Guiné > Região de Gabu > Piche > Foto nº 112/199 > 1968 > A muher amamenta a cabrinha (!)... Um ternura de foto do álbum do João Martins, já célebre na Net.
Foto: © João José Alves Martins (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.
1. Mensagem do João Martins [, ex-alf mil art, BAC1, Bissum, Piche, Bedanda, Gadamael e Guileje, 1967/69 ], com data de ontem:
Camarigo Luís Graça:
É com muito prazer que passo a responder à tua pergunta, mas acontece que, em minha opinião, o tema não se esgota com as alternativas que apontas, o assunto é de extrema oportunidade e deve ser aprofundado até às suas últimas consequências.
Na nossa idade, a rondar os 70 anos, ou falamos e é agora, ou, nos calamos para sempre, como já aconteceu com alguns dos nossos camaradas que continuam na nossa memória e que recordamos com muita saudade pois fazem parte do nosso passado. Um passado de que nos orgulhamos, pois, para nós, ex-combatentes, foi um orgulho servir a Nação, sofrer por ela, dando-lhe parte da nossa juventude, alguns, mesmo, lamentavelmente, com evidente prejuízo da saúde, ou, inclusivamente, perdendo a vida.
Em termos de comparação, em Portugal continua a haver muitos exploradores e explorados, e não é por acaso que há tanta gente a viver com muitas dificuldades e a necessitar de muita ajuda, além do próprio País com uma dívida dificil de liquidar, o que exige muitos sacrifícios e "ajustamentos", que, sendo da responsabilidade de alguns, são distribuidos pela população em geral...
Respondendo mais concretamente à tua pergunta, recordo-me de uma prova oral de história no meu 5º ano em que afirmei que se antevia que íamos entrar em guerra, e que a perderíamos, pois os nossos governantes não estavam à altura das suas responsabilidades, e que, para se ganhar aquela guerra que nos era movida pelas grandes potências era necessário merecer essa vitória, o que não era o nosso caso pois a nossa política ultramarina era inadequada.
Quem, na altura, se preocupava em estar bem informado, facilmente percebia que desde há muito nos encontrávamos em "guerra fria" contra os interesses imperialistas internacionais, na continuação de uma guerra contra a Alemanha no princípio do século XX em que, com a justificação da defesa das colónias, milhares de portuguesas morreram na batalha de Lalis em solo francês face aos avanços das tropas alemãs. Portanto, o expansionismo é algo comum, assim como é natural o direito de conquista. Embora, cada vez menos aceitável e recordemos, como exemplos, a invasão da Hungria pelos soviéticos, ou do Tibete pela China sem significativa oposição da Comunidade Internacional. O mais forte a impor a sua força...
Nos anos cinquenta era evidente que a guerra fria que opunha americanos e soviéticos passava pela conquista de posições e influências no Ultramar Português. Daí, a infiltração de seus "agentes" em partidos e nas nossas forças armadas, com evidente, embora disfarçada, posterior influência na revolução. E, como foram eles os grandes vencedores, determinando a evolução dos acontecimentos, nomeadamente as independências, no período entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75, o País ficou "amordaçado" e passou a ser tabu falar-se da globalidade dos acontecimentos e dos seus protagonistas, e o medo instalou-se no nosso País como nunca o tinhamos conhecido. Mesmo após esta última data, é preciso ter certa coragem para se contar o que se sabe, apenas ouvindo-se dizer que a "história" precisa de tempo para ser contada.
Só que, entretanto, "vamos indo desta para melhor" e os nossos filhos e netos vão estar muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que pelas guerras de guerrilhas que enfrentámos e que muitos, europeus e africanos, brancos e pretos, reconhecem que não foi o que esperavam nem tiveram as consequências que desejavam.
É por isso que defendo firmemente a minha convicção que devemos "retornar" a África e cumprirmos a nossa "missão" de solidariedade com os povos africanos cumprindo um destino de que nos deviaram sem nos preocuparmos a apontar responsáveis.
Por tudo isto, sou levado a pensar que a emigração a que voltámos a ser impelidos por fraquíssimo desenvolvimento económico com consequente diminuição de postos de trabalho, e não cabe aqui escalpelizar este facto, deve ser canalizada, de novo, tanto quanto possível, para África, para nosso bem, e, sobretudo, para bem dos povos africanos, nossos amigos e que sempre estiveram e continuarão a estar nos nossos corações.
