segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21618: Facebook...ando (57): Confúcio e o confucionismo, ontem e hoje: visita ao templo de Pingyao, 2011 (António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)





República Popular da China > 平遥 Pingyao  > 2011 > Templo de Confúcio


Texto (e fotos):  © António Graça de Abreu (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com a devida vénia ao autor, nosso amigo e camarada,  reputado sinólogo, um texto muito interessante sobre o templo de Pingyao, dedicado a Confúcio.


António Graça de Abreu, ex-alf mil, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa, Cufar, 1972/74), autor de "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp), de que já publicámos no nosso bogue dezenas e dezenas de excertos; tem já perto de 270 referências no nosso blogue; é um incansável viajante, já deu duas voltas ao mundo em cruzeiro; escritor, divulgador da cultura e civilizaçao chinesas; tradutor, premiado, da poesia clássica chinesa,


Facebook > António Graça de Abreu > 24 de novembro às 16:38 


Pingyao, China quase esquecida, província de Shanxi, na minha leitura, no Verão de 2011. Chuva no templo de Confúcio, cidade de 平遥 Pingyao

Chovia desalmadamente. A água do Verão caía abundante e certinha sobre os velhos telhados deste espantoso burgo de Pingyao, vestusta cidadezinha com 2700 anos de História. A chuva encharcava tudo, molhava as gentes até ao tutano do osso. Eu tinha o dia inteiro para mim e saí de manhã cedo, de guarda-chuva lilás decorado com flores (uma útil mariquice que comprei lá mais a norte, em Datong!) e os sapatos grossos de sola de borracha transformados em provisórias galochas.

Há dez anos atrás, quando da primeira estada em Pingyao, o visita ao templo de Confúcio havia-me passado ao lado. Desta vez não falhei, mesmo com revoadas de água do céu a assustar o obtuso turista de passagem. A chuva foi uma coisa má que acabou por se transformar numa coisa boa, havia pouca gente nas ruas e o conjunto de pavilhões dedicados ao velho mestre era quase só para mim.

Os templos de Confúcio (551 a.C- 469 a.C) encontram-se por todas as cidades chinesas. Começaram a ser levantados na dinastia Han em honra do filósofo, educador e moralista, conselheiro de príncipes e poderosos cujos ensinamentos, raramente cumpridos, modelaram o modo de pensar da sociedade chinesa.

Os complexos arquitectónicos dedicados a Confúcio seguem aproximadamente o modelo de construção dos templos budistas e taoistas, ou seja, um vasto espaço rectangular quase sempre de acordo com um eixo norte/sul, com entrada e saída pelo lado menor do rectângulo e dentro, uma sucessão de pavilhões até chegarmos ao principal com uma grande estátua ou pintura representando Confúcio. 

Nos pequenos pavilhões situados nas alas laterais vemos caligrafias, estelas em pedra gravadas com citações do mestre e, muitas vezes, como acontece no templo de Pingyao, encontramos estátuas em tamanho natural dos 72 díscipulos de Confúcio. Nos melhores templos budistas e taoistas, nas alas laterais, existem também estátuas dos luohan, os discípulos de Buda ou das mais destacadas figuras do taoismo. Confúcio chegou a ser seguido por 3.000 pessoas mas apenas 72 discípulos, com nome e tudo, ficaram na história como os grandes divulgadores do confucionismo. 

De resto, desde a dinastia Han (sec. III a.C.), o número 72 passou a estar associado a um conjunto de excelentes realizações. Não é por acaso que a cidade de Pinyao, -- circundada por muralhas ao longo de 6,2 kms. --, tem 72 torres, o número mágico que traz felicidade e boa governação ao pequeno burgo. 

Não por acaso, uma cidade para ser considerada importante deve contar com 72 olarias para o fabrico de faiança e porcelana. Não por acaso algumas das mais famosas montanhas da China têm 72 picos. 
Não por acaso o ideal do bom mandarim de antanho era possuir 72 concubinas para encher de desiquilibrados prazeres o seu leito ora requentado, ora requintado e fresco.

Nas capitais de província, nos maiores centros urbanos da China Clássica, ao lado dos templos de Confúcio construíam-se grandes complexos onde centenas ou milhares de jovens, e até gente mais entrada na idade se submetia, por norma de dois em dois anos, aos exames imperiais. Constituídos por complicadas provas democraticamente abertas a todos, obrigavam os candidatos a elaborarem textos com contributos para o bom governo do império, a escrever poesia e tinham como tema principal a análise dos Quatro Livros e dos Cinco Clássicos, obras do grande cânone confuciano, algumas delas presumivelmente compiladas pelo próprio Confúcio, com algumas semelhanças, pelo menos na importância civilizacional dos textos, com os nossos Antigo e Novo Testamento. 

Uma vez vencidos os exames imperiais, o que não era tarefa fácil, os letrados iriam desempenhar funções no governo do império, seriam os mandarins do poder e do mando.

