terça-feira, 6 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

 
Imagem reproduzido, com a devida vénia, de SNS 24 > Transplante de órgãos (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. O nosso querido amigo e colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau) levantou aqui, a propósito do aproveitamento energético dos fornos crematórios na Suécia (*), uma questão muito delicada e sensível mas muito importante, sobre a colheita de órgãos (e tecidos) para transplante em Portugal...


Para que não restem  quaisquer dúvidas sobre a legislação, a ética e a prática da colheita de órgãos (e tecidos), nomeadamente em dador cadáver, aqui fica, a seguir, um pequeno texto de esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação.

Sobre esta questão da colheita e doação de órgãos e tecidos para transplante já houve, de resto, mais inyervenções dos nossos leitores (Valdemar Queiroz, C. Martins, José Belo, entre outros). É uma questão, por outro lado, que nos interessa a todos porque todos somos potenciais dadores, em vida ou post mortem.


2. Comentários de Cherno Baldé:

(i) Caro José Belo,


Uma técnica muito eficiente que corresponde, também, a uma sociedade muito "avançada" e despida de dogmas religiosos.

Tenho um vizinho, antigo emigrante em Portugal, que regressou definitivamente, porque, segundo ele, não queria ser desposado dos seus órgãos internos depois da sua morte. As razões de fundo, a crença na ressurreição após a morte. Diz-me ele:

- No dia da grande chamada, em que estaremos diante do Senhor, não quero apresentar-me deficiente, incompleto, compreendes? Claro que eu o compreendia. O que compreendo menos é a mentalidade do ocidental que, todos os 100 anos muda de filosofia de vida. (*)


(ii) Caro amigo Luís,

Cada vez mais os nossos emigrantes desconfiam que estejam a "roubar" alguns orgãos aos parentes falecidos em hospitais na capital portuguesa com a justificação de fazer autópsias geralmente não solicitadas.


Há uma vaga de medo em crescendo, sobretudo entre os muçulmanos que vivem com o dilema do medo de morrer em Portugal e a falta de condições de tratamento médico no país de origem.

Em relação aos médicos nos tais hospitais com necessidades gritantes de órgãos para transplante, faz lembrar a história da relação entre os vagomestres e os fulas criadores de gado, durante a guerra na Guiné, que eram sempre muito relutantes a vender o seu gado a tropa. Logo nunca matavam para comer e também não vendiam.

Mas, ainda assim, antes roubados do que cremados. (**)

3. Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação sobre o conceito de Dador Cadáver (Reproduzido com a devida vénia) (***)

Dador Cadáver

Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante, desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores. 

(No caso de se tratar de uma pessoa menor de idade ou mentalmente incapaz, é válida a vontade de quem detenha o poder paternal). 

No entanto, para que possa haver doação de órgãos têm que reunir-se um conjunto de circunstâncias:

● o dador tem que falecer num Hospital;

●  depois de se verificar a paragem irreversível das funções cerebrais ou cardio-respiratórias, o corpo tem que ser mantido artificialmente, desde o momento da morte até ao momento da extracção dos órgãos,

● é necessário que se conheça, com exactidão, a causa da morte.

Não são aceites como dadores indivíduos que sejam, na altura da morte, portadores de uma doença infecto-contagiosa, de um tumor maligno ou de uma doença com repercussão nos órgãos a transplantar. 

Também são contra-indicações, embora relativas, para a doação, uma história clínica de Hipertensão Arterial, de Diabetes ou a idade avançada.

No que respeita à idade, os dadores mais desejáveis são os que têm entre 15 e 55 anos, mas a idade é valorizada caso a caso, de acordo com o tipo de órgão a utilizar e com o conhecimento da história clínica do dador.

Uma vez certificada a morte, e se o cadáver tiver características adequadas à doação (ou seja, se os seus órgãos puderem ser úteis para curar ou melhorar a saúde de outras pessoas), o coordenador hospitalar para a transplantação tem a obrigação de se informar, por todos os meios ao seu alcance, sobre a vontade expressa em vida por aquele indivíduo em relação à doação. Para este efeito, são consultados o Registo nacional de Não-Dadores e, sobretudo, os familiares próximos do falecido.

