sábado, 20 de setembro de 2014

Guiné 63/74 - P13629: Bom ou mau tempo na bolanha (67): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (7) (Tony Borié)

Sexagésimo sexto episódio da série Bom ou mau tempo na bolanha, do nosso camarada Tony Borié, ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGRU 16, Mansoa, 1964/66.




Sétimo dia de viagem

Não é os “Caminhos de Santiago”, que eram aqueles percursos percorridos pelos peregrinos, que afluíam a Santiago de Compostela, desde o século IX para venerar as relíquias do apóstolo Santiago Maior, cujo suposto sepulcro se encontra na catedral de Santiago de Compostela. Também não são as “Via Cássia”, “Via Domícia”, “Via Egnácia”, “Via Devan” ou “Via d’Etraz”, que eram aquelas Estradas Romanas, que partiam de diversos pontos da Europa Medieval, com destino a Roma ou Jerusalém, onde em algumas, era concedida “indulgência” plena, a quem fizesse o seu percurso, não tem pontes e marcos históricos, em pedra de granito e milenários, os seus, são mais recentes, mas o seu percurso também atravessa, montanhas, vales, rios, alguns de água quente, planícies, glaciares, florestas, savanas e, tem muitos precipícios e, também não se concede qualquer “indulgência” a quem a percorre.

É, única e simplesmente, o “Alaska Highway”, ou seja, a estrada que liga por terra, os USA, atravessando o país amigo do Canadá, ao estado do Alaska.


Já bastante no norte do Canadá, nesta altura do ano era de dia, pelo menos por um período de 18 ou 20 horas, saímos da povoação de Beaverlodge, ainda na província de Alberta, onde dormimos por umas horas, tomando um refrescante banho, comendo fruta, bebendo água e sumos, com alguma medicina de manutenção diária, era madrugada, pelo menos no nosso relógio, pois já havia sol, continuámos na estrada número 43, atravessando a fronteira, entrando na província de British Columbia, chegando à cidade de Dawson Creeck, procurando o local da “Historic Mile 0”, ou seja o quilómetro zero, preparados para iniciar a jornada pelo famoso “Alaska Highway”.


Quando parámos no local, onde se inicia o “Alaska Highway”, na cidade de Dawson Creek, no Canadá, a que podemos chamar, tal como eu chamo muitas vezes à “nossa” Mansoa e, o “comandante” Luís, apelidou de “Mansoa City”, um “posto avançado de fronteira”, já lá estavam algumas caravanas, motos e outros veículos, alguns vindo da Europa, onde despacham os seus veículos, via Frankfurt/Alifax, viajando depois de avião ao encontro deles, pois muitas pessoas oriundas daquele continente, principalmente alemães, italianos, ingleses ou franceses, têm orgulho em dizer que viajaram no “Alaska Highway”, também se vêm muitos oriundos da Austrália, então as pessoas que viajam de moto, que nós consideramos uns heróis, depois de fazerem o “Alaska Highway” ou o “Dalton Highway”, de que falaremos mais tarde, são considerados pelos seus companheiros, como sendo uns heróis, ou seja, é quase o máximo que se pode exigir a uma pessoa viajando de moto, depois desta aventura fica mais ou menos com a patente de “General”, na linguagem militar.


