quarta-feira, 23 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23104: (In)citações (200): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (2): Glória à Ucrânia! Glória à sua Infantaria!... (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703)

Com a devida vénia a Plataforma


1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), datada de 22 de Março de 2022 com um texto de sua autoria alusivo à invasão da Ucrânia pela Federação Russa de Putin.


Glória à Ucrânia! Glória à sua Infantaria!...

Nós, os combatentes na Guerra da Guiné e da generalidade da guerra ultramarina, fomos maioritariamente “infantes”, as conexões às armas da Cavalaria e da Artilharia referem-se às nossas unidades mobilizadoras.

A Infantaria é a arma mais antiga e mais viril dos exércitos (a igualdade do género não a expurgou desse orgulho), combate em todos os tipos de terreno, sem horários e sob todas as condições meteorológicas, ganha as guerras e é a bota dos infantes no terreno que é o garante da paz. A Marinha e a Força Aérea são ramos muito mais poderosos, mas não ganham guerras, são seus auxiliares decisivos, os fuzileiros na Marinha e os pára-quedistas na Força Aérea são tropas especiais – mas são infantaria.

O Papa acaba de lembrar a Guerra como a mais repugnante das invenções humanas, pela sua iniquidade, os momentos de sentimento são apanágio da Arma da Infantaria, o serviço nacional da guerra é tão antigo como o homem, o serviço nacional da paz (a ONU), e o serviço nacional de saúde são muito recentes, são nossos contemporâneos.

Não venho descascar a minha cebola, mas as gavetas da minha memória continuam povoadas das lembranças das “operações de intervenção” no Sul da Guiné, sempre debilitantes e sempre dolorosas, dirigidas e desenvolvidas nas matas do Cantanhez, esse santuário da natureza guineense, agora património da Humanidade. As LDM´s da Marinha largavam-nos no seu litoral ou nas margens interiores dos seus rios e canais, os aviões F84 e T6 precediam-nos a largar bombas e apoiavam-nos a disparar roquetes, chegamos a ter o apoio das peças da Fragata Nuno Tristão, as árvores eram as suas maiores vítimas, toda aquela metralha estragava muito a natureza e apenas incomodava o inimigo, para este a moléstia éramos nós, a montar-lhe cercos, a fazer-lhe assaltos, a incendiar-lhe e a destruir-lhe as tabancas à bazucada; na exploração do sucesso e nas suas pesquizas ainda tínhamos pachorra para revistar os mortos, fazer curativos e dar medicamento a velho, mulher ou criança e também para dar o tiro da misericórdia na nuca dos feridos sem salvação.

Não obstante a intervenção da parafernália bélica dos três Ramos das nossas FAs, raramente o inimigo se eximia ao derramamento de sangue, nunca nos dispensou nem das suas flagelações aos nossos altos para descanso nem de montar emboscadas às nossas progressões. Era a infantaria orgânica contra a infantaria errática e volátil.

Voltávamos semanas depois, as populações já tinham recuperado as suas moranças, a sua construção era a mais acelerada e veloz do mundo, agrupavam-se e ao fim de um dia tinha uma habitação erguida, a cobertura de colmo incluída, a sua estrutura era um hino à engenharia – a tradicional resiliência dos balantas e nós investidos nos sofrimentos do costume.

A ciência e a alta tecnologia militares atingiram tais estádios de desenvolvimento e de perfeição, o armamento instalado tem capacidade para arrasar o planeta não sei quantas vezes, mas, além do seu poder de dissuasão, tem também o poder de conferir equidade às guerras, de retirar ao seu autor o poder das matanças massivas de gente, aos milhares e aos milhões, e das destruições planetárias, eliminando-o e ao seu núcleo duro – a coragem de uma eliminação pode salvar a Humanidade da 3.ª Guerra Mundial!

