Breve interpretação sobre a entrega do Ultramar Português
Camaradas,
O assunto tem sido bastante debatido, embora com mais ou menos profundidade, por vezes até com a exaltação de quem bebeu argumentos das diferentes forças políticas. Já aqui referi que a minha interpretação e sentimento não encaixa nada, antes pelo contrário, nas apressadas justificações de que Portugal exercia a colonização com brutalidade, sem olhar aos interesses dos povos autóctones. Muito evoluía a realidade social ultramarina. Mas também referi que os verdadeiros colonos eram os trusts internacionais; que os antigos governos votaram ao desprezo o progresso daquelas terras e gentes; e que a partir da transição do final da década de 50 para a de 60 do século passado, as duas maiores "províncias" passaram a mostrar invejáveis quadros de desenvolvimento, que em Angola por altura dos anos sessenta atingia os 20% no crescimento económico, e em Moçambique rondava os 10%, enquanto a metrópole exibia com regularidade cerca de 7%, mas em boa parte à custa do mercado de privilégio ultramarino, onde colocava vinho, têxteis, sapatos, azeite, e pouco mais, produtos com que não concorria no mercado internacional, e estavam vedados para qualquer iniciativa na África Portuguesa. Do fluxo de pagamentos pelas matéria-primas exportadas, os cofres do Estado registaram elevadas somas de poupança, que conferiam a Portugal uma situação tão confortável, quanto pagava a guerra e ainda provia à construção de muitos e variados equipamentos (barragens, linhas de transporte de energia, rodovias, caminhos de ferro, pontes e modernização de portos marítimos, hospitais, etc) que dinamizavam ao desenvolvimento equilibrado.
Desde essa altura, com a emergência dos novos ventos da história e de uma frente emancipalista afro-asiática de países que passaram a constituir uma maioria no concerto das nações, maioria inspirada nas teses do socialismo e do comunismo, que os territórios colonizados foram objecto de grossas discussões em fóruns, e de grandes parangonas na comunicação social, sem que alguém ousasse olhar para os autocráticos processos que alcançavam as respectivas independências, e para os cortejos de miséria e indecências que esmagavam as populações e comprometiam as estruturas morais e de desenvolvimento.
É neste pressuposto de confusão entre o equilíbrio das sociedades e a ambição dos jovens líderes autonomistas, que vos quero apresentar alguns parágrafos de uma obra de Amorim de Carvalho, "O Fim Histórico de Portugal", onde ele aborda de forma luminosa o problema da descolonização portuguesa. Depois de afirmar que a existência histórica de Portugal começou com os descobrimentos e manteve-se pela colonização bem caracteristicamente portuguesa, marcada pela autodescolonização de que o Brasil é exemplo, e depois de ter demonstrado também a especialidade dessa colonização, define o que entende por autodescolonização nos seguintes termos: "Quando falei de autodescolonização quis fazer referência a uma tomada de consciência, no colonizador, da sua relação humana com o colonizado. A partir desta tomada de consciência e de uma acção de acordo com ela, a colonização rigorosamente falando deixa de existir... porque os colonos de ontem dão àqueles que eram ontem também os colonizados, o progresso e a civilização, que estes, por si próprios, não foram capazes de realizar no seu próprio território; este território torna-se então comum, de facto e de direito, e uma pátria multirracial"... "A colonização portuguesa foi no seu conjunto histórico - reabilitando-se do que ela pôde ou teve de ser cruel para tornar-se a mais humana de todas - autodescolonizadora no seu próprio processo de relação humana". "Eis o que distingue a independência pela autodescolonização ou aparente descolonização outorgada de um momento para o outro para satisfazer um compromisso ideológico sem fundamento real: o direito dos povos à independência pressupondo uma «consciência nacional» existindo já no povo colonizado".
"Se esta consciência nacional não existir, porque não existe senão uma consciência tribal ou um conjunto de consciências tribais de uma «independência» abandonada aos conflitos entre as diferentes etnias"... "Trata-se de um caso psico-social ou intelecto-moral muito frequente na nossa época, de hipocrisia final diferida porque se concede um direito dos povos à independência que só existe em pura teoria, mas que já se sabe não pode ser eticamente recebida porque o povo colonizado não está preparado para este género de independência" - págs. 88 e 89.
Como sustenta o citado autor, enquanto a descolonização outorgada não passa de hipocrisia e de uma falsa aplicação de um pretenso método democrático, a autodescolonização, através de uma progressiva destribalização dos autóctones, entre os quais se forma uma minoria de elite (enquanto a maioria se encontra ligada às suas tradições, usos e costumes), opera o processo de autodescolonização sob a influência das elites brancas, mestiças e negras, o que permite uma autodeterminação democrática e realista.