Esperámos pela nossa vez. Tirámos as fotos da praxe junto do “Historic Milepost 0”, visitámos o local que circunda toda a área, fizemos os últimos preparativos, tanques cheios de gasolina, o do Jeep e mais quatro tanques extras, de cinco galões cada um, água, fruta, pão, mapas organizados, o GPS ligado e, marcado no que julgávamos ser o nosso destino, embora sabendo que em muitas partes do percurso não existe sinal de satélite, que era só uma estrada, não havia que enganar, mas queríamos saber as milhas percorridas a cada instante. Eis-nos na estrada, que começa na cidade de Dawson Creek, no Canadá e se prolonga até à cidade de Delta Junction, onde está o “Historic Milepost 1422”, já no estado do Alaska, continuando para sul, ou para norte, com o nome de “Richardson Highway”, para sul, leva-nos à cidade de Valdez, para norte, leva-nos à cidade de Fairbanks, onde se encontra o “Historic Milepost 1520”, que nos diz que percorremos mais ou menos 2500 quilómetros de terra, lama, pedra miúda ou graúda, algum alcatrão, riachos, buracos com água, alguns com dimensões para tomar banho, pontes em reparação, onde passa só um veículo de cada vez, entre outras coisas, a espera pelo “Carro Piloto”, que nos guia por uma determinada distância, onde não temos autorização de nos desviarmos da rota do referido carro.


Mas nem tudo são coisas más, pois a paisagem é de outro “planeta”, temos a oportunidade de apreciar, algumas planícies, montanhas, “glaciares”, aves e outros animais selvagens, lagos, rios revoltosos, alguns de água quente, árvores, vistas de montanha que não se tem oportunidade nunca na vida de um ser humano ver, a não ser viajando no “Alaska Highway”.


O “Alaska Highway”, a quem também chamam, “Alaskan Highway”, “Alaska Canadian Highway”, ou simplesmente “ALCAN Highway”, foi construído durante a “World War II”, (Segunda Guerra Mundial), com o propósito de haver uma via de comunicação terrestre entre os USA e o estado do Alaska, passando pelo Canadá.


A sua construção começou no ano de 1942, pois o ataque do Japão à baía de Pearl Harbor, no Hawai, começou um teatro de guerra no oceano Pacífico, com o Japão a querer avançar para ocupar a costa oeste dos USA, incluindo as “Aleutian Islands”, que se situam também na parte oeste do Alasca. Assim, no dia 6 de Fevereiro de 1942, o congresso dos USA, aprovou a sua construção e, o presidente Franklin D. Roosevelt mandou começar as obras uns dias depois, o Canadá concordou com a condição de a construção ser financiada pelos USA e, no final, a estrada e todas as facilidades dela provenientes, ficassem propriedade do governo do Canadá.


Oficialmente a sua construção começou em Março de 1942, depois de centenas de peças de equipamento de construção de estradas terem sido transportadas com uma certa prioridade por comboios da “Northern Alberta Railways”, com o pessoal do “U. S. Army Corps of Engineers”, (Corpo de Engenheiros do Exército dos USA), que é uma agência federal, que em conjunto com o “Major Army Command”, (Comando Maior do Exército), que integrava alguns milhares de pessoas, civis e militares, que ainda hoje estão associados à construção de barragens, canais, ou protecção contra inundações ou outras catástrofes, não só nos USA, como em diversas partes do mundo, juntamente com o mesmo departamento do estado do Canadá, a trabalharam arduamente, pois havia notícias que o Japão queria invadir Kiska Island e Attu Island, na região das “Aleutians Islands”. Tudo tinha que ficar completo antes que chegasse o inverno, uns começando pela parte do norte/oeste e outros pela parte do sul/leste, encontrando-se em Setembro do mesmo ano, na “Históric Milepost 588”, que depois foi chamada “Contact Creek”.


Em Outubro do mesmo ano estava completa e, quero mencionar algumas curiosidades, uma foi, que não existe, em todo o seu percurso, um único túnel, tudo foi feito à pressa, à luz do dia, improvisando, com os recursos que na altura havia, fazendo todas as curvas, que o acidentado do terreno mostrava, em algumas zonas, não sendo possível seguir, rasgavam o lado das montanhas, de onde tiravam terra, cascalho ou pedra, para colocar em alguns terrenos mais baixos, que eram alagadiços. Outra curiosidade, foi que durante a sua construção foi chamada de “Oil Can Highway”, dado o grande número de latões vazios de óleo e outros combustíveis, que iam ficando para trás, marcando o progresso da estrada. Também devemos recordar que foi construída, quase toda, com muito trabalho físico, onde era usada a pá, picareta e a vagoneta, também movida com esforço físico, por homens, do tempo dos nossos pais ou avós, pois nos dias de hoje, para se estender um fio eléctrico de umas centenas de metros, usam um helicóptero.