Nesse contexto, a guerra da invasão ou a “operação militar especial” movida há um mês pela Federação Russa contra a Ucrânia é uma iniquidade, nem tem cabimento, nem é aceitável. A Humanidade estar a visionar a matança, a deslocalização de um povo e destruição de um país, quase em directo e tempo real, reconhecido pela comunidade das nações, pela ONU e subscritor de todos os tratados e leis de Direito internacional, isto apenas alguns anos após a sua outorga de um tratado internacional, de que o seu agora agressor foi um dos seus principais subscritores e garantes, tratado que é o único penhor da garantia da sua segurança, a paga da Comunidade internacional em deixar de ser a terceira potência mundial nuclear…

O povo ucraniano rejeitou o armamentismo e a guerra, mas perdeu a sua segurança vital ante a Rússia!

Livre dessa ameaça, a Federação Rússia renegou tratados e fez-se estado pária, o seu líder mancomunou-se com o vizinho seu títere, nem a Declaração de guerra se dignou fazer, a propósito, lembro aos meus camaradas que o PAIGC era uma organização pária, a sua sede era uma caixa postal, na Guiné-Conacri, mas o seu líder era português e civilizado, dignou-se escrever a Salazar e à ONU o aviso da sua passagem à “acção activa” e o seu prazo, metáfora e declaração de guerra da Guiné. Aquele agressor russo montou e tem manobrado um cerco quase medieval à Ucrânia, em batalhas de pessoas contra pessoas, a pouca força do seu povo tem superiorizado a grande força dos invasores, nós também experienciamos isso na Guerra da Guiné, a superioridade do nosso inimigo pela motivação, nunca o superiorizamos pela superioridade militar.

Na sua “operação militar especial” relâmpago, os invasores terrestres russos têm-se limitado a calcar as linhas fronteiriças ucranianas, o seu líder está a fazer o contrabalanço iníquo do seu falhanço táctico e dos seus desaires terrestres com o seu armamento mandado pelo céu, com os seus aviões de ataque ao solo da última geração, com os seus mísseis termobáricos e hipersónicos, estes são veículos de ogivas nucleares, as mais pequenas com a potência destruidora da bomba de Hiroshima, pela destruição sistemática dos equipamentos sociais e produtivos, no seu afã de matar e desgraçar aquele povo e de arrasar aquele país, à revelia da ética, dos tratados, do Direito internacional e à vista de todo o mundo!

Glória à Infantaria da Ucrânia!

Considerando as realidades da morte de milhares de soldados ucranianos e russos, inclusive a quatro dos generais de campo inclusive, a desgraça do povo e da Ucrânia materializada por armamento da “era digital”, inteligente, causadas pelo autocrata e sibarita do Kremlin e sua camarilha de oligarcas, a ONU, esse expoente da Comunidade das Nações, já sindicou os seus crimes, o que lhe falta para lhe corresponder com a mesma moeda?

Ele já mandou mais de um milhar de mísseis contra o povo da Ucrânia, será que a vida dele e as do seu pequeno núcleo da autoria dessa iniquidade e barbárie valem mais que esses milhares de vidas e os sofrimentos de milhões de deslocalizados?

Será que porque ele não valha um míssil ou um drone kamicase?

Recordo que Kadafi não passava de terrorista e que Reagan lhe aprontou algo do género…

Glória à Ucrânia!

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23101: (In)citações (199): Invasão da Ucrânia pela Federação Russa (1): Guerras na Europa (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

6 comentários:

Valdemar Silva disse...

"Será que porque ele não valha um míssil ou um drone kamicase?
Recordo que Kadafi não passava de terrorista e que Reagan lhe aprontou algo do género…"

Luís Lomba, isto é um assunto muito sério e com a guerra não se brinca.
Na "Batalha Naval" não entram infantes e um tiro no porta-aviões ao fundo leva algum tempo em tentativas.
Cuidado ao virar da esquina com algum a 'bocê tem lumeobe'... pum!!

Já temos guerra que chegue no canastro.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Camaradas, a guerra é como a doença, chega a cavalo e vai a pé... Não façamos deste blogue uma tribuna panfletária... A guerra não é um campeonato de futebol, e esta pode anda vir a transformar-se no maior pesadelo da nossa geração... Solidariedade para com o povo da Ucrânia, sim!... Mas todos estamos a ser vítimas, incluindo os povos mais fracos, menos desenvolvidos, mais pobres..., como a "nossa" Guiné.

Antº Rosinha disse...

