quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13617: O meu baptismo de fogo (27): Às 16H45 do dia 17 de Setembro de 1963, o IN atacou o que iria ser o futuro aquartelamento de Ganjola (Coutinho e Lima)

1. Mensagem do dia 12 de Setembro de 2014 do nosso camarada Alexandre Coutinho e Lima, Coronel na situação de Reforma (ex-Cap Art.ª, CMDT da CART 494, Gadamael, 1963/65; Adjunto da Repartição de Operações do COM-CHEFE das FA da Guiné, 1968/70 e ex-Major Art.ª, CMDT do COP 5, Guileje, 1972/73):


Baptismo de fogo da CART 494 - 17SET63

A CART 494, uma Companhia Independente, isto é, não integrada em nenhum Batalhão, desembarcou em Bissau em 22 de Julho de 1963.

O seu destino era Gadamael, mas porque ali não havia instalações (foi o que me disseram) e, porque o Batalhão com sede em Catió, vinha insistindo na necessidade de instalação de tropa em Ganjola, para permitir que a sua Companhia de Intervenção (CI) pudesse fazer operações na península do Tombali, onde o PAIGC estava instalado, foi atribuída de reforço temporário a este Batalhão.

Desta forma, a Companhia embarcou em Bissau, em 4 batelões da Casa Gouveia (um motor e os outros rebocados), em 15SET, com destino a Catió, onde chegou às 18 horas do dia 16SET. Fui então transportado de jeep, ao Comando do Batalhão, onde me foi comunicado que, no dia seguinte, 2 Grupos de Combate (GC) da CI, se deslocariam por terra, atravessariam o rio Ganjola e montariam a segurança para que, quando a CART 494 chegasse, nos batelões, pudesse desembarcar à vontade.

Na manhã de 17SET, quando a maré o permitiu, partimos de Catió para Ganjola; quando aqui chegamos (cerca da 11 horas), verificamos, que os GC da CI ainda não tinham feito a travessia do rio (Catió ficava a Sul do rio Ganjola e a posição a ocupar a Norte do mesmo rio), pelo que atracamos ao pequeno cais, sem estar montada qualquer espécie de segurança.

 Ganjola. Vd. Carta de Catió 1/50.000

Começamos a descarregar os batelões, enquanto era montada a segurança; o atraso verificado nesta era preocupante porque, seguramente, o Inimigo (IN), com muita probabilidade, tinha tido conhecimento da nossa chegada.

Uma das primeiras medidas foi montar a Metralhadora Breda e os Morteiros de 60mm, para permitir a reacção a qualquer acção do IN.

Às 16H45, o IN atacou o que iria ser o futuro aquartelamento, com grande intensidade de fogo, tendo-se aproximado a poucos metros do arame farpado (nas zonas onde já estava instalado), a coberto das bananeiras e de outras árvores de fruto, bem como do alto capim, que, obviamente, não houvera ainda tempo de cortar.
O ataque durou cerca de uma hora. O pessoal da Companhia, juntamente com os 2 GC da Companhia de Catió, reagiu ao fogo inimigo, tendo o IN retirado. Às 22H45, verificou-se novo ataque, igualmente com grande poder de fogo e foi novamente rechaçado.

No dia seguinte, foram encontrados 4 mortos do IN, deixados no meio do capim. Pelos rastos de sangue observados, o IN teve, certamente, mais baixas.
Foi capturado o seguinte material: 2 Espingardas Mauser, 1 carabina, 1 pistola metralhadora PPSH e 1 pistola de sinais; 1 cunhete de Metralhadora Ligeira Browning com 1 fita de munições completa e outras incompletas, bem como grande quantidade de granadas de mão. Durante os trabalhos de capinagem subsequentes, com o objectivo de abrir campos de tiro, foram encontradas dezenas de granadas de mão, que o IN tinha abandonado.
As Nossas Tropas (NT), com uma enorme dose de felicidade, não tiveram uma beliscadura sequer.

