Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > 1973 > O fur mil Augusto Silva Santos, de rendição individual: terminada a comissão da CCAÇ 3306, em dezembro de 1972, foi colocado no Depósito de Adidos, na Secção de Justiça. Regressou a acasa em dezembro de 1973.
Fotos (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
A minha passagem pelo Depósito de Adidos, Secção de Justiça, 1973
por Augusto Silva Santos
Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no quartel do Depósito de Adidos, em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada em Jolmete, para onde fui em rendição individual.
No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também, periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.
Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.
Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.
Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM).
Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.
Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.
Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo”( por andar sempre todo emproado, usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.
Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.
Lembro-me que, no 2º semestre de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.
O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MiG.
Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.
Esclareciment posteriro do autor, em comentário a este poste P23397:
De: Augusto Silva Santos
Olá, Luís e restantes Camaradas!
A propósito desta republicação, importa agora esclarecer que o nosso camarada "Grelhas" não era Fuzileiro, como na altura me fizeram acreditar, mais sim Soldado de uma CCaç., que agora não consigo identificar.
No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também, periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.
Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.
Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.
Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM).
Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que, a partir de determinada altura e por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o cor paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.
Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).
O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).
O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.
Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.
Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.
Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo”( por andar sempre todo emproado, usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.
Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.
Lembro-me que, no 2º semestre de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.
O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MiG.
Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.
De: Augusto Silva Santos
Olá, Luís e restantes Camaradas!
A propósito desta republicação, importa agora esclarecer que o nosso camarada "Grelhas" não era Fuzileiro, como na altura me fizeram acreditar, mais sim Soldado de uma CCaç., que agora não consigo identificar.
[O "Grelhas" pertencia à CCS/BCAÇ 2930, Catió, 1970/72, segundo informação do camarada Rolando Rodrigues, no Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022]
Através do nosso camarada Albino Jorge Caldas, que pertenceu à CCaç 3518, "Marados de Gadamael", (1971/74) e, por mero acaso, vim a tomar conhecimento que o famoso "Grelhas", de seu nome próprio Armando, era taxista no Porto, tendo-me inclusive facultado o seu contacto telefónico.
[ No Facebook da Tabanca Grande, 29/6/2022, o Albino Jorge Caldas confirma que o "O Grelhas hoje é taxista na cidade do Porto, sempre em forma e pronto para umas confusões se necessário."]
Após animada conversa relembrando velhos tempos e peripécias, o nosso amigo Armando "Grelhas" acabou por me confidenciar que as "saídas" eram conseguidas através de uma chave falsa de uma porta não controlada, da qual era portador. Era também ele que se encarregava de elaborar a "escala" de saídas (poucos de cada vez, para não dar nas vistas).
Embora sem ter total conhecimento do "esquema" montado, confesso que na altura foi algo que, após duas situações menos agradáveis, me deixou mais confortável (se assim se pode considerar), pois o amigo "Grelhas" nunca mais permitiu que algum recluso faltasse aquando do render da guarda, sempre que eu estava de serviço.
Forte Abraço para todos!
29 de junho de 2022 às 22:29
Guiné > Bissau > Brá > Depósito de Adidos > Casa de Reclusão Militar > Março de 1973 > O "carcereiro" em alegre e franco convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. "O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas"... Vê-se que está de gravador na mão, recolhendo declarações de outro camarada, possivelmente o aniversariante e ambos... reclusos. O Carlos Boto deve seguido depois para Cabuca, onde animaria a rádio local "No Tera" (A nossa Terra)... Ainda hoje os seus camaradas desse tempo (2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) andam à procura do seu paradeiro...
Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 29 de junho de 2022 > Guiné 61/74 - P23395: A(r)didos e mal pagos: histórias pícaras da nossa guerra (1): Luanda, Depósito de Adidos de Angola, o oficial de dia e o preso cabo-verdiano (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, 1972/74)
(**) Vd. poste de 22 de setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12070: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (14): A minha passagem pelo Depósito Geral de Adidos, em Brá
(...) O seu grande dinamizador foi o despromovido Carlos Boto, que, condenado disciplinarmente, cumpria a sua 3ª comissão de serviço.
Foi ele quem pediu ao Cap Vaz o aparelho de rádio RACAL que, devidamente afinado, passou a transmitir em onda curta 25 M, nas bandas dos 12.900 e 13.700 KHZ/s. Transmitia ainda em 31 M na banda dos 9.200, na onda marítima e na onda média.
