domingo, 9 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje  ? Cacine ? Catió ?   Cufar ? > c. 1969/70 > Foto nº 71 >  Tudo indica que se tratatava um grupo de "bajudas", fulas e futa-fulas (meninas, umas mais crescidas do que outras),   que acabavam a cerimónia do "fanado" (*).. Sendo do último lote das fotos do autor, é provavel que a localidade seja  Catió ou Cufar. Compare-se a opinião do Cherno Badé: "A imagem mostra um grupo de raparigas muçulmanas durante a celebração da saida do fanado. Não conheco a composição da população de Cufar, mas há uma forte probabilidade que esta imagem seja de Guileje ou Cacine". E acrescenta posteriormente: "A localidade de Cufar é a excluir e mantêm-se as outras como possíveis, com maiores probabilidades para Catió (Priame) e Guileje".


Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 41 >  Um típico comportamento dos primatas: fazendo a higiene do cabelo, catando parasitas (piolhos, pulgas e lêndeas)... O famoso "groming", descrito pelos primatólogos... Legenda do Cherno Baldé: "Meninas futa-fulas (de origens diversas, aliás como era a generalidade da população futa-fula nas áreas de Cubucaré e Quitáfine. região de Tombali), a tratar do penteado, em horas de folga".


Guiné > Região de Tombali > s/l (Guileje ?) > c. 1969 > Foto nº 38 > Foto de grupo de adolescentes . A bajuda do lado direito usa relógio de pulso e a rádio portátil, transistorizado... Acrecsenta o Cherno Baldé: "Uma familia cristã, crioula, assimilada, provavelmente, de origem cabo-verdiana ou das praças de Cacheu, Bissau, Bolama ou Geba".



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 39 > Bajuda



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 43 >A caminho da fonte (?), que ficava fora do perímetro de segurança do quartel e tabanca, a cerca de 3/4 km. Era o "calcanhar de Aquiles" de Guileje, como se viu por altura do "cerco" de maio de 1973.


Guiné > Região de Tombali > s/l (Catió ou Cufar > c. 1970 > Foto nº 83 > Diz o Cherno Baldé que é "um ourives juta-fula de metais finos (ouro e prata) a julgar pelos utensilios em uso, trabalhando na sua oficina".

Só conheci ourives mandingas (etnia de eram grandes artesões: em Bafatá, na zona leste, havia um famoso ourives, mandinga). (LG)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 > Foto s/n (1) >



Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n (2) >


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n  (3)>
 
Estas três últimas fotos, não numeradas, fazem parte de uma notável sequência de um funeral muçulmano, realizado fora do perímetro do quartel e tabanca de Guileje e que o fotógrafo acompanhou (juntamente com soldados do pelotão) do princípio ao fim (**), e de que mais abaixo se apresenta uma descrição resunida.

Fotos (e legendas): © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1.  São fotos notáveis do Armindo Batata, reveladoras de uma grande sensibilidade sociocultural (que nem todos tinham,  os graduados metropolitanos, a servir em subunidades com praças do recrutamento local). 

Comandante de um subunidade militar composta por guineenses, de diversas etnias, este nosso camarada estava atento a aspetos da vida quotidiana e da cultura da população  onde  se inseria, como era o caso dos rituais de passagem como o "fanado" (feminino) ou das cerimónias fúnebres.

Acrescente-se que as fotos aqui publicadas foram objeto de edição, como é prática de resto habitual no nosso blogue: melhoria da resolução, do brilho, do contraste, do enquadranento, etc..

 2. Relativamente ao cortejo funerário e enterro muçulmano, podemos fazer aqui uma  uma breve descrição:

(i) os participantes encaminham-se para a mata; à esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca  [foto s/nº, (1)];  

(ii) o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar;

(iii) percebe-se pelas  imagens que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco;

(iv) os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração; 

(v) inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira  [foto s/nº, (2)];

(vi) descida do corpo à terra.possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra  [foto s/nº, (3)],
 
Comentou o nosso Chero Baldé (**): 

"O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

"Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

"A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

"O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e económicos) ligados às tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada" (...)

Posteriormente acrescentou, à foto s/n (3): "O último adeus ou a breve reza da despedida do defunto após o seu enterro".


3. Cerca de uma centena de fotos, a preto e branco, foram cedidas pelo Armindo Batata ao nosso amigo Pepito (1949-2014), integrando hoje o Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Temos cópia desse arquivo desde 2007.  

O Armindo Batata é também um dos nossos grão-tabanqueiros mais antigos. Infelizmente não temos tido, desde há uma boa dúzia de anos, notícias dele.   É formado pelo ISEL e,  a tratar-se da mesma pessoa, vive em Alpiarça, onde é autarca. 

Um alfabravo muito especial para ele, com toda a nossa gratidão e apreço eela partilha das suas memórias da Guiné .

4. Ainda para a história do Pel Caç Nat 51 (***),  refira-se:

(i) a origem do Pel Caç Nat 51 remonta a setembro de 1966, devendo ter sido extinto em meados de 1974, como as demais subunidades africanas;

(ii)   segundo informação do Henique Matos, primeiro cmdt do Pel Caç Nat 52, o seu e os Pel Caç Nat 51, 53,  54, 55 e 56 formaram-se em Bolama;  

(iii) passado um curto IAO,  
o Pel Caç Nat 51 saiu numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca;

(iv) na mesma ocasião também sairam de Bolama:  o Pel Caç Nat 53, do Alf Mil Serra, que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550; o Pel Caç Nat 51, do Alf Mil Perneco, que foi para Guileje; e o Pel Caç Nat 54, do Alf Mil Marchand (que foi inicialmente para Mansabá mas passado pouco tempo também foi parar ao Enxalé.) 



