quarta-feira, 9 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P12956: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (26): Leiria, o pior tempo do meu início de vida militar; Santarém onde a Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente; Tavira, onde ia morrendo; Carregueira do bidonville; Mafra onde a instrução era levada a sério (Augusto Silva Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), com data de 5 de Abril de 2014:

Camarada e Amigo Carlos Vinhal,
Antes de mais, faço votos sinceros para que esteja tudo bem contigo e família. 
Inserido no tema em epígrafe, junto texto e fotos relacionados com o mesmo, que desde já agradeço revejas para possível publicação.
No caso de algo não estar correcto ou não te facilitar o teu trabalho de editor, solicito / agradeço que me informes para a respectiva correcção.
Como sempre, estás à vontade para editar quando bem entenderes ou alterar o que achares por bem. 

Recebe Um Grande e Forte Abraço com votos de muita saúde.
Augusto Silva Santos


A CIDADE OU VILA QUE EU MAIS AMEI OU ODIEI, NO MEU TEMPO DE TROPA, ANTES DE SER MOBILIZADO PARA O CTIG


LEIRIA

Bandeira da Cidade de Leiria


Vista parcial da Cidade de Leiria

Assentei praça no RI 7 (Regimento de Infantaria 7) em Janeiro de 1971. Após avaliação das minhas habilitações, haveria de ser transferido para a EPC mas, no escasso tempo que estive nesta cidade, poderei dizer que foi onde passei o pior tempo do meu início de vida militar.

Logo no primeiro dia roubaram-me o colchão da cama e um cobertor, pelo que tive de dormir vestido em cima de outro cobertor, numa caserna que na altura nem luz tinha. Parte das coisas eram feitas com luz das lanternas ou das velas.

Na primeira semana fui designado para fazer faxina à cozinha / refeitório, onde assisti a coisas para mim absolutamente impensáveis, desde levar os panelões com as vassouras de varrer o chão, e a comida a ser confeccionada nas piores condições de higiene. Até uma aranha eu apanhei na sopa. Escusado será dizer que, a partir daí, poucas mais vezes eu voltei a comer do rancho. Só mesmo quando não tinha outra alternativa.

Ainda me lembro que, muito perto do quartel, havia um talho onde se comprava a carne para ser cozinhada no tasco que ficava ao lado. Era muitas vezes a nossa safa. Foi uma cidade que me marcou pela negativa, mas não ao ponto de a odiar.


Janeiro 1971. 2ª Companhia / 6º Pelotão. Sou o terceiro de pé, da direita para a esquerda.

J
aneiro 1971. Na caserna com o camarada de beliche.


SANTARÉM

Bandeira da Cidade de Santarém


Vista parcial da Cidade de Santarém

Felizmente que, passado pouco tempo, efectivou-se a minha transferência para a EPC (Escola Prática de Cavalaria), onde haveria de concluir a recruta. Aqui tudo era de facto muito diferente, daí é o lema por todos assumido de: “A Cavalaria não é melhor nem pior, é diferente”.

Desde as condições das instalações, à comida, à disciplina, era tudo um mundo à parte, tendo em conta a minha primeira e traumatizante experiência. Foram 3 meses de intensa e particular actividade, que me haveriam de marcar para o resto da minha vida militar, pela positiva. Foi uma recruta difícil, debaixo de muita chuva e frio, sempre de capacete na cabeça (era uma das partes mais difíceis de aguentar), por vezes passada nas valas de esgoto a céu aberto, e de seguida lavagens à mangueirada em plena parada para limpar a lama agarrada à farda.

Acordar às tantas da madrugada com músicas da Tonicha, e apresentar-se em poucos minutos na parada invariavelmente com umas das fardas, era outra das situações que nos punha em “ponto de rebuçado”. Nunca mais me esqueci da frase, “terreno semeado é terreno minado”, quando colocados a uns bons quilómetros do quartel, e tínhamos de lá chegar sem ser detectados. Pela estrada também não era possível ir por estarem constantemente patrulhadas. Era um grande desafio…

Também não foi fácil assumir que não queria ir para os Comandos, apesar de me ter sido apresentada a possibilidade de ir frequentar o COM (Curso de Oficiais Milicianos), se a resposta fosse sim.

