terça-feira, 4 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13844: (Ex)citações (246): Encontros imediatos do 3º grau... Eu e o roqueteiro, cubano, de Ponta Varela, na véspera de ir de férias para Lisboa... (Jorge Araújo, ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime, 1972/74)


Guiné > Bissau > Aeroporto de Bissalanca > 5 de fevereiro de 1973 > O Jorge, depois de um encontro imediato do 3º grau... "Momento de descontração, antes do embarque na TAP para gozo do segundo período de trinta e cinco dias de férias. A mala vermelha, outra companheira que me acompanhou durante o serviço militar de três anos, está hoje cheia de histórias e de memórias". (JA)

Foto: © Jorge Araújo (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]

1. No dia 30 de outubro passado, mandei ao Jorge Araújo a seguinte mensagem:


Jorge: Antes de mais, e falando do futuro: boa continuação dos teus altos estudos...

Voltando ao passado, dá uma vista de olhos a este poste com mais um capítulo da história do BART 3873 (*)... Onde se fala em: (i) "desmoralização" da CART 3494, explorada pelo IN em Mansambo; e ainda de (ii) cubanos na Ponta Varela...

Ouvi dizer (, o Espírito Santo de orelha,) que tiveste um encontro imediato do 3º grau com um destes "revolucionários internacionalistas"... Es verdad ?

Bj para  tua senhora doutora. Um abraço fraterno para ti, Luis

PS - Vou abrir uma série "Postos Escolares Militares"... Excelente o teu álbum... Dei um "retoque" às fotos, como deves ter reparado... Ob


2. Resposta imediata do Jorge:


Caro Luís; Quanto aos estudos (actividade académica), estou a precisar de reforma (...)

Relativamente ao assunto mais polémico... si, es verdad...

O último texto que te enviei (...), com o título «A Actividade Operacional da CART 3494...» (**), relata a minha última missão no Xime [, antes de irmos para Mansambio] , ocorrida em 3 de fevereiro de 1973.

Como podes confirmar, refiro que estive frente a frente com um elemento IN. Não está explicito (não podia estar) o desenvolvimento da "coisa", mas de certo modo está implícito. Quando dei de caras com ele, hesitei, pois a cor da pele era semelhante à minha. Deixei de ter dúvidas quando tomei consciência do modelo de camuflado e da arma (RPG7). Depois... aconteceu!

Deste episódio, decidiu o cmdt do BART [3873] dar-me um louvor, que consta na minha caderneta  militar, com todos os detalhes, mas sem fazer referência às origens do IN, nem tampouco me informaram ou consultaram, uma vez que estava de férias em Lisboa. Depois, o meu louvor foi atribuído pelo Brigadeiro, comandante militar.

Por isso, quando na HU, do mês de abril, se refere a presença de cubanos em Ponta Varela, já eu tinha confirmado tal... em 3 de fevereiro de 1973. Mais detalhes... é só pedires. (...)



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime >  CART 3494 (1972/73) > Os segredos das matas...

Foto: © Jorge Araújoi (2010). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


 3. Transcrição do relato desse encontro imediato do 3º grau (**)

(...) A Acção Guarida 18 –– Xime, 3 de fevereiro de 1973: a minha última missão, entre a Ponta Varela e Lisboa

Reza o documento dactilografado da História da Unidade [BART 3873], no 10.º fascículo, fevereiro de 1973, ponto 74 (...) o seguinte:

(...) “Acção Guarida 18,  de 030500 a 031130 com patrulhamento, emboscada e montagem de armadilhas na região de Pta Varela. Intervieram 03 Gr Comb da CCAÇ 12 e 03 (-) da CART 3494. O IN teve 02 mortos e 01 ferido confirmados e as NT 01 ferido ligeiro” (...)

O que seguidamente se relata traduz a verdade dos factos vividos na primeira pessoa, e é nessa qualidade que tomei a iniciativa de os tornar públicos, com o objectivo de ampliar os elementos historiográficos da minha CART 3494 / BART 3873.

Tomei conhecimento desta (...) operação na véspera, dia 2 de fevereiro de 1973, 6.ª feira, de modo informal (...), directamente do meu  Cmdt de Companhia. Registei a informação e,  na sequência do diálogo que estabelecemos,  recordei-lhe que tinha sido combinado entre nós que pela manhã do dia seguinte, sábado, seguiria para Bafatá com o objectivo de apanhar transporte aéreo para Bissau e depois para Lisboa, esta viagem agendada para o dia 5 (...) , data do início do meu segundo período de férias.

