terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12677: Direito à indignação (10): Por favor, respeitem a verdade dos factos... E, sobretudo, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra! (Luís Graça / Carlos Pinheiro / Sousa de Castro / José A. Câmara)



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 19 de abril de 2006 > 15º dia da viagem Porto-Bissau >  Foto nº 15_80


Guiné-Bissau > Região do Oio > Jumbembem > 17 de abril de 2006 > 13º dia da viagem Porto-Bissau > Foto nº 13_314

 Fotos do álbum dio Hugo Costa, filho do Albano Costa, dois dos nossos grã-tabanqueiros. É caso para perguntar: o que  é que estamos a contar às criancinhas, em Portugal, na Guiné-Bissau e em Cabo Verde, sobre a guerra do passado, de "guerra de libertação", para uns, "guerra do ultramar/guerra colonial", para outros ?

Fotos: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legenda: L.G.]


1. Mais comentários ao poste P12669 (*):

(i) Luís Graça (**)


A. Com  a devida vénia reproduz-se o texto introdutório sobre o "Museu da Guerra Colonial", inserida na respetiva página, a qual integra o portal do Munícipio de Vila Nova de Famalicão:

(...) A história do Museu da Guerra Colonial começou a desenhar-se durante o ano lectivo de 1989/90, quando trinta alunos oriundos de várias freguesias dos concelhos de Vila Nova de Famalicão, Barcelos e Braga participaram num projecto pedagógico-didático conjunto a que chamaram "Guerra Colonial, uma história por contar". 

Através da metodologia da história contada oralmente, os alunos recolheram o espólio dos combatentes das suas áreas de residência. Surgiram então vários documentos como processos de morte e de ferido, correspondência, [relatórios] de companhia, diários pessoais, diários de acção social e psicológica, relatos e processos confidenciais, objectos de arte, fotografias, bibliografias, objectos religiosos, fardamento e armamento, enfim um manancial de fontes que permitiu, entre outras coisas, organizar uma exposição e nela reconstruir o "itinerário" do combatente português na guerra colonial.

Em 1992, iniciou-se um trabalho de colaboração com a Delegação da Associação dos Deficientes das Forças Armadas de Vila Nova de Famalicão, em que foram efectuados novos estudos regionais com base nos arquivos e membros desta instituição, bem como foi ampliada a exposição com a integração de novos estudos e materiais. Como resultado desta colaboração, a exposição percorreu vários eventos culturais e várias localidades.

Finalmente, em Maio de 1998, foi celebrado um protocolo de colaboração entre a Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Delegação da ADFA de Famalicão e Externato D. Henrique de Ruilhe de Braga, que serviu de acto solene e formal para a criação do Museu da Guerra Colonial.


O Museu rege-se pela recolha, preservação e divulgação de fontes e estudos, reformulação técnica da exposição permanente, constituição de um centro documental e o alargamento de novos estudos na região. (...)

B. Meu caro Mário::

Cito a tua nota de leitura (que apreciei e mais uma vez agradeço):

(...) “O terceiro inquirido refere que atacaram uma base inimiga junto ao Senegal e que despacharam milhares de inimigos. Como é evidente, num trabalho desta natureza um professor não pode confrontar a verdade das afirmações, se se ia fazer um quartel em S. João, se houve um ataque à base aérea de Bissalanca. Mas, creio eu, não pode ficar insensível à afirmação de “despachámos milhares de inimigos”, coisa que nunca aconteceu em nenhum teatro de operações nem podia acontecer, atendendo à natureza daquela guerra. Vamos supor que ninguém deu pela barbaridade ou aceitou a informação como plausível. É de questionar como tal declaração é percecionada pela opinião pública e os preconceitos que pode suscitar a patranha ou farronca de quem, entrevistado por gente inocente, se julga à vontade para proferir pesporrência. Vamos admitir que se trata de um caso isolado. Mas ninguém leu esta brochura que foi distribuída por uma autarquia, ninguém reagiu, ninguém se consternou com a gravidade da declaração ofensiva?” (...)

Mário, meu amigo e camarada da zona leste da Guiné: tens toda a razão. A Guiné e todos nós, que por lá passámos, ficamos mal na fotografia se algum dos nossos filhos, netos e bisnetos um dia folhear o livrinho (48 páginas, ilustradas), editado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão…

Dos três depoimentos sobre a Guiné, o terceiro, acima reproduzido, é de fato o mais hilariante…

Tens razão, quando dizes que já não basta indignarmo-nos. Eu sei que ainda estamos, felizmente, vivos e capazes de nos indignarmo-nos. E podemos e devemos fazê-lo aqui, no nosso blogue, exercendo o  elementar e saudável  direito à indignação.