Duas conclusões se podem tirar do que aconteceu:
- A primeira, relativa à actuação do IN, que demonstrou grande ousadia e determinação, ao atacar, em pleno dia, as NT.
É de salientar que, só nos primeiros meses de 1973, isto é, quase 10 anos depois, o PAIGC voltou a atacar aquartelamentos das NT de dia: em Guidage (MAI/JUN 73), Guileje (MAR e MAI 73) e Gadamael (MAI/JUN 73); estas actuações foram associadas à utilização pelo IN de mísseis terra-ar STRELLA.

- A segunda conclusão diz respeito ao comportamento do pessoal da CI de Catió, cuja missão era a montagem da segurança, enquanto a CART 494 descarregava os barcos; é incompreensível e inaceitável a maneira, no mínimo desleixada, como executou a missão; de facto, uma segurança minimamente eficaz, teria detectado o avanço do grupo IN, não permitindo tão grande aproximação, o que poderia ter tido graves consequências para as NT, que, felizmente, não se verificaram.
Penso que a sua actuação, irresponsável, se pode enquadrar numa usual manifestação de pretensa superioridade da “tropa velhinha” (pessoal da Companhia de Catió), face à inexperiência dos “periquitos” (CART 494). Só assim é possível tentar um esforço de compreensão, ao concluir que o pessoal que, supostamente, deveria estar com a máxima atenção à segurança, se tenha “deitado à sombra da bananeira”, no verdadeiro sentido da expressão.

Foi este o inesperado “Baptismo de fogo da CART 494”, em pleno dia, em 17SET63, há 51 anos.

Alexandre da Costa Coutinho e Lima
Coronel de Artª: Reformado
Ex- Comandante da CART 494
Guiné 63/65
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12829: O meu baptismo de fogo (26): Có - os primeiros contactos de fogo: um teste para os "piriquitos" (Francisco Henriques da Silva)

7 comentários:

antonio graça de abreu disse...


Diz o coronel Coutinho e Lima:

- A primeira, relativa à actuação do IN, que demonstrou grande ousadia e determinação, ao atacar, em pleno dia, as NT.
É de salientar que, só nos primeiros meses de 1973, isto é, quase 10 anos depois, o PAIGC voltou a atacar aquartelamentos das NT de dia: em Guidage (MAI/JUN 73), Guileje (MAR e MAI 73) e Gadamael (MAI/JUN 73.

Tem a certeza, meu coronel, que durante dez anos o PAIGC, não atacou aquartelamentos de dia?
É verdade que gostavam mais de atacar pela noitinha, pela calada da noite, estava mais fresco e, à distância, viam-se melhor as luzes dos aquartelamentos e das tabancas. Outras vezes atacavam com o alvorecer, talvez para ajudar ao despertar das NT.
Mas dez anos do PAIGC
sem atacar um aquartelamento durante o dia, é obra!...