Já chega de história, os primeiros contactos com o “Alaska Highway”, foram no início, tal como esperávamos, longas zonas de estrada em construção sinal que daqui a alguns anos, já não vai existir o “Alaska Highway”, pois o progresso vai fazer desta estrada, onde ainda existem as tais pontes originais, que atravessam rios e ribeiros, precipícios, zonas de lagos, animais a atravessarem a estrada, não contentes com a presença humana no seu território e, como dizíamos vão fazer dela uma verdadeira auto-estrada, é o sinal do progresso, já existem povoações que são formadas única e simplesmente por trabalhadores de construção de estradas, com casas transportáveis, tipo “contentor”, onde existem já alguns hotéis, sempre com lotação esgotada, sem qualquer vaga, só para trabalhadores de construção, com oficinas e algumas plantas de cimento e alcatrão, tudo isto nas primeiras 80 ou 100 milhas, mais ou menos, mesmo depois de passar a povoação de Fort St. John, onde comprámos alguma gasolina.


Depois, continuou a aventura, parando aqui ou ali, umas vezes por obras de reparação na estrada, onde o inverno, com avalanches de neve, ou forte corrente de água, onde os rios cresceram destruindo parte da estrada, principalmente junto de algumas pontes, outras vendo a paisagem, chegando à povoação de Fort Nelson, “Historic Milepost 300”, onde encontrámos alguns dos aventureiros das motas que connosco estiveram na cidade de Dawson Creek, pela manhã, sujos, molhados, mas alegres, trocando a corrente das motas, dizendo que nesse mesmo dia, se iam aventurar até à povoação de Liard River.


Nós, com o Jeep e a Caravana, bastante sujos, mas em boa condição de andar, depois de ver muitos ursos pretos e castanhos, lobos, muitos búfalos, aves e outros animais a atravessarem a estrada, ou a fugirem a esconder-se no interior das matas que circundam a estrada, rios selvagens, montanhas com neve, cascatas de água pura, resolvemos acampar na região de “Muncho Lake”, “Historic Milepost 456”, mesmo à beira do lago, com água também pura, vinda dos “glaciares”, que se pode beber. Aqui preparámos uma refeição com vegetais e conservas portuguesas e vinho também português, dormimos na nossa Caravana e, quando abríamos a porta, deparávamos com um cenário de montanha e lagos que talvez custasse “um milhão de dólares”, mas que não era possível ver, se não nos tivéssemos “arrojado” a esta aventura.

Neste dia percorremos 489 milhas, com o preço da gasolina a variar de $1.78 a $1.98 dóllares o litro.

Tony Borie, Agosto de 2014
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13606: Bom ou mau tempo na bolanha (65): Da Florida ao Alaska, num Jeep, em caravana (6) (Tony Borié)

6 comentários:

José Botelho Colaço disse...

Obrigado Tony por mais uma lição histórica, confirmada com magnificas fotos actuais.

Um abraço
Colaço.

Cesar Dias disse...

Também eu te agradeço Tony, ficamos a conhecer uma zona do globo, que nem por sombras viriamos a ter essa hipótese.
Um abraço e não pares.

César Dias

JD disse...

Olá Tony,
Que inveja sinto dessa extraordinária viagem. Não que ela contenha surpresas do tipo raid-aventura, mas pelo enorme envolvimento natural, a que só a highway compromete a naturalidade. De resto, estará lá tudo. As montanhas com cumes nevados, a floresta com as suas diversidades, os rios e os lagos, os ursos, as cabras, os bisontes, e certamente, uma multiplicidade de aves. O preço da gasolina é que me parece bastante elevado para o que era costume na América.
Faço votos de boas viagens. Com um abraço
JD

Anónimo disse...