Abraços fraternos
JD
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Consultas:
"A Entrega do Ultramar Português e o 4 de Fevereiro de 1961 em Angola", de Álvaro da Silva Tavares;
"A Descolonização da África Portuguesa", de Norrie MacQueen;
"Angola, Anatomia de uma tragédia" e "25 de Abril de 1974 - A Revolução da Perfídia", de General Silva Cardoso.
A primeira das obras citadas está disponível na net.
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Nota do editor
Último poste da série de 21 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15777: (In)citações (86): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 3 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)
8 comentários:
Boa tarde Camarada JD,
Cordiais saudações.
Obrigado, por tua objetiva resenha.
Nós sempre fomos um país de pescadores /piratas/marinheiros do mar oceano (nessa ordem),e,sobretudo comerciantes (ouro,escravos,especiarias...).
Nunca tivemos vocação, nem tamanho para ocupar os imensos espaços que descobrimos para a civilização Ocidental.
Na África, na Ásia e na América, o nosso objetivo sempre foi comerciar,feitorias era o nosso negócio, (ao contrário dos nossos vizinhos de Castela),"arranhando as costas que nem caranguejos), como disse Frei Vicente do Salvador,no século XVII,em relação à América.
Quando no século XIX, as grandes potências coloniais, resolveram ocupar África, lá fomos nós, ousadamente,defender o nosso espaço.
A partir daí, fomos fazendo" o que dava para fazer", e fizemos muito.
Ver a "atabalhoada" descolonização, sem olhar,ese multisecular processo, ficamos somente com a "foto", com prejuízo do "filme" que rodou durante todo esse tempo.
Forte abraço.
VP
Esse ponto de vista da autodescolonização também está bem observado.
Não conheço o autor, mas concordo um tanto com ele, pois que os dirigentes dos movimentos que ficaram a governar, depois de eliminarem as outras hipóteses adversárias, esses dirigentes portugueses naturais de África, alguns até foram da Mocidade Portuguesa e até do exército colonial.
Claro que Amílcar Cabral não foi um Dom Pedro igual ao Brasil, mas podia ser um caso semelhante.
Conforme D. João disse ao filho para tomar conta da terra da Roussef antes que viessem outros, se Salazar tem dito ao Amilcar Cabral a mesma coisa quando este lhe escreveu a pedir a independência era igual ao Brasil, autodescolonização.
E sem esses portugueses, talvez até esses países se viessem a dissolver por falta de coesão nacionalista, pois os outros não passavam organizações tribais.
Mas sem dúvida, colonizámos pouco, explorámos pouco, desenvolvemos pouco, aculturamos pouco, educámos pouo, batizámos pouco, asfaltámos pouco, construimos pouco, porque eramos poucos, mesmo assim foi tudo demais.
Os outros nossos concorrentes europeus fizeram mais que nós? em quê? para quê? e com que resultados?
Faziam duas WC uma brancos outra para pretos, ora porra, para isso não valia a pena ter ido a África, com tanto mato que havia.
Faz hoje 42 anos estava eu com uma tenda de campanha no meio do mato numa picada no sul de Angola, (Cuangar) com um transistor sem pilhas junto ao rio Cubango.
Só ao fim de 4 dias é que alguém passou e me deu a novidade, fiz as malas disse ao meu porta-miras para carregarem machados e ferramentas e aparelhos no Land-Rover e comprei passagens e vim ver ao terreiro do passo o que se passava.
Cumprimentos
Caro Zé Dinis, meu estimado amigo e aprazível comparsa de tantas batalhas de "comes e bebes", lutas que temos vindo a travar inseridos em diversos grupos de combate e de onde temos sempre saído a "gritar vitória":
Quando o autor define historicamente Portugal como país nascido em 1415 e morto em 1975 ... está tudo dito quanto ao valor do título do seu livro: ZERO!
Já não tenho tempo e paciência para ler tal livro, é tempo perdido para mim, já que o seu conteúdo está obrigatoriamente minado por facciosismo conceptual, mesmo que eu pudesse concordar com algumas ideias lá expressas.
Para já o autor mostra não perceber nada de História, a começar pelo conceito do tema. Ou então, o que é mais provável, usou um título simplesmente provocatório e propagandístico de modo a melhor disseminar a sua mensagem.
O "fim histórico de Portugal" por causa da descolonização em 1975 é uma aberração, de conceito e de facto. Portugal nasceu no séc. XII e não morreu no séc. XX.