Será esse, muito provavelmente, o melhor destino dos nossos filhos e netos. Assim o compreendam os governantes africanos.
Grande abraço a todos os ex-combatentes
João Martins
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12968: 10º aniversário do nosso blogue (4): Para além do Mário de Oliveira e do Arsénio Puim, terá havido mais capelães militares expulsos do CTIG... Terá sido o caso do alf mil capelão, também de nome Mário, do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1973-74), ainda em Bolama, na IAO... (Testemunho de um leitor e camarada nosso que pede reserva de identidade)
Camarigo Luís Graça:
É com muito prazer que passo a responder à tua pergunta, mas acontece que, em minha opinião, o tema não se esgota com as alternativas que apontas, o assunto é de extrema oportunidade e deve ser aprofundado até às suas últimas consequências.
Na nossa idade, a rondar os 70 anos, ou falamos e é agora, ou, nos calamos para sempre, como já aconteceu com alguns dos nossos camaradas que continuam na nossa memória e que recordamos com muita saudade pois fazem parte do nosso passado. Um passado de que nos orgulhamos, pois, para nós, ex-combatentes, foi um orgulho servir a Nação, sofrer por ela, dando-lhe parte da nossa juventude, alguns, mesmo, lamentavelmente, com evidente prejuízo da saúde, ou, inclusivamente, perdendo a vida.
O sofrimento não é um completo mal em si mesmo, tem o lado positivo de nos tornar mais humanos, mais solidários, mais preocupados e sensíveis aos males dos outros. Em África, tivemos o privilégio de contactar populações amigas que se mostraram dignas da nossa amizade e consideração.
Infelizmente, há muita gente que não compreenderá estas palavras e pensará que somos paternalistas, nada mais errado, os africanos são pessoas com muita personalidade, com exigências de justiça, mas, também, com consciência de necessidades de ajuda e sabem agradecer, aliás, merecem largamente todo o nosso apoio e tudo o que fizermos por eles não será demais.
Em termos de comparação, em Portugal continua a haver muitos exploradores e explorados, e não é por acaso que há tanta gente a viver com muitas dificuldades e a necessitar de muita ajuda, além do próprio País com uma dívida dificil de liquidar, o que exige muitos sacrifícios e "ajustamentos", que, sendo da responsabilidade de alguns, são distribuidos pela população em geral...
Respondendo mais concretamente à tua pergunta, recordo-me de uma prova oral de história no meu 5º ano em que afirmei que se antevia que íamos entrar em guerra, e que a perderíamos, pois os nossos governantes não estavam à altura das suas responsabilidades, e que, para se ganhar aquela guerra que nos era movida pelas grandes potências era necessário merecer essa vitória, o que não era o nosso caso pois a nossa política ultramarina era inadequada.
Quem, na altura, se preocupava em estar bem informado, facilmente percebia que desde há muito nos encontrávamos em "guerra fria" contra os interesses imperialistas internacionais, na continuação de uma guerra contra a Alemanha no princípio do século XX em que, com a justificação da defesa das colónias, milhares de portuguesas morreram na batalha de Lalis em solo francês face aos avanços das tropas alemãs. Portanto, o expansionismo é algo comum, assim como é natural o direito de conquista. Embora, cada vez menos aceitável e recordemos, como exemplos, a invasão da Hungria pelos soviéticos, ou do Tibete pela China sem significativa oposição da Comunidade Internacional. O mais forte a impor a sua força...
Nos anos cinquenta era evidente que a guerra fria que opunha americanos e soviéticos passava pela conquista de posições e influências no Ultramar Português. Daí, a infiltração de seus "agentes" em partidos e nas nossas forças armadas, com evidente, embora disfarçada, posterior influência na revolução. E, como foram eles os grandes vencedores, determinando a evolução dos acontecimentos, nomeadamente as independências, no período entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75, o País ficou "amordaçado" e passou a ser tabu falar-se da globalidade dos acontecimentos e dos seus protagonistas, e o medo instalou-se no nosso País como nunca o tinhamos conhecido. Mesmo após esta última data, é preciso ter certa coragem para se contar o que se sabe, apenas ouvindo-se dizer que a "história" precisa de tempo para ser contada.
