domingo, 2 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13838: Memórias de Gabú (José Saúde) (43): Delegação do PAIGC em Bafatá. O tempo de afirmação.



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.


AS MINHAS MEMÓRIAS DE GABU

Camaradas,

Delegação do PAIGC em Bafatá
O tempo de afirmação


Na minha conceção, admitindo opiniões porventura contrárias, a afirmação do PAIGC no seio da população não assumiu cunhos de verdadeiro repúdio. A forma pausada como os guerrilheiros lidaram com a conjuntura foi, digamos, estudada ao pormenor e a sua aparição pública objeto de saudação.

Reconheço, contudo, que a sua aceitação não terá sido literalmente assumida com unanimidade. Havia quem exercesse cargos de obediência à tropa da Metrópole, logo a sua posição apresentava-se dúbia.

Rezam os anais da história que os então subservientes rapazes que há muito pisavam os nossos trilhos e que eram, somente, “irmãos de sangue” da tribo IN, se questionavam sobre o dia de amanhã: Qual será o meu futuro?

Não vou, por razões lógicas, debruçar-se sobre a tese do “dia seguinte”. E da Guiné têm-nos chegado ao longo dos anos de Independência as mais díspares notícias. Relatos horrendos. Alguns impensáveis e sobretudo inaceitáveis. A luta entre etnias tem levado a conflitos internos sangrentos e cujos registos são-nos hoje conhecidos.

Neste indulto de questões concertadas, o meu propósito é deixar explícito que no pós Revolução de Abril, aquela dos Cravos que teimam paulatinamente murchar neste País livre e outrora sonhado, o PAIGC assumiu o comando político do território e a Guiné tornou-se um país independente.

Desses tempos de delírio, a que acresce a chegada dos guerrilheiros à cidade, guardo no meu álbum de recordações uma foto com uma delegação do PAIGC, em Bafatá, onde não faltava a bandeira – vermelha, amarela e verde - e sua enorme fogosidade ante um povo que começava a aprender as leis do novo regime.

Olhava para as suas caras e interrogava-me: Serão estes alguns dos rostos com os quais combatíamos no terreno? Ficava a dúvida. Talvez, a certeza!

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523
___________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


2 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro amigo José Saúde

Trata-se, sem dúvida, de uma foto interessante.

No final interrogas-te se alguns dos fotografados não estariam 'do outro lado' dos combates. Provavelmente sim, pelo menos alguns deles.

Mas naquele momento isso era o que menos importava. Estavas a assistir, ao vivo e a cores, 'in loco' aos primeiros passos do que deveria ser um "começo auspicioso de uma nova nação".

Sabemos que assim não foi. Naquele momento talvez alguns pudessem antever, ou suspeitar, mas não era visível (ainda) o que depois sucedeu.

Como dizes, não é aqui o local para se tecer considerações políticas sobre os acontecimentos subsequentes aos 'dias da foto'. Na ocasião retratada tudo indica que as coisas se passaram com dignidade, que "foram estudadas ao pormenor e a sua aparição pública objecto de saudação" e portanto, nesse tempo, nessa hora, a esperança era uma coisa viva. Depois.... bem, depois, é outra história....

Abraço
Hélder S.

Cherno Balde disse...

Caro amigo Jose Saude,

Um texto e uma fotografia que retratam num flash um momento decisive. Tudo estava meticulosamente delineado, preparado ao pormenor porque o PAIGC sabia que era o momento certo e nao podiam falhar.

De notar que na zona leste, onde a maioria da populacao era fula, os Bigrupos que fizeram os primeiros contactos, na sua maioria, eram comandados pessoas da etnia Balanta, isto para nao acordar os instintos tribais caso fossem mandingas.

Todavia, nao concord com a tua frase que diz "A luta entre etnias tem levado a conflitos internos sangrentos e cujos registos são-nos hoje conhecidos".

Felizmente, nenhum dos conflitos que marcaram a vida do pais foi de natureza claramente tribal, mesmo se a sua sombra nunca deixou de pairar no ar.

Abracos amigos,

Cherno AB.