A rádio era liderada por Carlos Boto (Produção, Direcção e Montagem), e contava com a colaboração de Zé Lopes (Discografia),Toni Fernandes (Sonoplastia), Arménio Ribeiro (Exteriores) e Victor Machado (Locução). (...)
(...) No redescobrimento do PIFAS, cujos artigos tenho lido com alguma sofreguidão, pois sempre que possível lá o conseguíamos sintonizar, não posso deixar de recordar que também nós, no “buraco” que era Cabuca, também tínhamos uma estação de rádio, que com alguma dificuldade era ouvida em Bissau!
Na verdade, fruto de um engenhoso camarada, de nome CARLOS BOTO, com a excepcional ajuda do Fur Mil de Transmissões Henriques, também a 2ª Cart/Bart 6523 tinha a sua estação de rádio que transmitia em ONDAS CURTAS nas frequências 41m - na banda dos 8000 Khc/seg e 75m - na banda dos 4100 Khc/seg, que emitia directamente de Cabuca todos os dias das 19h30 às 23h00.
Tal só foi possível, graças a um generoso e eficaz trabalho de antenas, apoiadas num “Racal”, pelo pessoal das Transmissões, tendo-se então criado um estúdio improvisado, que com o recurso a um gravador de fitas e a um velho microfone difundia um excelente programa diário.
A estação chamava-se NO TERA. Tinha a discografia do Zé Lopes, a sonoplastia do Toni Fernandes, os exteriores do Arménio Ribeiro, a locução do Quim Fonseca (este vosso camarigo) do Victor Machado e esporadicamente do António Barbosa e a produção, montagem e apresentação estava a cargo do CARLOS BOTO.
Dos programas emitidos, relembro os seguintes :
- Publicidade em barda ;
- Serviço noticioso ;
- Charlas Linguísticas ;
- O folclore da tua terra ;
- Espectáculos ao Vivo ;
- Concursos surpresa e,
- MÚSICA NA PICADA, entre outros.
E, como nota de rodapé, gostaria que algum dos Camarigos, designadamente os que ainda estão hoje ligados á rádio , nos ajudassem a descobrir o CARLOS BOTO, já que todas as nossas diligências para o encontrarmos, se têm mostrado infrutíferas.
Finalmente e com a promessa de voltar à carga sobre a nossa Rádio NO TERA, gostaria de referir ainda um episódio que nos encheu de alegria, já no distante ano de 1973, quando ao ouvirmos o PIFAS, a nossa rádio foi referida como tendo sido audível em Bissau! O pessoal rejubilou de alegria e sentimo-nos então muito mais motivados para melhorar os nossos programas, já que corríamos o risco de sermos ouvidos, quem sabe, pelas bandas do QG…!
Na verdade, fruto de um engenhoso camarada, de nome CARLOS BOTO, com a excepcional ajuda do Fur Mil de Transmissões Henriques, também a 2ª Cart/Bart 6523 tinha a sua estação de rádio que transmitia em ONDAS CURTAS nas frequências 41m - na banda dos 8000 Khc/seg e 75m - na banda dos 4100 Khc/seg, que emitia directamente de Cabuca todos os dias das 19h30 às 23h00.
Tal só foi possível, graças a um generoso e eficaz trabalho de antenas, apoiadas num “Racal”, pelo pessoal das Transmissões, tendo-se então criado um estúdio improvisado, que com o recurso a um gravador de fitas e a um velho microfone difundia um excelente programa diário.
A estação chamava-se NO TERA. Tinha a discografia do Zé Lopes, a sonoplastia do Toni Fernandes, os exteriores do Arménio Ribeiro, a locução do Quim Fonseca (este vosso camarigo) do Victor Machado e esporadicamente do António Barbosa e a produção, montagem e apresentação estava a cargo do CARLOS BOTO.
Dos programas emitidos, relembro os seguintes :
- Publicidade em barda ;
- Serviço noticioso ;
- Charlas Linguísticas ;
- O folclore da tua terra ;
- Espectáculos ao Vivo ;
- Concursos surpresa e,
- MÚSICA NA PICADA, entre outros.
E, como nota de rodapé, gostaria que algum dos Camarigos, designadamente os que ainda estão hoje ligados á rádio , nos ajudassem a descobrir o CARLOS BOTO, já que todas as nossas diligências para o encontrarmos, se têm mostrado infrutíferas.