Entretanto, para minimizar eventuais prejuízos que pudessem vir a ocorrer por redução do tempo útil até ao embarque para Lisboa, foi acertado novo compromisso. Este sugeria que antes do início da operação, deixasse tudo preparado com “mala feita” para que, após a sua conclusão, seguisse de imediato para Bafatá ainda a tempo de se concretizar o plano anterior. E foi isto o que veio a acontecer.

No sábado de madrugada, dia 3 (...), do aquartelamento do Xime saiu uma força mista de cerca de cento e trinta militares, entre guineenses e continentais, operacionais da CCAÇ 12 e CART 3494 (,,,)

(...) Em determinado momento do itinerário utilizado pelas NT, na zona da Ponta Varela, na parte inferior (sopé) de um terreno com declive acentuado, avistei um elemento do PAIGC, com farda escura, vagueando por ali aleatoriamente. Ainda lhe fiz sinal do cimo do declive mas não sei se me viu, uma vez que a progressão continuava o seu curso… e ele por lá ficou.

Com este facto na memória, e sem certezas quanto ao que deveria ter feito e não fizera, eis que,  percorrida uma vintena de metros (. mais ou menos), ao contornar uma zona de vegetação com passagem por uma clareira, aqui fiquei diante de um outro vulto humano, de camuflado amarelado e portador de um RPG7. 

Ficámos frente a frente a uma distância a rondar os dez metros, havendo ainda tempo para trocarmos olhares, num lapso de tempo que não é possível contabilizar, mas que impunha uma decisão pronta. Ao meu primeiro sinal [tiro] iniciou-se o «jogo de sobrevivência» que caracteriza estes contextos, e de que o episódio anterior me tinha servido de alerta.

Ao ficar sem munições naquela situação [na clareira] ou devido à arma ter-se encravado (?!) [não houve oportunidade para saber a verdadeira razão], procurei proteger-me atrás de uma árvore ali próxima para trocar de carregador, tendo-me caído nas costas, alguns segundos depois, um pequeno tronco dessa árvore, mas sem consequências físicas para além do natural susto. À minha frente, mas próximo da vegetação, o cabo Miranda, especialista de dilagramas, contemplava os acontecimentos em perfeito estado hipnótico [?], pois não saiu da sua posição vertical enquanto decorreu o combate.

A vida na guerra tem destas coisas. Chegado ao aquartelamento, são e salvo, dei cumprimento ao plano pré-definido, seguindo para Bafatá e depois para Bissau, onde pernoitei.  No dia 5 de fevereiro de 1973, lá estava eu no Aeroporto de Bissalanca (...), aguardando, ansiosamente, por outro momento pleno de significado: gozar o segundo período de férias em Lisboa, até ao dia 10 de março de 1973, em família. Era a última etapa do itinerário iniciado na Ponta Varela (Xime) e concluído em Lisboa, quarenta e oito horas depois. (...). (***)



2 comentários:

Anónimo disse...

Vamos..ver

O facto de o dito guerrilheiro ser branco não significa que fosse cubano.

Havia e há muitos cubanos que são negros para além de brancos.. mulatos.. mestiços.

Foram feitos relatos de que existiam nas fileiras do PAIGC combatentes de outras nacionalidades..nomeadamente mauritanos.

Seria interessante tentar saber quais as origens dos combatentes do PAIGC sem serem, como é evidente, guineenses ou caboverdianos.

Da minha experiência no terreno apenas ouvi em "escuta rádio"pessoas a falarem castelhano com sotaque cubano, e na entrega de Gadamael muitos "guerrilheiros" só falarem francês e com aspecto de quem não teria andado na mata..enfim, dá para especular o que se quiser.

C.Martins

Anónimo disse...

Caro Camarada C. Martins,

Como resposta ao comentário, que agradeço, devo referir o seguinte:

1. - Duvidando-se ou não do exposto, o que podemos acrescentar é que nunca desejámos estar nas condições sobreditas. Elas são fruto do "acaso" de que estava impregnado este contexto. Era sempre uma possibilidade [nos dois sentidos].

2. - O que posso acrescentar mais sobre as origens dos guerrilheiros? Pouco... Tendo em consideração o que hoje se sabe sobre a existência de "informantes privilegiados", que levavam e traziam... este caso concreto foi confirmado nos termos em que deixei expresso... Não pudemos ter dúvidas...

3. - A confirmação relatada na HU somente no mês de Abril ficou a dever-se, certamente, ao tempo da circulação das informações [inter e intra] e à organização crono da mesma para publicar.

4. - Sobre o ponto anterior, porque não sei a verdade... é apenas uma mera especulação.

Um abraço,
Jorge Araújo.