Só que, entretanto, "vamos indo desta para melhor" e os nossos filhos e netos vão estar muito mais preocupados com o seu presente e o seu futuro do que pelas guerras de guerrilhas que enfrentámos e que muitos, europeus e africanos, brancos e pretos, reconhecem que não foi o que esperavam nem tiveram as consequências que desejavam.
É por isso que defendo firmemente a minha convicção que devemos "retornar" a África e cumprirmos a nossa "missão" de solidariedade com os povos africanos cumprindo um destino de que nos deviaram sem nos preocuparmos a apontar responsáveis.
Por tudo isto, sou levado a pensar que a emigração a que voltámos a ser impelidos por fraquíssimo desenvolvimento económico com consequente diminuição de postos de trabalho, e não cabe aqui escalpelizar este facto, deve ser canalizada, de novo, tanto quanto possível, para África, para nosso bem, e, sobretudo, para bem dos povos africanos, nossos amigos e que sempre estiveram e continuarão a estar nos nossos corações.
Será esse, muito provavelmente, o melhor destino dos nossos filhos e netos. Assim o compreendam os governantes africanos.
Grande abraço a todos os ex-combatentes
João Martins
____________
Nota do editor:
Último poste da série > 11 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P12968: 10º aniversário do nosso blogue (4): Para além do Mário de Oliveira e do Arsénio Puim, terá havido mais capelães militares expulsos do CTIG... Terá sido o caso do alf mil capelão, também de nome Mário, do BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala, Buba, 1973-74), ainda em Bolama, na IAO... (Testemunho de um leitor e camarada nosso que pede reserva de identidade)
9 comentários:
O João Martins gostei e concordo com o teu poste, antes,durante, presente e futuro.
Um abraço.
Colaço
João Martins totalmente de acordo com os teus comentarios mas para essa saida tem que haver um grande acordo entre Portugal e as ex colonias, sera que se realizara?
Um abraço
Manuel Gomes
Fomos e somos um povo da diáspora... E vamos continuar a sê-lo...
Temos é que saber acolher e integrar, e bem, os povos que irão enriquecer o nosso património genético e cultural (como foi, no passado, o caso dos berberes, dos judeus, dos africanos, etc.)...
A xenofofia, o racismo e a intolerância que se está a instalar na velha Europa, são um mau presságio...
Caríssimo Luis,
Eu que sou um "filho da diáspora" (desde 72), acrescentaria que Nós também somos filhos da diáspora de outros povos, e outras culturas; a nossa matriz cultural mais recente lá das terras que eram conhecidas como Finisterra, foi incorporando, Fenícios, Romanos, Árabes e Berberes,e quantos séculos de domínio Islâmico,fomos Cristianizados por povos do Norte, monges e Cruzados. Criamos uma identidade nacional antes da maioria dos povos do resto da Europa; me pergunto mesmo se Europeus é o termo mais adequado para os Povos Ibéricos,digo Antropológica e Culturalmente,talvez Atlânticos seja mais adequado. Por esses mares foram os nossos antepassados, criando um Império quando éramos tolerantes, e abrigávamos em quase harmonia, três religiões monoteístas. Quando imperou a intolerância, foi o começo do fim do Império; e quantos séculos durou a intolerância institucionalizada!
Tornamo-nos esclavagistas, e inventamos um racismo "assimicionalista".
Tempos atrás, li de um historiador Lusitano, que o Sr Antonio lá de Santa Comba, foi o nosso "Último Imperador, com tudo o que isso tem de positivo e negativo.
Somos agora o Povo de um pequeno Pais à beira do Atlântico Norte, ficarão para para o nossos filhos e netos os novos desafios, acredito que o testemunho da nossa sofrida geração, que foi á guerra a longínquas paragens, pode ser um contributo.
forte abraço a todos
Vasco Pires
Onde disse: "assimicionalista"
quis dizer:assimilacionista
VP
A Tertúlia vai interessante e quero entrar nela.
Camarigo João Martins
Gostei da tua abordagem desassombrada a puxar o assunto para uma área que considero importante: O que podemos e devemos fazer, nós hoje, Portugueses, pela África que foi Portuguesa? (no nosso caso de ex-combatentes,Pela Guiné, onde sofremos e amamos).