Finalmente e com a promessa de voltar à carga sobre a nossa Rádio NO TERA, gostaria de referir ainda um episódio que nos encheu de alegria, já no distante ano de 1973, quando ao ouvirmos o PIFAS, a nossa rádio foi referida como tendo sido audível em Bissau! O pessoal rejubilou de alegria e sentimo-nos então muito mais motivados para melhorar os nossos programas, já que corríamos o risco de sermos ouvidos, quem sabe, pelas bandas do QG…!
(...) Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74) (...)
11 comentários:
De: Augusto Silva Santos
Olá Luís e restantes Camaradas!
A propósito desta republicação, importa agora esclarecer que o nosso camarada "Grelhas" não era Fuzileiro, como na altura me fizeram acreditar, mais sim Soldado de uma C.Caç., que agora não consigo identificar.
Através do nosso camarada Albino Jorge Caldas, que pertenceu à C.Caç.3518, Marados de Gadamael 71/74 e, por mero acaso, vim a tomar conhecimento que o famoso "Grelhas", de seu nome próprio Armando, era taxista no Porto, tendo-me inclusive facultado o seu contacto telefónico.
Após animada conversa relembrando velhos tempos e peripécias, o nosso amigo Armando "Grelhas" acabou por me confidenciar que as "saídas" era conseguidas através de uma chave falsa de uma porta não controlada, da qual era portador. Era também ele que se encarregava de elaborar a "escala" de saídas (poucos de cada vez para não dar nas vistas).
Embora sem ter total conhecimento do "esquema" montado, confesso que na altura foi algo que, após duas situações menos agradáveis, me deixou mais confortável (se assim se pode considerar), pois o amigo "Grelhas" nunca mais permitiu que algum recluso faltasse aquando do render da guarda, sempre que eu estava de serviço.
Forte Abraço para todos!
Das vezes que passei por Bissau, quando fui entregar material usado na instrução de recrutas ou de regresso de férias à espera de viagem para a minha unidade, estive por duas vezes de serviço nos Adidos.
Uma vez de Sargento de Dia, tive de fazer uma formatura com mais de cem soldados que só aos meus gritos conseguiam ficar formados para o almoço. Depois, metade formatura desaparecia, os outros entrevam uns tantos de cada vez no refeitório e a partir de determinada altura a entrada ficava de tal modo escorregadia por causa do despejo das sobras, que não se conseguia passar.
Doutra vez tive de Sargento de .... e num Unimog com um cabo e mais dois soldados visitávamos, o Posto da Água, o Quartel da PSP e a Prisão Militar.
Recordo-me da Prisão Militar ser um pavilhão com corredor central e celas de cada lado. Não há problemas, ouvi dizer as uns que estavam a jogar às cartas com os braços fora das celas com os da cela do lado. Havia um fundo uma terrina cheia de fruta a apodrecer para fazer bagaço.
Na porta de armas do Quartel da Polícia estava um soldado, cá está o "habitual" diziam os meus auxiliares. Não há novidade, dizia o sentinela Polícia.
O "habitual" gritava 'furriel não vá na conversa do polícia a cantina está cheia de tropas'.
O "habitual" frequentava a cantina da Polícia e metia-se nos copos, quando chegava a hora da passagem da patrulha da tropa era posto fora das instalações para ser levado para o Quartel. O "habitual" estava detido nos Adidos, mas como estava "apanhado" e não fazia mal a ninguém andava à vontade e saia todos os dias para os copos.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Histórias... do arco da velha!... Afinal tínhamos a tropa mais "porreira"... Ou melhor, as "casas de reclusão" (um eufemismo) podiam não ser hotéis de cinco estrelas mas a condição do "recluso" já estava "humanizada"...
Recordo-me de, em Brá, nos Adidos, ter encontrado um conhecido capitão e um seu furriel,que aguardavam em liberdade (ainda não havia pulseiras electrónicas nem nada disso)julgamento por "crimes graves" (violação e homicídio de bajudas, prisioneiras...). Estavam "hospedados" nos Adidos, tal como eu, e diziam mal do Spinola... Soube mais tarde que, no tribunal, o capitão safou-se e que o furriel, o "Cascais", antigo Salesiano, conhecido do nosso saudoso Rosales, apanhou sete anos de prisão... Mas depois veio o 25 de Abril e a liberdade...
Obrigado, Augusto, pela rectificação. Os nossos camaradas fuzileiros tinham as costas quentes...Mas o "Grelhas" não era fuzileiro, que fique bem claro para os nossos leitores... A verdade acima de tudo.