Em anexo ao templo de Pingyao, tal como em muitos outros existentes em grandes cidades da China, realizavam-se os exames para a ascensão ao mandarinato, mas os espaços dedicados a Confúcio tinham, e têm ainda nos nossos dias, uma função didáctica e de crença na potencial ajuda do velho mestre para a obtenção de um grau académico que possibilite uma vida melhor, com poder e desafogo económico. 

É vulgar ver hoje nos templos dedicados Confúcio mães ajoelhadas diante da gravura do mestre, solicitando-lhe que interceda e apoie, por exemplo, a entrada dos filhos numa universidade.

O templo, como toda a Pingyao histórica e monumental, sofreu grandes obras de restauro há dúzia e meia de anos atrás. Depois da tormenta e destruições selvagens dos “guardas vermelhos”, na desgraçada e inculta Revolução Cultural, em 1966/68, tudo foi refeito e melhorado, e na China basta passarem uns dez anos sobre as reconstruções de arquitectura antiga para voltarmos a sentir a ambiência e os cheiros dos séculos. 

E o templo é mesmo, antiquíssimo. Foi construído no início da dinastia Tang (618-907), sofreu grandes obras de ampliação e restauro no século XII, na dinastia Song (960-1279), período durante o qual uns tantos ilustres filósofos e mandarins como Zhu Xi e Wang Anshi fizeram revivescer a doutrina e os valores de Confúcio, e deram corpo à corrente neo-confucionista.

Chovia em Pingyao. Não reverenciei o mestre mas passeei-me pela cidade e pelo templo. Há algo em mim que faz com que, quanto melhor conheço Confúcio e a sua doutrina, me afaste cada vez mais da filosofia confuciana. Os princípios são bons, exaltar os ritos do passado, pretender a rectidão, a benevolência, a justiça, lutar pela grande harmonia entre todos os homens são ideais elevados cuja intenção é conduzir a sociedades mais humanas e mais justas. 

A questão é que os ideais confucianos na China Antiga, na China Clássica, na China de sempre, hoje e em todos os cem mil recantos do mundo, nunca são cumpridos, ou pior, os homens fingem que os cumprem ou que os querem cumprir mas apropriam-se oportunisticamente dos valores e da moral do mestre, jamais a põem em prática e usam-na para mascarar os mais aviltantes comportamentos.

Chovia em Pingyao. Passeei-me pelo templo, um sorriso triste e molhado entre mim e o velho Confúcio. Depois continuei viagem.


[Revisão, fixação de texto e título, para efeitos de publicação neste blogue: LG]

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10 comentários:

antonio graça de abreu disse...

O Luís Graça resolveu repescar este meu texto, do facebook, e publicá-lo no blogue. Não falei com o Luís, não lhe enviei o escrito, não lhe sugeri a publicação. Mas a agradeço, meu caro Luís.
A Editora Guerra e Paz editou, em 2013 e 2014, os dois volumes do meus "Toda a China". São no total 643 páginas de textos alinhados ao longo de 37 anos de viagens e contacto intenso com todo o território chinês e com o seu povo, e o seu regime político, desde 1977. Leiam. O testemunho de entrar por dentro de um imenso império, vivê-lo até à exaustão, de coração de ouro ou de coração a sangrar, por todas as 23 províncias, cinco regiões autónomas, quatro municípios centrais, mais Macau, Hong Kong e Taiwan, a China, 9,6 milhões de quilómetros quadrados, todos visitados. E está lá tudo! Imaginem se eu começasse agora a publicar textos meus sobre a China,por ostentação,por vaidade, neste blogue da Guiné. Repito, isto é um GRANDE blogue sobre as nossas guerras na Guiné.
No que escrevo sobre a China ou sobre a Guiné jamais sou lambe-botas, jamais dobro a cerviz, jamais sou sabujo,não vivo de nenhum anti-comunismo primário, nem secundário. Nem de propagandismos baratos. Trata-se de tentar entender os homens e o mundo. Com respeito pela dignidade humana, com respeito por nós próprios.

Há quem não entenda.

Abraço.

António Graça de Abreu

Anónimo disse...

António Graça de Abreu, gostei da China, gosto da cultura antiga gosto dos Mestres, tanto que estudei a língua.Frequentei aquele local de nós conhecido ali para a 5 de outubro onde tu destes aulas.Não imaginava sequer que tambám tu tinhas sido combatente e para mais na Guiné.Estive na Universidade de Beijin e no então Instituto de Macau.Mas inexplicávelmte de há uns anos a esta parte, desinteressei-me de tudo o que diz respeito à língua e à china.Problema meu, talvez fruto do seu "colonialismo" disfarçado em África e não só.Ou quem sabe se voltaram e serão os meus fantasmas ainda da guerra de África que me povoam a mente e me levam a pensar que o designado colonialismo português foi substituído por um outro menos humano e mais material.Ou terá sido por eu andar no ar ser mais susceptível a estes pensamentos aéreos.Quem sabe!
Um abraço
Carlos Gaspar

Valdemar Silva disse...