Foi uma cidade de que muito gostei, e tive pena de não ter feito aqui a especialidade. A população era extremamente agradável e compreensiva para com os militares. E Almeirim ficava ali tão perto, com os seus bons “tascos”…


Fevereiro 1971. 5º Esquadrão / 5º Pelotão. Sou o quarto sentado, da direita para a esquerda. O primeiro de pé é o Vicente “Passarinho” (Piu), e o segundo sentado é o Daniel Matos.


Março 1971. Eu em pose no Destacamento da EPC


Abril 1971. Junto à entrada da E.P.C., ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.


TAVIRA

Bandeira da Cidade de Tavira


Vista parcial do Quartel da Atalaia

Sou entretanto colocado no CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria), onde me foi dada a especialidade de Atirador de Infantaria. Também aqui tive bons e maus momentos, mas efectivamente senti um pouco a diferença do ambiente vivido na arma de Cavalaria, embora a adaptação tenha sido feita rapidamente.

A formação trazida da EPC ajudou muito. Foi igualmente fácil, porque muitos dos camaradas que constituíam a Companhia, tinham vindo de Santarém. Foi aqui que voltei a encontrar o Daniel Matos e o Vicente “Passarinho” (Piu), também eles mais tarde mobilizados para a Guiné. Infelizmente ambos já não estão entre nós.

A situação mais traumatizante que aqui passei, relacionou-se com uma questão de saúde, que por pouco não viria a ter consequências graves para mim. Tendo na semana de campo apanhado uma forte gripe com febres altas, apesar de eu ter avisado os enfermeiros de que era alérgico à penicilina, foi-me dado algo relacionado com aquela droga, pelo que por pouco não bati as botas, como se costuma dizer.

Recordo ainda uma ocasião em que toda a Companhia foi formada, para que alguém do sexo feminino passasse “revista” à formatura… Tal só não aconteceu, porque o possível “infractor” ao ver a pessoa em questão, resolveu por antecipação dar o corpo ao manifesto. Mas deu para perceber que havia algum pessoal igualmente muito nervoso.

Gostei da cidade e das suas gentes. Sempre que possível uma ida à praia na Ilha de Tavira, era um bom escape.


Abril 1971. Na Caserna com mais três camaradas. Eu sou o primeiro da esquerda e o Vicente “Passarinho” (Piu) é o terceiro, de garrafa na mão.


Junho 1971. No centro da cidade com outro camarada.


Junho 1971. Na Ilha de Tavira, em pose.


SERRA DA CARREGUEIRA, SINTRA

Bandeira da Vila de Sintra


Vista parcial da Serra da Carregueira

Por ter obtido a máxima classificação na disciplina de tiro (atirador especial de G3 e atirador de 1ª classe em HK 21), sou colocado no CTSC (Campo de Tiro da Serra da Carregueira), como Cabo Miliciano, para dar recrutas e instrução de tiro.

Foi aqui que vivi das situações mais caricatas na tropa, desde ver um Tenente a matar ratazanas a tiro de pistola Walter, a ter de dormir calçado com medo que aqueles roedores nos viessem morder os pés.
Era frequente vê-las passar por cima dos camaradas que estavam a dormir, e não menos frequente aparecerem peças de fardamento roídas.

Tirando esta parte mais ou menos “lúdica”, também assisti à situação mais estúpida.

Era hábito no Bar dos Sargentos (principalmente para assustar os recém chegados), alguém por brincadeira atirar uma granada de instrução para o meio da sala gritando “granada”, obrigando a que todo o pessoal saísse em correria mas, certo dia, alguém por engano ou ignorância atirou uma granada com detonador e descavilhada, que um camarada pensando tratar-se do habitual, agarrou… Pode-se imaginar o que aconteceu a seguir e as graves consequências de tal disparate.

Era um quartel estranho e sem grandes condições, na altura situado no meio da serra sem habitações por perto… Recordo-me que, na época, não existiam quaisquer muros ou vedações para além do pouco que era visível perto da porta de armas. Era uma unidade do tipo “campo aberto”, delimitado apenas por grandes silvados, arvoredo, e moitas. Escusado será dizer que só não entrava ou saía quem não queria, e os “desenfianços” eram o pão nosso de cada dia.