Vou pôr uma adenda ao poste para salvar a honra dos nossos camaradas fuzos... Que na Guiné foram bravos e leais e bons camaradas.
Só entrei uma vez nos adidos em Bissau… mas no meio de tanto “maralhal” (doentes, presos, desenfiados, indiferenciados, etc., etc.) não passei despercebido. Bigodaças dessas não entram no meu quartel!!! (ver P22621)
Joaquim Costa
Vd. poste de
11 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22621: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XVII: a minha "bigodaça”... que tanto incomodou os senhores da guerra
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/10/guine-6174-p22621-paz-guerra-memorias.html
(...) Estava eu em Bissau, regressado de férias a Portugal, quando, ao entrar no quartel dos Adidos, completamente alheado de tudo (ainda estava a digerir/moer a notícia que um camarada da companhia tinha morrido atingido por uma granada num ataque ao Cumbijã) (...), sinto um soldado a correr atrás de mim, já esbaforido por muito me chamar, e me informa que o comandante do quartel queria falar comigo.
Fiquei atónito. Pensei: "fAinal, devo ser muito importante neste teatro de guerra. Com centenas de militares a passarem diariamente aquela porta e logo havia de me chamar a mim! Queres ver que me vai oferecer um lugar nos altos comandos?"
Lá vou eu, meio entusiasmado e a tremer como varas verdes, falar com o “homem grande” do quartel dos Adidos. O altíssimo graduado (altíssimo, já que o amarelo ocupava quase na totalidade os seus ombros) ainda antes de me mandar entrar, sem perguntar quem eu era, de onde vinha e para onde ia, atira-me à cara: "Você já se viu ao espelho?"
Eu, a gaguejar, lá fui dizendo: "Meu comandante, no nosso destacamento não há espelhos"…
Seguiu-se a ordem: "Vá imediatamente ao barbeiro e rape-me essas excrescências dependuradas nesse lábio superior".
Não obstante a “tremideira”, ainda pensei: com toda a região a ferro e fogo, com a guerra praticamente perdida e a preocupação deste altíssimo graduado é o bigode (ou quase bigode) do Furriel Costa?… Pensaria o homem que, cortando o bigode do furriel Costa, a situação dramática que se vivia no terreno ia dar a volta? Enganou-se. Não deu! Em abono da verdade talvez porque eu, não respeitando a ordem superior, não cortei o bigode!… (...)
Analisando hoje mais friamente a situação, constato que o homem (em abono da verdade não sei se era o comandante ou alguém do seu “staff”) teve muita sorte na pessoa que escolheu para alimentar o seu ego. Alguém que ansiava, mais que tudo, que o tempo passasse para regressar a casa para junto da família e amigos, pelo que, disposto a cumprir, até ao limite da dignidade, todos os ensinamentos e conselhos do seu irmão e “padrinho de guerra”: "Respeita os teus superiores"!!!
Acabado de chegar de férias, a caminho de uma zona a ferro e fogo, com a notícia da morte de um camarada (o terceiro), no dia anterior num ataque ao destacamento, e ser confrontado por um alto graduado do ar condicionado de Bissau, com sofá de veludo (pelo menos parecia) e cristaleira com garrafas de uísque e copos de cristal (pelo menos pareciam já que não tinham pó – coisa rara na Guiné), embirrando, com a arrogância dos fracos, com o seu bigode,!... fosse alguém com o sangue mais quente e uma tragédia teria acontecido…
Este altíssimo graduado precisava de passar um dia no Cumbijã, fazendo revista às tropas em parada no dia da operação “Balanço final” (assalto a Nhacobá). O mais provável era não haver operação já que, analisando a fotografia do meu pelotão, ninguém estava em condições (de ir de fim de semana) de sair do destacamento (...)
Em abono da verdade (e para descanso do meu irmão Manuel), não desrespeitei a ordem do superior, mas, tal como dizia o meu irmão Avelino “finúria” para quem se arma em fino: antecipando a viagem para o Cumbijã, embarcando nesse mesmo dia num Nordatlas, não sobrou tempo para o corte. (...)