Mas a indignação não chega, como temos visto e sentido nestes últimos anos, tantas ou tão poucas são as tropelias e sacanices a que nós, os combatentes, temos sido sujeitos, desde a demagogia das promessas vãs às tentativa de instrumentalização das associações de veteranos, à discriminação dos combatentes no 10 de junho, etc.

As muitas centenas de combatentes, dos 3 ramos das Forças Armadas Portuguesas, que por aqui já passaram, no blogue, e que viram publicadas as suas fotografias (dezenas de milhares) e os seus textos (já perto de 12700) no espaço de menos de 10 anos, têm todas as razões para se sentirem insultados e indignados pela inqualificável aldradice e pela miserável fanfarronice de um suposto combatente de Vila Nova de Famalicão (ou de um concelho vizinho, Braga, Barcelos…) que, no TO da Guiné, "chegou, viu e venceu", como se aquela guerra fosse uma alegre "coboiada" em que os sete magníficos trucidam os
maus da fita, os índios, aos milhares...

Em Bissau, este tipo de patranhas contavam-se despudoradamente na famigerada 5ª Rep, alcunha do Café Bento...

Às vezes a ânsia de protagonismo de alguns (, aliada à alarve ignorância de outros) pode levar a resultados, infelizes, como estes... É uma pena que esta nódoa, numa publicação como a "Guerra Colonial: uma história por contar", acabe por manchar o bom nome e a boa imagem do Externato Infante D. Henrique e do seu corpo docente, bem como do município de Vila Nova de Famalicão e dos seus eleitos, sem esquecer a delegação local da ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, três entidades que estão na origem deste “Museu da Guerra Colonial”.

De acordo com a Porbase – Base Nacional de Dados Bibliográficos, a brochura que tu recenseaste, não é um obscuro opúsculo, condenado ao pó das gavetas, não!... É uma publicação formal, com depósito legal na Biblioteca Nacional, onde foi catalogada da seguinte maneira:

Título: Guerra colonial: uma história por contar... / Org. Externato Infante D. Henrique
Autor(es): Externato Infante Dom Henrique, co-autor
Publicação: Vila Nova de Famalicão : Câmara Municipal, 1992
Descr. Física: 48 p. : il. ; 30 cm
Dep. Legal: PT -- 61549/92. CDU: 355.48 (6=690)
355.48(547).

Uma louvável iniciativa didático-pedagógica deu origem a um livro, de múltiplos autores, em que falhou redondamente o papel do editor literário (presumivelmente, o professor da disciplina de Antropologia Cultural do Externato).

Regras tão elementares como o bom senso, o bom gosto, o uso do contraditório, a confirmação da veracidade dos factos (topónimos, datas, unidades militares, números de baixas, etc.), saturação da informação, triangulação das fontes... foram puramente e simplesmente esquecidas ou escamoteadas....

Mário: eu para já sugiro que se exponham aqui os nossos pontos de vista... Afinal, somos parte intereesada nesta "história por contar"... E este o cantinho do "ciberespaço" onde nos fazemos ouvir...

Não sei se valerá a pena publicar uma "carta aberta" ao representante da autarquia, de contestação e de protesto, exigindo aos autores (ou editor literário) que façam uma adenda… “pedagógico.didática” ao tal livrinho...
De qualquer modo, o que ocorre para já dizer, é: "Por favor, respeitem, os mortos e os vivos… de um lado e do outro da guerra!"...

(ii) Carlos Pinheiro

Acho que estas faltas de cuidado devem ser comentadas e desmontadas as “originais “ invenções de alguém. Por isso aqui estou a dar a minha melhor colaboração para o esclarecimento da verdade dos factos

Refiro-me somente ao caso do ataque à BA 12, Bissalanca. Segundo o autor desconhecido (mas que disse trabalhar no Centro de Mensagens do Q.G.),  a determinada altura, dado o ataque à Base de Bissalanca, ele dirigiu-se a outra Base para prestarem o apoio aéreo que Bafatá pedia.

Mas que outra Base? Onde? Por amor de Deus!

A publicação de livros, e muito especialmente livros publicados com dinheiros públicos, como foi o caso em análise, deveria, sempre, pautar-se pela verdade dos acontecimentos. Não foi o caso e foi pena.