Os Cabos Milicianos dormiam em camaratas tipo “bidonville”. A parte melhor desta passagem pela Carregueira, foi a de poder ir jantar e dormir a casa, sempre que não estava de serviço, pois tínhamos transporte para o efeito.


Novembro 1971. Já como Cabo Miliciano, na instrução do 6º Pelotão da 2ª Companhia. Sou o quinto de pé, da direita para a esquerda.


MAFRA


Bandeira da Vila de Mafra


Entrada do Quartel do CMEFED

Algum tempo depois rumo ao CMEFED (Centro Militar de Educação Física, Equitação e Desportos), para ficar na EPI (Escola Prática de Infantaria) como instrutor de educação física. Com muita pena minha não viria a concluir este curso, por ter sido entretanto mobilizado para a Guiné.

Em Mafra, como se costuma dizer, nem deu para aquecer, pois só lá estive cerca de 2 meses, mas ainda passei as “passinhas do Algarve” na Tapada de Mafra.

Quem passou pelo CMEFED (mais conhecido pelo se me f….), sabe bem a que me refiro… Para a época, era já uma unidade muito à frente e com óptimas condições sobre todos os aspectos.

Tal como na EPC em Santarém, aqui não havia “baldas”. A instrução era levada muito a sério e com rigor. Curiosamente, na minha vida civil e trabalhando na Marinha Mercante, andando embarcado nos navios Rita Maria, Alfredo da Silva, e Niassa, já havia passado uma boa dezena de vezes pela Guiné, mais propriamente por Bissau. Tinha o destino marcado…


Abril 1970 (faz agora precisamente 44 anos), a bordo do N/M Alfredo da Silva, no porto de Bissau, com o restante “pessoal das máquinas”. Sou o primeiro da direita, ainda de barba.


Dezembro 1971. Pronto a seguir viagem para CTIG. Foto tirada com farda emprestada pelo fotógrafo. Julgo que acontecia com todos os Furriéis Milicianos obrigados a tirar esta foto.
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12918: A cidade ou vila que eu mais amei ou odiei, no meu tempo de tropa, antes de ser mobilizado para o CTIG (25): E Vendas Novas, onde funcionou a Escola Prática de Artilharia ?...Será que vai ser recordada apenas pelas bifanas ? (Luís Graça)

5 comentários:

Luís Graça disse...

Obrigado, Augusto, pelo teu bem elaborado, circuntanciado e detalhado relato da vida na tropa, antes de ires parar àquela terra verde e rubra cujas odotres, sons e coresa ficaram ficaam no nosso almofariz dos cinco sentidos... Demos pratricamente meia volta a Portugal. Tens um apurado sentido de justiça, não confundindo a "tropa" com os "paisanos" que viviam, dormiam e labutavam, nestas diversas vilas e cidades por onde deambulaste...

Quanto à "chapa" em farda nº 1, eu não mo lembro de ter tirado nenhuma parecida... Nem sei se era obrigatório... Não consta, pelo menos, do meu álbum de fotografias das tropa, de resto, pobrezinho... Posso tê-la perdido...

Em contrapartida, fui estupidamente comprar, no Casão Militar, um casaco de couro que me deve custado os olhos da cara, e que mal devo ter usado na Guiné, uma ou duas vezes...Era insuportável, com aquele calor e humidade!...

Enfim, a malta comprava por que dava jeito para tirar uma "foto artística"... Ah! as nossas opequenas vaidades humanas, aos 22 anos!...