No caso de não existirem objecções, prosseguir-se-á com o procedimento de colheita. O que acontece depois da extracção de órgãos ou tecidos de um cadáver? 

Não há qualquer diferença em relação a outra morte em contexto hospitalar. A extracção de órgãos ou tecidos é feita num Bloco Operatório, em condições de assepsia, e consiste numa intervenção cirúrgica realizada por uma equipa médica e de enfermagem especializada.

O corpo não fica desfigurado e é sempre tratado com o máximo respeito. Depois desta intervenção, o cadáver é transferido para a morgue do hospital, como qualquer outro cadáver. 

Quanto aos órgãos colhidos, são mergulhados num líquido de preservação e enviados para o hospital onde irá ser feito o transplante.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]


4. Segundo notícia do SNS, de 16/7/2020, e com base em d
ados divulgados pelo IPST - Instituto Português do Sangue Transplantação,  "o número de órgãos transplantados atingiu os 878 em 2019, mais 49 (5,9%) face ao ano anterior, tendo o transplante pulmonar registado o maior aumento de sempre". 

(...) “Os resultados da atividade nacional de doação e transplantação de órgãos em 2019 foram globalmente positivos, seguindo a tendência crescente dos últimos cinco anos”, refere o IPST em comunicado.

“A doação de órgãos (total de 430 dadores) manteve a sua tendência ascendente, com uma subida de 3,4%”, adiantam os dados da Coordenação Nacional da Transplantação, adiantando que as causas de morte, no dador falecido, foram em 80% dos casos por doença médica e destas, 82% por acidente vascular cerebral.

O IPST observa que, em 2019, se atingiu um novo limite com o dador mais idoso, com 90 anos, que foi dador de fígado e o órgão foi transplantado com sucesso. (...).

4 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Infelizmente, mano Cherno Baldé, estão a alastrar pelo mundo fora as "fobias étnicas e religiosas": no ocidente, a islamofobia, nos EUA a sinofobia, em África se calhar também a eurofobia...Temos que estar muito atentos para poder prevenir e combater todas estas formas de intolerância, racismo e xenofobia...E aqui no blogue temos que ter redobrados cuidados com o que escrevemos...

Em relação à Guiné-Bissau, como sabes, há um acordo de cooperação com o nosso SNS - Serviço Nacional de Saúde. Não sei exatamente como está a funcionar. Mas tem sido fundamental para salvar vidas.

Cito, por exemplo, uma notícia da agência Lusa, de 7 de março de 2019: "O primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Aristides Gomes, afirmou hoje que mais de três mil guineenses fazem hemodiálise em hospitais portugueses, defendendo que esta realidade tem de ser alterada com a instalação de máquinas no país."

https://www.dn.pt/lusa/mais-de-tres-mil-doentes-da-guine-bissau-fazem-hemodialise-em-portugal---pm-guineense-10655912.html

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,
Fico muito agradecido e sensibilizado pela informaçao agora disponibilizada pelos nossos formidaveis editores que desconhecia totalmente. De facto a questao parece superflua, mas so aparentemente, pois mexe com a sensibilidade de muita gente que nao raciociona no mesmo quadro logico que o standart europeu, designadamente os nossos meigrantes em terras lusas.

A Sociedade Portuguesa de Transplantação sobre o conceito de Dador Cadáver (Reproduzido com a devida vénia) (***) diz-nos que, em Portugal:

« Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante, desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores ».

« No entanto, para que possa haver doação de órgãos têm que reunir-se um conjunto de circunstâncias:

Uma vez certificada a morte, e se o cadáver tiver características adequadas à doação (ou seja, se os seus órgãos puderem ser úteis para curar ou melhorar a saúde de outras pessoas), o coordenador hospitalar para a transplantação tem a obrigação de se informar, por todos os meios ao seu alcance, sobre a vontade expressa em vida por aquele indivíduo em relação à doação. Para este efeito, são consultados o Registo nacional de Não-Dadores e, sobretudo, os familiares próximos do falecido”.