Tony

É lindo tudo o que tu envias. Obrigado por esta tua dedicação.

Somos da mesma altura 64/66. Tu em Mansoa, eu em Porto Gole:Pertencias ao Bat. do Braancanp Sobral?Um abraço,
Jorge Rosales

imigrante reformado disse...

Bom dia, companheiros.
Os vossos simpáticos comentários, "tocam-me", obrigado, pois não só a guerra nos uniu, outras coisas nos vão acontecendo para que voltemos ao convívio!.
Ao José Colaço, ao Cesar Dias, ao José Diniz e a todos os companheiros, desejo do coração bom tempo para todos!.
Agora, se me permitem quero dirigir-me ao Comdt, José Rosales:
É uma honra receber um comentário seu, nunca tive a honra de conviver consigo, mas pelos escritos do José Dinis, que fala sempre directo, sem "ses" nem "mas", não esconde nada quando escreve, não lhe importa que gostem ou não, vejo que deve de ser uma pessoa que merece o respeito dos companheiros que comandou em cenário de guerra, portanto devia de ser uma personagem, em que o homem, para si, estava acima do militar, e lá na guerra da Guiné, tentava, tal como todos nós, sobreviver e, ser o mais homem possível, deixando de ser militar, claro, quando as ocasiões surgiam, que infelizmente não eram muitas!.
Cmdt Rosales, permita-me que o trate assim, eu pertencia ao Comando do Agrupamento 16, que estava estacionado em Mansoa, era um comando com muitos graduados, só meia dúzia de cabos e soldados, tinha-mos o nosso cmdt, que era o Coronel Pinto Soares, de quem guardo muito boas recordações, porque na Guiné, me salvou das garras da Pide, e mais tarde me auxiliou a fugir para aqui, também lá estava o Bat. Art 645, do Braancamp Sobral, que adorava a saudação e, era muito respeitado.
Um abraço e, um dia vou aos vossos convívios, assim como aos do nosso blogue!.
Tony Borie.

imigrante reformado disse...

Bom dia, companheiros.
Os vossos simpáticos comentários, "tocam-me", obrigado, pois não só a guerra nos uniu, outras coisas nos vão acontecendo para que voltemos ao convívio!.
Ao José Colaço, ao Cesar Dias, ao José Diniz e a todos os companheiros, desejo do coração bom tempo para todos!.
Agora, se me permitem quero dirigir-me ao Comdt, Jorge Rosales:
É uma honra receber um comentário seu, nunca tive a honra de conviver consigo, mas pelos escritos do José Dinis, que fala sempre directo, sem "ses" nem "mas", não esconde nada quando escreve, não lhe importa que gostem ou não, vejo que deve de ser uma pessoa que merece o respeito dos companheiros que comandou em cenário de guerra, portanto devia de ser uma personagem, em que o homem, para si, estava acima do militar, e lá na guerra da Guiné, tentava, tal como todos nós, sobreviver e, ser o mais homem possível, deixando de ser militar, claro, quando as ocasiões surgiam, que infelizmente não eram muitas!.
Cmdt Rosales, permita-me que o trate assim, eu pertencia ao Comando do Agrupamento 16, que estava estacionado em Mansoa, era um comando com muitos graduados, só meia dúzia de cabos e soldados, tinha-mos o nosso cmdt, que era o Coronel Pinto Soares, de quem guardo muito boas recordações, porque na Guiné, me salvou das garras da Pide, e mais tarde me auxiliou a fugir para aqui, também lá estava o Bat. Art 645, do Braancamp Sobral, que adorava a saudação e, era muito respeitado.
Um abraço e, um dia vou aos vossos convívios, assim como aos do nosso blogue!.
Tony Borie.