Um abraço, Luis

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: Luís Graça

Camarada e amigo,

Antes de mais, espero que esteja tudo bem contigo, e que a tão desejada recuperação da intervenção cirúrgica a que foste submetido, esteja a ser uma realidade.
Muito obrigado pelas tuas atentas e amigas palavras.
Pois é verdade que por vezes nos excedíamos com determinados "adornos" que, analisados à distância de há mais de 40 anos, nos parecem agora algo ridículos, mas era também uma pequena forma de nos afirmarmos.
Eu lembro-me de, quando cheguei a Bissau, ter comprado a um camarada "velhinho" umas devisas de furriel usadas, para que não me chamassem "pira". Até cheguei a mandar lavar desnecessariamente o camuflado várias vezes, para dar a aparência de mais usado. Enfim...
Quanto à "chapa" com a farda nº1, também não sei se efectivamente era mesmo obrigatória, mas podes crer que no meu tempo, deram-me mesmo indicações para tirá-la, dias antes de embarcar para o CTIG, estava eu no Depósito de Adidos a aguardar embarque. A foto destinou-se a um cartão militar de identidade, e até me lembro de me terem indicado o fotografo que tinha a farda para emprestar que, ajustada atrás das costas com molas da roupa, dava para todas as medidas. Já andei à procura do dito cujo (cartão), mas não sei do seu paradeiro.
Tudo de bom para e boa continuação da recuperação.
Um grande e forte abraço.

Anónimo disse...

Caro Augusto Santos

Desde o início da tua participação no blogue e logo pelas primeiras fotos que publicaste daquele tempo, tive a sensação de que te conheci algures.

Vejo agora pelo teu relato que o nosso percurso militar teve alguns pontos comuns.

Desde logo a começar pela recruta em Santarém onde fomos contemporâneos.
Também eu pertenci ao 5º Esquadrão mas ao 1º Pelotão.
Este pelotão era fácil de identificar pois era o único comandado por um alferes de origem africana, mais concretamente o Alf. José Mamadu Jaguité. Certamente estarás recordado dele.

Na foto que publicas de Fev/71, em Santarém, junto ao Parque Auto, também reconheço o Vicente "Passarinho" (Piu) e o Daniel Matos (sim,ambos infelizmente já falecidos), além de mais 2 ou 3 caras conhecidas.
Pelos vistos também estivemos depois juntos em Tavira.
Na foto de Abril/71, em Tavira, onde estás com o Vicente, creio que entre vocês está o Ricarte que era do meu pelotão em Santarém. Também reconheço o outro camarada, mas não me lembro do nome.
O Vicente e o Daniel foram mais tarde para o BII 19, no Funchal, onde eu já estava.
Dali viríamos a partir para a Guiné. O Vicente, enquadrado na minha CCAÇ 3520, para Cacine. O Daniel na 3518 para Gadamael.

No poste 5113, podes ver uma fotografia minha e do Vicente, em Cacine.

Não sei se nós os dois, nalguma passagem por Bissau, nos teremos voltado a encontrar, mas até penso que sim.

Estes são os caminhos cruzados da vida.
É bom recordar.

Um abraço para ti, extensivo a todos os outros camaradas.

José Vermelho


zeca disse...

Leiria, cidade onde tirei a especialidade, RAL 4, que muito me custou no inicio, mas que depois tive SAUDADES, unidade disciplinada, mas ao qual me adaptei, pois como sempre disse, convivia melhor com a disciplina, do que com a anarquia!!!!!!.

Anónimo disse...

De: Augusto Silva Santos
Para: José Vermelho

Camarada e Amigo,

Claro que me lembro de ti!
Agora que vi a tua foto, associada ao teu nome, voltei 43 anos atrás...
Pois é verdade, embora em pelotões diferentes, estivemos ao mesmo tempo em Santarém, e depois também em Tavira. Lembro-me perfeitamente desse alferes...
Não me recordava dos nomes dos outros camaradas na foto de Tavira com o "Piu", mas agora que falaste, era de facto o Ricarte (tinha a ideia errada de Ricardo)e creio que o outro se chama Lúcio (não tenho a certeza).
É bem provável que na Guiné, mais propriamente em Bissau nos tenhamos cruzado, isto porque o meu último ano de comissão passei-o no Depósito de Adidos em Brá, por onde habitualmente passavam muitos camaradas. Recordo-me de lá ter encontrado o Daniel Matos, entre outros, e realmente agora que a memória me foi avivada, também tenho uma vaga ideia de ti, principalmente pela originalidade do teu nome, mas não sei se foi ou não naquela unidade.
Muito obrigado por me teres trazido estas recordações!
Recebe um grande e forte abraço, com votos de muita saúde.
Pode ser que ainda nos voltemos a encontrar, quem sabe...