Está reeditado o poste, com o esclarecimento, "just in time", do Augusto Silva Santos: o "Grelhas" nunca foi fuzileiro (nem nunca deve ter andado à porrada com o coronel paraquedista Rafael Durão, e muito menos deve-lhe ter partido a mão!, o que contrário é que seria mais provável), mas sim soldado de uma companhia de caçadores... O seu nome é Armando e é (ou foi) taxista no Porto!... Se alguém o conhecer, que o traga até ao nosso blogue: deve ter muitas histórias para contar... "Grelhas", porquê ? Por "ir dentro" muitas vezes ?
O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!
Já se descobriu o Armando "Grelhas" (taxista no Porto)... Será que não há uma pista que nos leve ao "homem da rádio", Carlos Boto ?...
Caro Luís
"Grelhas" poderá haver muitos!
Todos aqueles que, por força dos seus comportamentos, seriam "ocupantes frequentes" de locais de detenção os quais, na gíria da época, eram frequentemente referidos por "grelhas" por as janelas (quando existiam) tinhas as barras com espaços apertados para evitar fugas e com facilidade se confundiam com "grelhas" ou uma outra expressão de "ver o sol aos quadradinhos".
Sem ter a certeza, já lá vão muitos anos, e o meu interlocutor já faleceu, o meu camarada de curso TSF Nélson Batalha contou-me alguns episódios passados com um tal "grelhas" em Catió, onde ele esteve entre Dezembro de 1970 e Abril de 1971. Presumo ser a mesma pessoa. Acho que havia como que uma espécie de "companhia disciplinar" que, além do "grelhas", comportava mais alguns militares que provinham do cumprimento de penas.
Lembro-me de me ter falado dum tal "Ruizinho pugilista", filho rebelde de uma boa família de Gaia, que também tinha um longo cadastro e do qual se gabava exibindo recortes de jornais que referiam as suas "façanhas", como por exemplo uma situação que lhe deu prisão por "ofensas corporais" a uma jovem, alegadamente de "vida fácil" com quem tinha tido uma discussão por uma futilidade qualquer e que quando ele já se encontrava na rua lhe atirou da janela do 1º andar, um despertador à cabeça. Calmamente, segundo ele, pegou no relógio, subiu as escadas, entrou na casa, perguntou qual foi a mão que atitou o relógio e após a resposta. partiu-lhe o braço respetivo. Hospital, queixa, prisão.
Doutra vez, encontrava-se suspeitamente encostado a uma montra de uma ourivesaria e um guarda nocturno aproxima-se e tremelicando aponta-lhe uma arma para ele sair do local e ao qual o "Ruizinho" com muita calma lhe diz "olha, se me molhas, bato-te!" deixando desconcertado o pobre homem.
Quanto ao "grelhas" de Catió teve de facto um problema disciplinar porque, alegadamente, teria partido umas costelas a uma bajuda, com uns pontapés, quando se encontrava junto à porta de armas, tendo alegado que na verdade teria sido um acidente e que teria agido de boa fé pois a rapariga em causa tropeçou em algo e ia a cair e para evitar isso ele estendeu a bota para amparar a queda. As costelas partidas foram o resultado do impacto do corpo com a bota e não a bota no corpo. Parece que não acreditaram...
Hélder Sousa
Costa
Já tinha lido no teu livro essa da tua bigodaça.
Realmente, só como anedota do Raul Solnado dá para acreditar: 'vai para a guerra mas vai lavadinho e bem barbeado'.
Comigo passou-se o contrário, de ir deixar a guerra.
Eu, mais outros três furriéis (Pais de Sousa, Manuel Macias e Abílio Duarte) resolvemos vir para a peluda de avião e não esperar mais uns vinte dias para regressarmos de barco com o resto da Companhia.
Antes da ida para o aeroporto fomos, não sei bem porquê, despedirmos do Cmdt. dos Adidos.
Explicamos a razão da viagem de avião, que pagando a diferença do custo da nossa viagem de barco podíamos ir passar o Natal com a família (era dia 18 de Dezembro e o barco partia a 12(?) de Janeiro).
Muito bem, fizeram a vossa comissão de serviço, boa viagem, mas.... você tem de cortar essas grandes patilhas assim não está bem, disse-nos o oficial apontando para mim por causa das patilhas.
As minhas patilhas, eram patilhas à anos 70 que usava há muito tempo.
Meu coronel, se eu cortar as patilhas fico com umas manchas na cara e dá um ar de doente quando chegar junto da família, disse eu referindo-me às marcas deixadas não queimadas pelo sol.
Tá bem, mas corte um bocado e boa viagem, disse o oficial.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz
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