Sobre as tuas considerações do contexto em que a guerra eclodiu e se desenvolveu,(para uns de libertação, para outros subversiva)permite-me comentar: Sendo um facto que ela foi muito marcada pelo clima da Guerra Fria de então, no caso da Guiné, que melhor conhecemos, a sua eclosão teve muitas outras causas. Lembremos a situação de exploração e maus tratos aos autóctones insubordinados, ( exemplo,o caso Pidgiguiti) para além do gritante sub-desenvolvimento e atraso na penetração nas culturas étnicas, como a escolaridade, etc, etc.
As grandes causas e responsabilidades da guerra, da sua dolorosa evolução e da sua desastrosa conclusão, deverão ser assacadas ao arcaico regime e ao incompetente governo que nos condicionava pela repressão,pela alienação e pelo atraso em que mantinha o País. Na sua cegueira, deixou-se isolar, encurralar, sem outra saída que não fosse a desgraça que conhecemos.
O acto generoso do nosso serviço à Pátria, foi desbaratado por um governo decadente, fraco,que deitou tudo a perder, tendo sacrificado milhares de vidas em vão.
Tivessem as eleições de 1969 sido livres e produzido um novo regime, tivesse o General Spinola sido apoiado na sua política e tivesse Portugal mais prestigio internacional e a história teria sido outra.
E agora depois de tudo o que aconteceu e que bem sabemos, carregado de erros, mas também com alguns (muitos) aspectos positivos, O que podemos fazer?
Tenho que continuar noutro coment. que este vai longo.
(continuação)
Eu penso que nós podemos fazer algo muito importante. Nós, ex-combatentes, (pelo menos alguns, muitos) somos o resto da Nação, que sentiu a África e dela tem memória e consciência, (nós a Guiné)uma Terra e as suas Gentes, de quem gostamos(sem saber porquê) e somos sensíveis aos apelos que esperam de nós a ajuda possível.
Creio que Portugal, apesar de muitas dificuldades, tem potencial para ajudar a Guiné-Bissau. Lembremo-nos de Timor- Leste e como foi valiosa a acção de Portugal. A nós, ex-combatentes,cabe pugnar para que isso aconteça.
Para tanto devemos organizarmo-nos para actuar e sensibilizar a opinião púbica e os poderes.
Naturalmente considero que Portugal não pode actuar só e sem mandato internacional e sem concertação com os poderes constituídos na Guiné-Bissau. As Nações Unidas e muitos Países da Europa deverão assumir as suas responsabilidades. Bem sabemos das circunstâncias (com uma enorme mentira a fazer de verdade) com que "forçaram" o MFA a ter que entregar o poder na Guiné ao Partido Revolucionário PAIGC, que nas suas enormes fragilidades, (disfarçadas de fortalezas)não estava à altura de assumir tamanha empreitada.
Foi um erro grave e por ele devem ser responsabilizados todos os países que para ele contribuíram.
Não gostaria de morrer sem ver a Guiné -Bissau como um Estado de Direito, de facto e não só no papel, com os seus Povos na senda da Paz,da Justiça, do Desenvolvimento e Progresso, para o seu Bem-estar. Esse Povo sofredor merece.
Entretanto já é dia 13, dia de eleições na Guiné-Bissau. Formulo votos que corram com toda a normalidade,em paz e que sejam frutuosas para alcançar uma solução de estabilidade governativa que favoreça a edificação do Estado de Direito almejado. De facto e não só no papel. Mas é uma grande empreitada com muitos escolhos pelo meio.
Para todos o meu abraço fraterno
JLFernandes
João José (sobrinho meu):
Gostei do que li e concordo a 100% com o teu pensamento. É preciso desenterrar muitos fantasmas. Vão escasseando aqueles que ainda o podem fazer com a autoridade dos tempos vividos. Haja coragem para ser "políticamente incorrecto".
Um forte abraço
J. G.
Apesar de atrasado cá vai o meu abraço ao João Martins, concordando em absoluto com os seus comentários.
Estivemos na BAC 1 nos anos de 68 e 69 sem encontrarmos. Em meados de 69 fui substituir o Fur Milº Artª Capitão com obuses 14 em Piche. Estava em Cameconde quando faleceram O Alf Milº Artª Gonçalves e o Fur Milº Artº Batista em Guileje/Gadamael. Abraço j.Diniz S Faro. Guiné 68/70.
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