As questoes que se podem por sao:

1. Do ponto de visto juridico (do direito):
- Quem é o responsavel para a difusao/vulgarizaçao da informaçao sobre esta questao, que diz respeito a toda a sociedade portuguesa inclusive os cidadaos estrangeiros residentes neste espaço territorial, e, quantas pessoas estariam informadas sobre esta questao melindrosa ?

- De que forma resultou a tomada desta decisao que tem um impacto geral na sociedade portuguesa e residentes estrangeiros ; Uma consulta ? Um referendo ?

2. Do ponto de vista Etico e moral :
- Nao seria mais ético e humano criar um Registo Nacional de Dadores em vez do Registo Nacional de Nao-Dadores (uma autentica ratoeira para humanos)?

Afinal, da forma como o sistema esta montado, havera poucas hipoteses para que cidadaos portugueses da classe media/baixa, mas sobretudo os emigrantes oriundos de paises do terceiro mundo possam defender o direito a inviolabilidade dos seus defuntos familiares, de forma que, os nossos emigrantes so o conseguem ver como simples actos isolados de «roubo» de orgaos que, na realidade, trata-se de «roubo» antecipadamente legalizado, num estado de direito, laico e democratico. Beleza.

Quase, quase em nada seria diferente do eficiente sistema sueco de incineraçao ou cremaçao, visto de um outro angulo. Talvez o José Belo nos possa esclarecer em que moldes se efectua a selecçao dos «candidatos» na Suécia, se por «Registo de Dadores» ou pelo «Registo de Nao Dadores» cujos os resultados podem ser dispares.

Esta questao nao tem nada a ver com a intolerancia, racismo ou xenophobia, mas sim com questoes de ética, de direitos e de humanidades. E o que vai expresso é um ponto de vista, uma opiniao pessoal que nao implica ninguém para além de mim e nao vem defender nenhuma causa nacional, etnica, ou outra qualquer.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Anónimo disse...

Caro CHERNO

Praticamente desde a independência da Guiné, que existe um acordo "bilateral" entre Portugal e a Guiné para o tratamento de cidadãos guineenses em Portugal.
Recordo-me que em 1983, o primeiro doente com HIV2 em Portugal era um cidadão guineense, e era meu doente no H. Egas Moniz.
Desde essa altura que muitos guineenses têm sido tratados em Portugal.
Lamento dizê-lo, mas qualquer cidadão estrangeiro tem que se submeter à legislação portuguesa estando em território nacional, independentemente das suas crenças religiosas, éticas, ou outras.
Se há desconfiança por parte de alguns, sem qualquer justificação, diga-se, porque felizmente o estado português é um estado de direito.

É EXPRESSAMENTE PROIBIDA QULQUER RECOMPENSA MONETÁRIA E O DADOR FICA PARA SEMPRE INCÓGNITO, SENDO SÓ DO CONHECIMENTO DO MÉDICO RESPONSÁVEL, QUE É OBRIGADO A SEGREDO PROFISSIONAL.

Lembro ainda que é o contribuinte português que paga todas as despesas de internamento e tratamento, sendo algumas bastante dispendiosas.
Se o doente for menor pode ser acompanhando por um dos pais sendo também essa despesa suportado pelo estado português.
Fico incomodado pela falta de reconhecimento de alguns.
Sei de algumas situações que ao se prolongarem no tempo os tratamentos, os respetivos cidadãos aproveitaram para residirem definitivamente e até adquirirem a nacionalidade portuguesa.
Muito mais tinha a dizer, mas pagamos a nossa sina de termos sido exploradores, esclavagistas, opressores, colonialistas, e outros "istas" dos povos africanos e não só.

AB

C.Martins

Anónimo disse...

Mais uma sina que recai sobre nós, e a ingratidão grassa como a blasfémia.
Carlos Martins diz tudo e está tudo dito.Bem como o luis Graça retrata os números de Hemodiálise.Se acrescentarmos outros números de doentes tratados em Portugal incluindo milhares de operações.Haverá mais recriminações sobre a atitude dos portuguese?Enfim é este o preço a pagar.
Carlos Gaspar