'Há quem não entenda'
Continua a desconsideração da inteligência de cada um dos autores/leitores/comentadores e demais gente que visita o nosso blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné".
Ainda bem que as dezenas, talvez mais de uma centena, de postes publicados aqui no nosso blogue sobre a China ou relacionado com a China, principalmente o "Meu diário ainda inédito, escrito na China entre 1977 e 1983", todos de autoria António Graça Abreu, que até lhe chamaram 'chinês' e comentaram 'não ter nacionalidade chinesa, já deveria a ter adquirido', foram sobre a técnica de jogar ping-pong na China, o patoá de Macau, a Bolsa de Hong Kong e as réplicas de Taiwan. Afinal este é o nosso blogue sobre as nossas guerras na Guiné. Sim senhor.

Abracelos
Valdemar Queiroz

Joaquim Luis Fernandes disse...

A China e as suas contradições, para um observador distante mas atento!

- O seu passado milenar, com tudo o que tem de maravilhoso e de miserável.

- A sua longa história, que deve ter tanto para contar! Quem conseguirá abarcar todo esse conhecimento milenar? Eu não!

- A China dos nossos dias e o seu Regime: Um partido de estado com um poder absoluto e autoritário sobre os cidadãos, que conjuga Comunismo e Capitalismo de modo a maximizar as vantagens desse aparente antagonismo... E qual o lugar do respeito pelos Direitos Humanos, dentro e fora do seu território, conforme está consagrado da carta da ONU?

Tanto para esclarece por quem sabe! Eu não, que da China, pouco ou nada sei. Mas que observo e me interrogo, com todo o respeito.

Anónimo disse...

Exacto Joaquim Fernandes é essa a preocupação. Os Direitos Humanos dentro e fora do seu território a que muitos países parecem ser invisuais.Um partido de estado com um poder absoluto e autoritário, inteiramente de acordo.Parece que não estou sozinho.Andam todos preocupados com o ambiente mas em relação à China são todos autistas.E quem esteja familiarizado com o que fazem em África a nível de ambiente e a exploração humana (continuamos a falar de direitos humanos) é de bradar aos céus.
Carlos Gaspar

antonio graça de abreu disse...

Oh, camarada Valdemar Queiroz, onde, em que post, e quando, eu escrevi sobre " a técnica de jogar ping-pong na China, o patoá de Macau, a Bolsa de Hong Kong e as réplicas de Taiwan." Se fores capaz de me esclarecer, agradeço muito. Se não fores, recomendo-te tratamento.

Abraço e saúde

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

Caro António Graça de Abreu.
Julgo que percebes ser ironia a tentar contrabalançar com os elogios que aparecem nos teus postes sobre a China e os comentários 'o que é que isto tem a ver com Guiné' em relação aos postes do Beja Santos. Calhando haverá outras razões, mas mal comparado parece aquela dos "inimigos" de futebóis em que um deles acha que o outro mesmo jogando bem merece sempre perder.
Como gosto de ler os teus postes e os do BS, e como por questões de saúde o meu tratamento já foi recomendado pelo médico de pneumologia, não sei esclarecer doutra maneira.

Abracelo e saúde da boa
Valdemar Queiroz

antonio graça de abreu disse...

Já entendi, Valdemar Queirós,não explicas nada, é tudo claro como água suja da bolanha, lançar atoardas e aldrabices, neste caso sobre o que tenho escrito sobre a China, é tudo ironia e invenção. O grande Mamadu Ba, do SOS Racismo, recentemente ,via Franz Fanon, ao falar em "matar o homem branco", em África, também estava a fazer ironia.
Que os deuses te concedam (a mim também!) mais uns anos de saúde e paz.

Abraço,

António Graça de Abreu

Valdemar Silva disse...

Agora não entendo, Graça Abreu, essa mistura do BA, SOS Racismo, 'matar o homem branco' e tal
querem ver que aquilo era mesmo a sério e eu, a PJ, os Serviços Secretos, e toda a gente pensava que foi dito com ironia? Quer dizer que estás convencido que o Bá anda a arranjar um comando e vai começar a matar uns brancos? Eh pá, tenho que avisar o meu primo qu'ele é um bocado estúpido e calhando não percebeu.
Mas eu acho, e fica só cá pra nós caro Graça de Abreu, que adoras armar confusão e arranjas agora esta do mata brancos, e eu com falta d'ar estava a entrar no bailarico.
Prontus.

Abracelo
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Ba (Mamadou) afirmou numa conferência sobre Racismo e Avanço do Ódio no Mundo e referidas em alguma comunicação social isto; "Nós (disse ele) temos de matar o homem branco e repisou ou bisou, Ele (o homem branco) tem de ser morto.E nestas palavras acrescentava assassino, colonial e racista.
Carlos Gaspar