Se queres a paz prepara a guerra, a Europa esqueceu-se desse ditado depois de se ter cansado da I e da II Grandes guerras.

A Europa hoje anda aos baldões a navegar à vista, Rússia de um lado, China do outro e EUA a empurrar.

Aquelas duas grandes guerras deram cabo desta Europa, incapaz, um museu, uma civilização decadente.

Não tem força para se ajudar a si, nem para ajudar os outros.

Como a "nossa" Guiné como diz o Luís.

Anónimo disse...

Caro Luis M. Lomba,

A ideia não é nada má, resta saber quem vai se oferecer para lançar o tal missil. A Polónia já disse que tem uma frota de aviões que queria oferecer a Ucrânia, mas precisa de um país voluntário para fazer a entrega, mas pelos vistos a NATO prefere a guerra de palavras e da gesticulação.

Se a Russia desmantelou, indirectamente, o império colonial português só com a oferta de meia dúzia de mísseis Strela SAM-7 de um modelo desclassificado ao Paigc, o que não faria com meia dúzia de bombas nucleares e ainda hipersónicas.

O Khadafi era "terrorista" e por essa razão NATO utilizou todo o seu poderio para destruir e devastar a Libia, violando a sua soberania, matando milhares de cidadãos entre mulheres e crianças, com o falso pretexto de razões humanitárias e o mundo viu e calou. Agora que chegou a vez da Rússia e do "Terrorista" Putin, a NATO ficou só na verborreia e na guerra das sanções. Como dizem os Angolanos:"gindungo no olho dos outros é refresco", principalmente os mais fracos e, de preferência, do terceiro mundo.

A hipocrisia do ocidente é confrangedor e isto não tem nada a ver com o povo ucraniano que, fosse dirigido por outros que não comediantes de teatro amador, não merecia tanta desgraça e sofrimento humano.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé



Manuel Luís Lomba disse...

Olá, Cherno
Imaginemos que Portugal tem uma fábrica de bombas de matança massiva (só poderia ser no Entroncamento...), elege um saudosista do império ultramarino que durou 500 anos, que metamorfoseia em ditador, "A Guiné é nossa", manda cercá-la, começa a derreter Bissau, Bissalana, Mansoa, Bafatá, etc., e ameaça os outros "quem se meter leva com a nossa bomba!",
- tudo à revelia e dos tratados e do Direito internacional da Guiné independente"...
Abraço e votos da melhor saúde
Manuel Luís Lomba

Anónimo disse...

Caro Luis M. Lomba,

Nem sempre os mais pequenos têm razão. Portugal está longe e, certamente, bem acomodada nos Eurobonds da UE, não tem grande interesse na pequena Guiné. Mas, nem por isso a pequena Guiné está quieta e isenta de culpas. Para quem não sabe, o MFDC (Movimento rebelde de Casamansa) é uma criação de Nino Vieira em retaliação ao diferendo fronteiriço de 1981. Dessa data para cá os Senegaleses entraram no território guineense inúmeras vezes, inclusive durante a guerra civil de 1998/99, e sempre com os olhos postos na fronteira Norte. Não fosse o Senegal um país inteligente, tolerante e diplomático, já teria havido uma guerra de grandes consequências entre os dois. Neste preciso momento decorre uma operação contra os mesmos na sua fronteira com a Gâmbia, outro pequeno país.

Na geopolitica mundial, os mais pequenos e fracos devem ser, politicamente, realistas e não se deixar enganar pelos grandes que, em caso de guerra não se meterão, como é o caso da pobre Ucrânia que, depois da Crimeia em 2014 agora vão ficar sem a parte Leste, que a Rússia vai "recuperar" com o argumento de que os seus cidadãos são Russos e o território era russo antes da revolução russa de 1917.

O mundo sempre funcionou na base da lógica do mais forte e sobre issi não haverá nada a fazer e, por outro lado os EUA e o Canada estarão a esfregar as mãos de contentes porque, graças a este conflito, conseguiram convencer a Europa (sobretudo a Alemanha) a comprar o seu gás de sisto e petróleo, de péssima qualidade, a bom preço. Mais uma vez os europeus foram divididos e enganados.

Abraço,

Cherno Baldé