Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quinta-feira, 24 de março de 2022
Guiné 61/74 - P23107: (In)citações (201): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (3): Similitudes (Fernando Gouveia, ex-Alf Mil Rec Inf do CMD AGR 2957)
1. Em mensagem datada de 22 de Março de 2022, o nosso camarada Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec Inf do CMD AGR 2957, Bafatá, 1968/70), a propósito da invasão da Ucrânia pela Federação Russa, fala-nos de similitudes.
“SIMILITUDES”
Como primeira e principal similitude, Putin e Hitler como não podia deixar de ser. Ambos ditadores.
Hitler pretenderia conquistar toda a Europa, senão todo o mundo. Putin como o próprio já referiu, pretende conquistar os suficientes países, senão muitos mais, para refazer o império dos czares.
Para o fim em causa, Hitler, à revelia das imposições do pós guerra de 14/18 e um tanto à custa do povo alemão, rearmou-se. Putim, também além de se rearmar, contou e conta, com a herança nuclear da União Soviética, em grande parte vinda precisamente da Ucrânia.
Hitler elejeu os judeus como bodes expiatórios, ao que o povo alemão aderiu. Putin colocou na mesma plataforma os americanos, pois sob muitos aspetos não são “flores que se cheirem”.
Hitler, para “experimentar” os outros países, começou por anexar a Renânia e mais tarde a Áustria e a Checoslováquia. Cobardemente, ou não, o resto da Europa aceitou e não cortou o mal na origem. Putim anexou a Crimeia e mais tarde, de forma perfeitamente despótica, implementa a independência dos territórios de Donetsk e Lugansk.
Na sequência da anexação da Áustria, Hitler, sentindo que a Europa continuaria estática e até porque tinha estabelecido um acordo mais ou menos secreto com a União Soviética, invade a Polónia na chamada “blitzkrieg”. Os soviéticos invadem também pelo leste e tomam a sua cota parte no “repasto”. Putin invade a Ucrânia, no que ele também achava ser uma “blitzkrieg”. Não o está a ser, mas ainda resta saber que quota parte levam os chineses, pois parece haver uma similitude com o caso Hitler-Stalin.
Pobres ucranianos, com uma nova similitude. Em 1931/33, Stalin, antevendo uma próxima supremacia da Alemanha pois Hitler se estava a rearmar, também tenta fazer o mesmo. Com a mesma finalidade e com a desculpa da formação dos Kolkozes, manda as tropas para a Ucrânia e saqueia toda a produção agrícola para vender à Europa. Morreram nessa altura, à fome, cerca de 15 milhões de ucranianos, HOLODOMOR, como ficou conhecida esta mortandade. O cheiro a cadáver era em todo o lado insuportável. Agora, a tentativa de Putin fechar a Ucrânia ao mar Negro, impossibilitando as exportações de cereais, parece ter os mesmos propósitos.
Se a última guerra foi uma guerra de Hitler agora, ainda mais, será e só, uma guerra de Putin.
A última guerra foi considerada mundial. Neste momento também está a começar a ser considerada uma guerra mundial por força da economia, sim, porque presentemente, mais do que as armas, a fraca economia fará tantas ou mais vítimas. Não esqueçamos ainda outra arma que é a cibernética.
Para já, a última similitude possível. Hitler sofreu vários atentados a que sobreviveu, mas por último deu um tiro na cabeça…
E para terminar tenho a dizer que já não tenho idade para ir combater, mas sabendo que Portugal mandou para lá, via Roménia, armamento incluindo espingardas G3, só espero que nessa remessa esteja incluida a G3 que me estava distribuida na Guerra da Guiné.
Porto, 18 de Março de 2022
Fernando Gouveia
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Nota do editor
Último poste da série de 23 de Março de 2022 > Guiné 61/74 - P23104: (In)citações (200): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (2): Glória à Ucrânia! Glória à sua Infantaria!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)
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7 comentários:
Companheiro alferes, também espero que a minha G3 (da Guiné) vá parar às mãos de um ucraniano, e que funcione. Também já tenho idade, mas se a invasão fosse no nosso torrão, lutava, ah, se lutava!
Agradecido pelo texto.
Um abraço.
É recorrente a afirmação de que Hitler anexou a Áustria, mas não é verdade. A palavra alemã é "Anschluss", que significa adesão, ligação. Com efeito, os austríacos aceitaram com entusiasmo em 1938 a subordinação do seu país à Alemanha e aclamaram triunfalmente Adolf Hitler, na monumental Praça dos Heróis, em Viena, naquele que foi um dos mais grandiosos comícios alguma vez realizados pelos nazis. Não nos espantemos com esta voluntária subordinação da Áustria perante a Alemanha, porque Adolf Hitler era ele mesmo austríaco, embora nascido numa localidade fronteiriça com a Alemanha. Esta adesão da Áustria à Alemanha nazi é ainda hoje um espinho cravado no orgulho nacional dos austríacos, que desejariam que nunca tivesse acontecido.
Nau, quem aqui escreve e comenta, costuma dar a cara. É um bom princípio entre antigos combatentes... e faz parte das nossas regras de bom convívio e de exercício da memória à volta da nossa experiência, humana e militar, na Guiné entre 1961 e 1974.
Caro Fernando Gouveia
Para nós que andamos na guerra, e por isso para mim, de similitudes só me interessarão as Conferências de Yalta.
'Tá bem que Yalta é só para exemplo, mas aquela guerra não precisa de gasolina precisa é de parar.
Valdemar Queiroz
A minha G3 as dos meus camaradas não foram para a Ucrânia - eram pouco fiáveis! Eram da primeira geração - a instrução em Tavira (duas por Companhia) no RC7, Lisboa, foi com a FN - estivemos uma semana "desarmados" na Amura à espera delas, vieram de avião e fomos treinar para o Ilheu do Rei.
As G3 da primeira geração eram muito sensíveis, embirravam, encravavam por tudo e por nada, com a chuva, com o pó levantado pelos próprios tiros e pelo levantado pela metralha inimiga, 17 tiros em tiro a tiro o o máximo que consegui disparar com ela, numa "ressaca" no Sul. O invólucro vazio entalava-se na janela da ejecção, imaginem-nos na zona de morte das emboscadas, agarrados ao manípulos das suas culatras e a dar coronhadas no chão a tentar desencravá-las, frente ao inimigo, ou contra a árvore que nos protegia - estas pobres levavam tiros de todo lado, as suas copas levavam bombas da aviação e obuses da artilharia e ainda levam as coronhadas da nossa aflição...
Manuel Luís Lomba
Amigo e camarada Fernando Gouveia análise perfeita de história comparada que fizeste de dois períodos da nossa história recente e das personagens funestas que foram seus actores. A primeira pela catástrofe imensa que causou em toda a terra e a segunda pelo espectáculo degradante e deplorável que está a transmitir para todo o mundo, que poderá vir a ter consequências muito trágicas. Fizeste-me recordar um grande professor de história que conheci há já mais de meio século. Obrigado, gostei muito.
Um grande abraço.
Francisco Baptista
Fernando Gouveia Magnifica leitura do que se passa. Concordo inteiramente. Só a desputinização da Rússia acaba com a guerra.
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