Quer o autor dizer que Afonso Henriques, Sancho I, Afonso II, Sancho II, Afonso III, Dinis, Afonso IV, Pedro I e Fernando foram reis que não contaram(contam) para a História de Portugal?!!!
Não, o autor sabe muito bem que eles foram reis mas reis de um Portugal sem história, no seu entender. Mas convém-lhe que o seu Portugal importante, com história, comece a seguir com D. João I e seus filhos.
Antes dos descobrimentos, Portugal não tinha importância nenhuma? Sendo assim, porque é que os castelhanos o queriam (lembram-se de Aljubarrota?) e porque é que a casa real inglesa se quis unir com o rei de Portugal, D. João I, casando-o com Filipa de Lencastre?
Que raio de tese é esta que, para satisfazer certos espíritos, quer apagar ideologicamente da História os cerca de 280 anos de Portugal antes dos descobrimentos, muitos desses anos brilhantes para o País, a começar logo com a formação e povoamento do território?!!!
Como é possível que haja mentes portuguesas a pensar assim a História?!!!
E esta impactante premonição de que nada ficará na História de Portugal depois da recente descolonização?
Ah, compreende-se, Portugal já morreu para a História.
Chamo a isto patriotice ou patriotismo de umbigo!
Como vês, Zé Dinis, não critiquei o conteúdo do livro nem as tuas opiniões sobre o tema descolonização. Eu sei que tu sabes que temos "óculos" diferentes para ver este tema. Enquanto não tivermos óculos iguais ... que a discussão nos acicate o raciocínio para melhor nos entendermos.
Abraço
Manuel Joaquim
Caro Rosinha,
Cordiais saudações.
É sempre oportuno lembrar que D. João VI,embarcou com praticamente todo o aparelho burocrático da Corte, e não só (cerca de dez mil pessoas).
Tornou-se Rei do Reino Unido de Porrugal Brasil, Algarves e...etc.
Forte abraço.
VP
Vasco Pires, é verdade que D.João VI, embarcou com os "caixotes" com mais 10000 retornados, mas até aí parecemos nós no 25 de Abril de 1974.
É preciso saber que Angola antes da independência ainda teve tempo de ter dois presidentes da República em Lisboa, Spínola e Costa Gomes.
E isso dos Algarves também correram riscos, não se lembram de M. Soares ministro dos N. Estrangeiros gargantear que em democracia é assim, se o Algarve quiser ser independente...!
Prezado Manuel Joaquim,
Camarada amigo das dificuldades que enunciaste no primeiro parágrafo, confesso que soltei uma sonora gargalhada quando o li. Que bem que faz rirmos um bocado. E para esta semana está aprazado um porcino, que se espera venha tranquilo, sápido, estaladiço, e aromático, que já antevejo a tropa bem treinada e sob a superior orientação do senhor Comandante, e debaixo dos olhos do casal Rodrigues, a rebuscar meios para levar à boca os suínos pedaços que os garfos desajeitados não consigam transportar. A vitória é certa!
Quanto ao teu comentário, não faço por ora qualquer réplica, basta que saibamos tratar as coisas como cavalheiros. Estou convencido, que nós dois saberíamos dar solução a diferentes problemas que nos afectam, sem alimentarmos desconfianças sobre o que seria mais conveniente. Mas para além de nós há muitos interesses que ainda não podemos controlar.
Um grande abraço
JD
P.S. Ao Manuel Joaquim,
Ao contrário de um progressista amigo nosso que carinhosamente me trata de "reaça", a minha formação foi de esquerda, no sentido da política prosseguir o bem comum e o interesse público. Tenho constatado que dos mais vociferantes, aos mais acanhados, quando esses individuos se apanham com algum poder, depressa esquecem as belas palavras que incendiaram paixões revolucionárias, e vão mas é tratar da vidinha. A minha psicóloga, que andou pelas bandas daquele movimento que clamava nem mais um soldado para África, já compreendeu como mantenho uma visão sistemática dos acontecimentos, e sabe que não perfilo com a reacção, mas também sabe que não perfilo com a hipócrisia esquerdista. O que é isso? É o que não fazem as esquerdas para evitar o descalabro nacional, quer pelo controle financeiro (que sai pelas portas escancaradas, quer pelas impunidades a que se aliaram com outros traidores do interesse popular, que prometem hoje para alcançar o podem, e fazem o contrário logo que o detêm.
Azar de Jesus: o Benfica continua a ganhar. Sugere-te alguma coisa esta frase?
Outro abraço com votos de bons sonhos
JD
José Dinis,
Interessante o que escreveste, bem como a transcrição do excerto do livro e a tua conclusão.
Gostei,
Um abraço,
BS
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