, algum desse material foi por ele ficcionado no romance Square Tolstoi (1961); 
  • o boletim “CLAC Ho Chi Minh” afirmava-se contra a guerra colonial imperialista, aparece insistentemente associado à Guiné-Bissau referindo os nomes de Amílcar Cabral e Domingos Ramos;
  • a favor da luta do povo português contra a guerra colonial era também o “Bulletin du Comité de Soutien aux Déserteurs et Réfractaires Portugais”, ligado ao PCP (ML);
  • “Contra a Guerra Colonial” era outra publicação clandestina associada ao MRPP, o seu conteúdo era de pura agitação anticolonial:
  • “Guerra à Guerra” era bilingue (português e inglês), estava ligado ao Comité de Desertores Portugueses, o responsável era Fernando Cardeira; 
  • “Luta” era um boletim legal publicado em Paris, sob a direção de Pierre Sorlin, sociólogo, estava dirigido aos desertores portugueses em França; 
  • “Os Povos em Armas” era o boletim informativo anticolonial do comité de 4 de Fevereiro… a lista destas publicações é enorme. 

Folheando-as, fica-se com a ideia de que os seus autores conheciam melhor o que se passava na Guiné do que em Angola e Moçambique. A razão será simples: PAIGC Actualités, redigido em Conacri, e até 1971 sob a direção do próprio Cabral, era largamente difundido junto dos comités de desertores e outros grupos oposicionistas, Cabral quando vinha à Europa fazia questão de se relacionar com estes diferentes grupos. 

Não é por acaso que o seu assassinato teve ampla repercussão nesta imprensa clandestina. Ficou dito atrás que a revista Polémica colaborou numa entrevista a Amílcar Cabral em 1971, de colaboração com Anticolonialismo. Medeiros Ferreira foi o entrevistador e considerou-o um momento alto da sua participação na Polémica. Na entrevista, Amílcar Cabral afirmava: 

"Se porventura em Portugal houvesse um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal, mas também o nosso, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência. Mas em pé de absoluta igualdade. Quer dizer, se o presidente da república pudesse ser quer de Cabo Verde, da Guiné, como de Portugal; se todas as funções estatais, administrativas, etc, fossem igualmente possíveis para toda a gente, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência, porque já seríamos independentes, num quadro humano muito mais largo e talvez muito mais eficaz do ponto de vista da História".

“As Armas de Papel” esclarecem quem era quem na imprensa clandestina oriunda da extrema-esquerda. Estão por ali vários propósitos, mas uma das principais transversalidades era a luta anticolonial onde a Guiné tinha tratamento preferencial, sabe-se lá se pela capacidade de comunicar os termos da própria luta, sabe-se lá se pela própria sedução do seu líder revolucionário.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11872: Notas de leitura (505): "Coisas de África e a Senhora da Veiga" por José Pais (2) (Mário Beja Santos)

4 comentários:

JD disse...

Camaradas,
A citação da entrevista a Cabaral diz muito sobre a persistência da guerra. Ressalvo, no entanto, que os diferentes níveis de evolução económico-social podem estar na base do abrandamento da luta em Angola (por absorção de mão de obra e consequente integração), omde os guerrilheiros não mostraram capacidade reactiva às pesadas derrotas infligidas pelas NT.
JD

Antº Rosinha disse...

Tanto a imprensa escrita como radiofónica anticolonial eram mais lidas e ouvidas e procuradas do que o pouco que Salazar mandava apregoar.

Todas as capitais à volta do mundo, desde Madrid até à Voz da América tinham horários radiofónicos próprios para Portugal, África e para o Brasil em Português, com propaganda anti-salazarista e anticolonial.

Mas tudo o que Amilcar escreveu e disse foi melhor assimilado pelo "tuga"do que pelo "turra".

Ainda hoje, isso acontece.

Pode ser que Beja Santos nos traga pacientemente, os mil respigos das verdades de Amilcar em que nós acreditamos.




Anónimo disse...

Madrid?

Antº Rosinha disse...

Madrid?
Se o Anónimo se lembrar, Portugal estava mesmo "só", como dizia orgulhosamente Salazar.

A Madrid de Franco, como o nosso irmão Brasil, e o nosso vizinho África do Sul, na hora de votarem as condenações coloniais lusas na ONU, propostas pelo mundo comunista e não alinhados, apenas envergonhados se abstinham, raramente votavam abertamente a nosso favor.

Era uma disfarçada traição.

No Brasil e Espanha, tal como cá, falaram sempre mais alto "até a voz lhe doer" aqueles eram do contra, como se dizia naquele tempo.