sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21633: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (14): Gampará, Natal de 1973: o bolo-rei da Confeitaria Nélia, Esposende, e a fava azarenta

1. Mais uma pequena história do 
Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, defurriel mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974;

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 17 referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.


O bolo-rei de Natal e a fava azarenta…

por Carlos Barros (*)


Em novembro de 1973 , o furriel Barros, instalado em Gampará, com a 2ª Cart, 3º grupo de combate, escreveu uma carta à sua mãe, Jandira Lima, em Esposende, para que lhe fosse enviad, para a Guiné, um bolo-rei da Nélia [, confeitaria que ainda existe: R. 1.º de Dezembro, nº 24, 4740-226 Esposende, telef: 253 961 119] ou mesmo da Primorosa.

Numa comunicação breve aos soldados do seu  3º grupo, o Barros tinha informado que a malta iria ter um bolo-rei, no período do Natal, o que criou uma certa euforia entre os soldados..

Os soldados vibraram de contentamento e um bolo-rei na Guiné era “ouro sobre o azul” num ambiente de sobressaltos, sofrimentos, ansiedades,  de tragédias e de dramas que envolvia  toda a actividade da guerra.

Passados quinze dias, o bolinho, numa longa viagem, chegou ao aquartelamento, depois de uma longa demora, nos serviços do SPM de Bissau.

O Barros parecia um “empresário de pastelaria” e, sempre com o seu elevado sentido de partilha, reuniu, no dia 23 de dezembro [de 1973], os soldados em  círculo,  e dividiu o bolo-rei em 27 bocadinhos, bem cortadinhos e apresentou uma proposta sentenciosa a todos os presentes:

A quem saísse a fava,  teria de pagar, um próximo bolo-rei que seria comprado em Bissau, de qualidade muito inferior, como é natural, ao  da Nélia, uma pastelaria de excelência a nível local,  mesmo, em todo o  Norte do País.

 As fatias “magricelas”  foram divididas por todos os soldados que começaram a mastigar o bolo, cada um olhando e inspeccionando as bocas com a expectativa de saída da “abominável” fava …

 O Barros, muito atento, num ápice, sentiu  na boca ressequida a maldita  fava e pensou logo que estava “desgraçado”,  pois iria ser gozado por todos e não estava em questão pagar outro bolo, apenas receava ser colectivamente gozado, o que era a “praxe” no meio do grupo.

O Barros pensou de imediato, em sair daquela incómoda situação e sabem o que fez ele?

 Engoliu a fava que foi directamente para o estômago e, mais tarde,  expelida pelos intestinos, e o ânus está como testemunha,

O Cruz, soldado natural de Barcelos, gritou:

 Furriel, o bolo não tinha fava e você disse que vinha sempre com uma fava!...

O Venâncio, o Pedralva, o Domingos e o Araújo estavam muito desconfiados mas nada disseram, limitando-se a saborear o ressequido bolo-rei que estava a ser digerido muito lentamente, quase que “ruminando”, para que o sabor demorasse mais um pouco porque guloseimas, no aquartelamento, praticamente não existiam.

 − Olha, Cruz, o pasteleiro esqueceu-se de colocar a fava e não sei o que se passou  desculpou-se o Barros, com um ar de comprometido!...    Sabem, o Geninho,  pasteleiro da Nélia,  o melhor pasteleiro da região, não se lembrou de colocar a fava e com tantos bolos-rei que faz, este escapou. 

E acrescentou, com o ar muito natural:

 Sabem que  o Geninho, faz uns torrões de amendoim que são “os melhores do mundo”, e podem crer que, quando for de férias a Esposende, vou-vos trazer torrões da Nélia −  prometeu o Barros tentando atenuar a expectativa que os soldados tiveram  da famosa “fava invisível”.

Uma coisa é certa, o Barros só contou a história passados uns meses aos seus companheiros  da caserna que acharam muita graça à atitude do furriel que se tinha “safado” de um gozo geral.

No final, todos se levantaram, com a cadela Sintra a comer umas míseras migalhas que tinham sobrevivido, e estava-se na hora do jantar com os cozinheiros Eduardo, o Rochinha e o Bichas, este na Messe, já com a missão cumprida, junto aos panelões para se distribuir  a comida.

Gampará, 23 de dezembro de 1973.                                  

Carlos Barros

Esposende 10 de Junho de 2020

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5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


Sobre a história do bolo-rei, ver aqui:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Bolo-rei

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos:

Engoliste só a fava ? E tens mesmo a certeza que ela saiu ?...

Uma bela história de Natal para a nossa série "O meu Natal no nato"... Temos mais de 7 dezenas de referências com este marcador...

Festas, boas e quentes!... LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Temos aqui outra história, engraçada, de um bolo-rei

24 DE DEZEMBRO DE 2007
63/74 - P2378: O meu Natal no mato (11): Saltinho, 1972: O melhor bolo rei que comi até hoje, o da avó Clementina (Paulo Santiago)



(...) A minha avó Clementina, avó materna, resolveu enviar-me, por encomenda postal, um bolo-rei, dirigido para o SPM de Bambadinca. Como chegou após o dia 24, reenviaram-no para o SPM 3948 (era do Pel Caç Nat 53). Chegou ao Saltinho, já tinha vindo eu para Bissau. Reenviaram a encomenda para Bambadinca, acabando por receber o bolo-rei em meados de Janeiro. Estava duríssimo, mas...foi o melhor bolo-rei que comi até hoje.(...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, passa pela Confeitaria Nelia e saca de lá um bolo-rei para comeres com os amigos e camaradas de Esposende...a pala da publicidade que fizeste... fizemos...A casa...Ainda é bom ? Festas Boas e quentes.LG.

anónimUM disse...

Amigo Barros,
Apesar de não ser de Esposende, mas sim natural de Braga, é aqui que moro. Conheço o concelho de Esposende há muitos anos. Desde muito criança. Tendo passado primeiro por Fão, depois Apúlia e finalmente Esposende (cidade), onde de quando em vez o avisto na Lota por volta das 10,30/11 horas.
Para terminar, permita que lhe diga que também estive na Guiné entre Abril de 1972 até ... talvez Setembro de 74. Isto porque estive internado no hospital de Bissau.
Cordialmente
Nuno Soares da Silva
nmbssilva@gmail.com