Abraço,

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Não gosto do tipo de comentário que vou fazer neste espaço, que deve servir para nos unir e não para nos dividir, isto sem que se falte à verdade dos factos. Acho que quando escrevemos devemos deixar o juízo final para aqueles que lêem aquilo que escrevemos. Aplaudi que um oficial do quadro tivesse procurado poupar a vida de tantos inocentes, sabendo as consequências do seu acto.
Posto isto, não compreendo que quem tem telhados de vidro seja o iniciador de atirar pedras que lhe podem cair em cima.
Sempre defendi que o processo de defesa que o sr. Coronel Coutinho e Lima apresenta no seu livro, não sendo contestado confere-lhe razão, por instruído no sentido de obter o pretendido, um bode expiatório a quem se atribuissemm culpas, isto segundo os relatos e documentos apresentados no seu livro. Contudo, nada tem que ver com a razão do processo que lhe foi instaurado.
Que fique pois clara a minha posição sobre todo este assunto, que lhe atribui razão na crítica como foi julgado e condenado, mas salvaguardo a razão que levou ao processo. Essa situação deve ser falada e comentada por quem esteve no local e é perfeitamente conhecedor dos factos e não por quem entende que também tem voz na matéria sem tão pouco saber o que se passou em concreto e desconhece os factos falando apenas por amizade com A ou B e por ouvido.
Toda esta introdução para lembrar ao sr. Coronel Coutinho e Lima, que não devia fazer a crítica que faz aos seus camaradas, passados todos estes anos, sabendo ser ele igualmente alvo do mesmo tipo de críticas sobre os acontecimentos ocorridos anos mais tarde.
Uma mão não lava a outra por se sujar de igual forma, nem tão pouco lhe confere razão por outros já terem feito o mesmo anteriormente. Pergunto: 1 - O que aconteceu em Guileje foi fruto de um ou mais ataques? 2 - Por que razão aconteceram? 3 - Foram efectuadas todas as seguranças? 4 - Todas as saídas para o mato obedeceram às normas estabelecidas?
Não pretendo qualquer resposta, não me interessa, pedia apenas ao autor do texto que meditasse nos acontecimentos que ocorreram com ele e não pretendesse ser juíz de atitudes de outros seus camaradas de armas, mesmo que erradas.
Permita-me que sobre tudo isto tenha também uma opinião, os comandantes deviam ter sido, em muitos casos, melhor escolhidos.
BS

Anónimo disse...

Coronel Coutinho e Lima:
Saúdo a decisão de escrever sobre a CART 494 que passou por Ganjola e com a qual me cruzei - CCAÇ 798 - em MAI/65. Espero que nos relate a Chegada a Gadamael e o que se passou durante os meses que a CART 494 aí passou. Era um testemunho importante para a História de Gadamael.
Manuel Vaz ex-Alf. Mil da CCAÇ 798

José Botelho Colaço disse...

Uma pequena achega para o meu conhecido e amigo Sr. Coronel Coutinho Lima.
Em 1964 o quartel do Cachil foi atacado pelo inimigo além dos ataques nocturnos.
De dia mas sempre ao cair do dia nos seguintes horários 01-04-1964 ás 18 horas aqui o meu baptismo de fogo, 18-04-1964 ás 18 horas, 06-09-1964 ás 18 horas e finalmente 16-11-1964 ás 19 horas digo finalmente porque até 27-11-1964 dia em que a companhia de caç. 557 foi rendida por a Comp. de Caç.728, não se registou mais nenhum ataque ao quartel.
Nota direi que os ataques até Maio + ou menos não podem ser considerados ataques a um quartel porque em termos físicos não existia, poderiam sim ser considerados ataques a um sítio estratégico porque o local era pura e simplesmente um acampamento de militares na orla de uma mata.

Um abraço
Colaço.

Anónimo disse...

Ao Sr. BS

O Sr. Coronel Coutinho e Lima não foi julgado e claro muito menos condenado.
Se não gosta do tipo de comentário então porque o faz.
Tecer comentários sobre factos aos quais não assistiu é no mínimo leviano para não adjectivar de forma mais contundente.

O seu comentário,meu caro,apesar de pensar que não,gere desunião entre nós.
O Sr. Coronel é um Homem digno e não tem telhados de vidro e é livre de expressar a sua opinião.

Não sou amigo do Sr. Coronel,sou apenas conhecido.
Indignam-me é as injustiças.

É fácil criticar nomeadamente de quem não assistiu aos factos.

Este assunto tem "barbas" mas há quem não resista de vir dar a sua "bicada".
Heróis de sofá é o que mais há.

C.Martins

nando disse...

Nessa data não eram "periquitos". Eu fui maçarico. Saudações dum Membro da Cart 676.

Anónimo disse...

Caro C. Martins,

Não retiro nada ao que escrevi. Talvez se ler com um pouco mais de atenção evite certas "bicadas".

Não alimento a polémica se a pretende.

Emiti uma opinião, a minha.

Assunto arrumado.
BS