(iii) Sousa de Castro

Para mim,  este trabalho publicado em Famalicão é de facto muito infeliz. O Operador de MSG contou algo que lhe contaram, o chamado jornal de caserna é o "diz que disse";  por outro lado não há, em TRMS, msg "muito urgentes",  há 4 tipos de msg, Relâmpago (Z),  Imediato (O),  U rgente (P) e  Rotina (R), para além doutros procedimentos.

(iv) José A. Câmara:

Caros amigos e camarada,

Acabei de enviar correio electrónco ao Sr. Presdidente da Câmara de Vila Nova deFamalicão. Julgo que é o mínimo que posso fazer nas circunstâncias. Mas há mais formas de de demonstrarmos o nosso desagrado. Neste e em tantos outros casos de lesa verdade.

"Senhor Paulo Cunha,
Presidente da Câmara Municipal de
Vila Nova de Famalicão

Sr. Presidente,

Abaixo encontrará as devidas hiperligações para o assunto em epígrafe. A verdade dos factos tem que ser resposta. Compete-lhe a si, como Presidente da Edilidade, tomar os devidos passos para que assim seja.

Os Famalicenses e toda uma sacrificada geração que serviu na Guerra do Ultramar merecem que a verdade dos factos, nada mais que isso, tenha o seu lugar na divulgação da história.
Os jovens alunos de hoje, homens de amanhã, não devem ser confrontados com o facto da sua Câmara Municipal e a sua escola lhes terem mentido. Porque é disso que se trata, na medida em que a responsabilidade da publicação desta patranha é da sua responsabilidade.Sem outro assunto, apresento-lhe cumprimentos.

José A Câmara
Furriel Mil
CCaç 3327/BII17
 Comissão: Guiné, 1971/1973"
____________________

Notas do editor:

(*) Vd.  Vd., poste de 3 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12669: Notas de leitura (559): "Guerra Colonial - Uma História por contar", edição da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, Externato Infante D. Henrique (Mário Beja Santos)

(...) Queridos amigos, é de todos sabido que o silêncio ou indiferença perante uma patranha de contornos revoltantes é manifestação de cobardia ou de espírito acomodatício a quem conhece o fundo e a forma da realidade infamada. O assunto que vos ponho à reflexão é de como agir e denunciar uma declaração ignóbil, daquelas que serve de rastilho para olhar com preconceito o que foi a vida de um combatente em África.

A indignação, por si só, não leva a ponto nenhum. O que talvez fosse útil debater é como agir perante uma barbaridade como aquela que aqui vos conto. (...)

(**) Último poste da série >  4 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12675: Direito à indignação (9): A (des)propósito do livro "Guerra Colonial: uma história por contar"...que esteve na origem da criação do Museu da Guerra Colonial, em Vila Nova de Famalicão (Beja Santos / Carlos Vinhal / José Manuel M. Dinis / José Martins / A. Eduardo Ferreira / Fernando Gouveia / António J. Pereira da Costa / Alberto Branquinho / C. Martins)

5 comentários:

antonio graça de abreu disse...


Muito bem, José Câmara!...

É a nossa História, a verdade das nossas vidas baseada em factos, o respeito que merecemos exactamente como uma geração sacrificada, mas que deu o que tinha de melhor, não creio que propriamente para defender a Pátria, mas para assumir a dignidade de sermos portugueses, de termos nascido neste estuporado reino que um dia, para o bem e para o mal,(o mal é cada vez mais para esquecer) se lembrou de se colocar à frente da História do Mundo, de ir "lavrar o mar" e de inventar áfricas, brasis e orientes.

Temos em Famalicão, cidade de que gosto muito, um ror de alarvidades, despautérios, mentirolas prantadas no papel que ainda nos magoam. Somos gente de bem, levámos com uma guerra em cima que nunca desejámos, só queremos ser respeitados, não com as "verdades" que cada um inventa
mas com a verdade (de que temos muito mais de que nos orgulhar do que lamentar) do que foi a nossa passagem pela Guiné em tempo de guerra.
Lembram-se como reagi aqui no blogue em 2009, na polémica que mantive com o Mário Beja Santos que então defendia a tese da nossa derrota militar, em 1974, às poderosas mãos do PAIGC?

Bem haja o Mário Beja Santos por nos trazer tanta matéria interessante sobre a nossa Guiné.

Abraço,

António Graça de Abreu



Anónimo disse...

Sou um atento coleccionador de patranhas. Algumas até incorporei nas minhas estórias, como a das emboscadas de gorilas, que me foi relatada convictamente.Algumas são referidas por pessoas que nunca lá estiveram, como parece ser o caso.
Outras foram ouvidas muitos anos depois nos quartéis, como uma, que um militar,que nunca foi a África, me contou ainda há dias- de um Alferes,que comia sandes de coração do inimigo..Para quem não conhece África, permanece um imaginário do Tarzan, dos pigmeus e dos canibais..e quanto à guerra pensam que era logo ao pequeno almoço que se matavam dez,para adiantar serviço pois a quota diária obrigatória era de cem por dia...Patranhas são patranhas... o que se deve lamentar é que se elaborem e publiquem disparates, sem consultar quem lá esteve. ABRAÇO. J.Cabral

Antº Rosinha disse...

Contar-se-ão por Historiadores portugueses (com H grande)e outros, pequenas mas bem urdidas mentiras e verdades tendenciosas até há exaustão.

Embora apareçam algumas mentiras com aspecto apenas literário ou ingénuo como parece este o caso.

Interessa a muita gente evitar a todo o custo que sobeje qualquer razão aquela minoria que afirmava na ONU, durante 13 anos "descaradamente" que não tinham lógica as independências africanas.

Está neste momento em julgamento um Ugandês em Haia, por crimes contra a humanidade, quando o verdadeiro réu devia ser a própria ONU.

Mas o mundo é assim mesmo!

Antº Rosinha disse...

Corrigindo o comentário anterior: Não é um réu Ugandês, mas sim Ruandês, baralhei um pouco as coisas. (hutus/tutsis)

João José disse...

Caro Luís Graça
Em relação ao tema em epígrafe que muito me entristece, esperei algum tempo para me pronunciar depois de pensar demoradamente em toda essa ocorrência que chegou ao nosso conhecimento.
Creio que, após o assassinato do Amílcar Cabral, que, sendo de origem cabo-verdeana, tinha muitos inimigos guineenses e da República da Guiné Conakri, e que nunca considerei nosso inimigo, pois a sua preocupação maior era o bem-estar da população da Giné, tendo encetado um período de negociações com o General Spínola para se encontrar uma solução de paz que pusesse fim à guerra, por uma questão de vingança ou de oportunidade de se fazer uma "limpeza" houve um período em que muitos africanos foram assassinados, por africanos rivais, com a justificação de retaliação, e sobretudo, para não contarem o que sabiam.
Já depois da "Revolução dos cravos", muitos guineenses, nossos amigos, incluindo chefes tradicionais, foram selvaticamente assassinados, inclusivamente à frente dos próprios filhos.
Lutei ao lado da população e nunca vi quaisquer africanos como alvos a abater. Sabiamos, isso sim, que muitos tinham ido à União Soviética, à China e a outros países da "cortina de ferro" receber "formação" em guerrilha e em doutrina subversiva que incluía propaganda, e também aprendiam como fazer chantagem sobre as populações para conseguirem aliados para a sua causa, a que chamavam de "libertação", estando no fundo, e, verdadeiramente, ao serviço do imperialismo, esse imperialismo que os subsidiou e armou com armamento ultra-moderno e contra o qual eramos impotentes.
Quando era miúdo, vi filmes com cow-boys e índios, e os índios eram os maus da fita. Hoje sei que foram massacrados, espoliados das suas terras e reduzidos a um pequeno número e colocados em reservas. Na verdade, os maus eram os cow-boys, que continuam por esse mundo a aumentar a sua zona de influência e a fomentar muitos conflitos armados. Também ouvia dizer que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno almoço, não creio que isso alguma vez tenha acontecido, mas que na União Soviética milhões de pessoas foram assassinadas, parece ser verdade.
Que uns miúdos inventem algumas aldrabices não me parece grave, parece-me próprio da idade, agora que haja pessoas que se consideram adultas gastarem dinheiros públicos com falsidades, procurando passá-las para a psterioridade como se fossem verdades, parece-me confrangedor. Além de que, essas falsidades constituem ou assemelham-se à propaganda do inimigo, o que é, não só, deplorável, mas absolutamente intolerável.
Grande abraço a todos os ex-combatentes que certamente recordam os guineenses com muito afecto e simpatia, pois eles, na sua generalidade, merecem tudo de bom que possamos fazer por eles.
Grande abraço
João Martins