Odivelas > 16 de Junho de 2007 > Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56> "Uma imagem do que foi possivel juntar da formação inicial dos primeiros Pelotões de Caçadores Nativos, passados 41 anos do seu início em Bolama.

(i) Pel Caç Nat 51 > Alf mil Perneco (16), fur mil Carvalho (3), fur mil  Azevedo (1) , fur mil  Castro (12), 1º  cabo Ramos(4) e 1º cabo Marques(6);

(ii) Pel Caç Nat 52 > Al mil Henrique Matos (13), fur mil Vaz (15), fur mil Altino (11), fur mil  Monteiro (10) e 1º cabo Cunha (7);

(iii) Pel Caç Nat 54 > Fur mil  Viegas (9), fur mil Costa (2), 1º cabo Januário (14) e 1º cabo Coelho (8):

(iv) Pel Caç Nat 56 > Fur mil  Delgado (5).

(v) "Para nosso desconsolo, e muito falamos nisso, não possível até agora encontrar os restantes elementos dos nossos pelotões que regressaram, porque tivemos algumas baixas, nem qualquer elemento do 53 e do 55". (****).


Foto (e legenda): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

____________________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 27 de setembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)

(****) Vd. poste de 28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

10 comentários:

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Complemento de info para a legendagem:

Foto 71_A localidade de Cufar é a excluir e mantêm-as outras como possíveis, com maiores probabilidades para Catió (Priame) e Guileje.

Foto 41_Meninas futa-fulas (de origens diversas, alias como era a generalidade da população futa-fula nas áreas de Cubucaré e Quitáfine (região de Tombali), a tratar do penteado, em horas de folga.

Foto 38/39_Uma familia Cristã, Crioula, assimilada, provávelmente, de origem Caboverdiana ou das praças de Cacheu, Bissau, Bolama ou Geba.

Foto s/n_O último adeus ou a breve reza da despedida do defunto após o seu enterro.

Cdte

Cherno Baldé

Anónimo disse...

PS:

Foto 83_Ourives Futa-fula de metais finos (ouro e prata) a julgar pelos utensilios em uso.

Cherno AB

paulo santiago disse...

Não tive conhecimento do mencionado encontro de Pelotões Nativos

Abraços

P. Santiago

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno, tens um "olho de lince", como se diz aqui nossa terra. Vês mais longe e mais fundo, sentado junto ao tronco do poilão da Tabanca Grande do que os "tugas" todos juntos, lá no alto das suas cátedras...

Pois, claro, aqueles jovens das fotos nº 38 e 39 não podiam ser futa-fulas, mas "assimilados" (não gosto do termo"), "grumetes" ou "cabo-verdianos"... Enfim, jovens de famílias cristãs... As raparigas por certo que trazem fios ao peito com o crucifizo (não dá para ver bem...).

Talvez fossem de Cufar: antes da guerra, havia grandes armazéns de arroz, de um conhecido comerciante, velho colono, que veio de Cabo Verde, e apoiante (discreto) da causa nacionalista: escapa-me o nome, Benjamim Correia ? Ou qualquer coisa Barbosa ?

Julgo que a grande pista de Cufar (800 metros...), a "Bissalanca do sul", foi feita em terras dele... Está para aí escrito algures, num dos nossos quase 26 mil postes...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Cherno, vou corrigir as legendas... E fazê-las chegar ao Armindo Batata... Já descobri a página dele no Facebook... E ainda tenho o seu endereço de email...

Julgo que seja o mesmo: licenciado pelo ISEL - Instituto Superior de Engenhador de Lisboa, formador em áreas como a automação e a robótica, reformado, deputado municipal em Alpiarça... Um homem que continua vivo, atento e a dar um bom exemplo de cidadania.

Anónimo disse...

Caro amigo,

Essa do Poilão foi boa, fartei-me de rir em boas gargalhadas, sozinho, sentado debaixo da sombra de um enorme poilão em Catió, ao lado da administração da mesna região, onde me encontro nestes dias em missão de serviço. Você é um Homem dotado de muita sabedoria e bom humor, que Deus, Alláh e os Irãs te concedam saúde e resiliência para nos continuar a formar, informar e divertir através deste Blogue de veteranos, antigos combatentes da Guiné que, infelizmente, são cada vez menos.

Eu não sou nenhum sábio, não faço qualquer esforço suplementar de memória, simplesmente vivi e, "malgré moi" acompanhei a Guiné nos últimos 60 anos. Como se diz na nossa lingua: Deus não gosta dos mais velhos, simplesmente já convivem há muito tempo, facto que lhe empresta alguns conhecimentos por experiência própria.

Um grande abraço,

Cherno AB

Jose Macedo, DFE 21 disse...

Um típico comportamento dos primatas: fazendo a higiene do cabelo, catando parasitas (piolhos, pulgas e lêndeas)... O famoso "groming", descrito pelos primatólogos... Legenda do Cherno Baldé: "Meninas futa-fulas (de origens diversas, aliás como era a generalidade da população futa-fula nas áreas de Cubucaré e Quitáfine. região de Tombali), a tratar do penteado, em horas de folga"

Chamar Nharro ja nao basta?

Tenente FZE Macedo- DFE 21-Cacheu/Bolama 73-74

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ó Zeca Macedo, conheces-me desde a já longínqua década de 1970!...Tal como tu (que foste fuzileiro), eu estive numa companhia "africana", a CCAÇ 12, e muitas vezes sozinho no mato com os meus queridos soldados fulas, a quem devo lealdade, amizade e camaradagem... Infelizmente, em 100, estará vivo um ou dois.

O único louvor que tive na tropa, e que consta da minha caderneta militar, reconhece as minhas qualidades humanas no bom relacionamento com camaradas e com a população (civil). Orgulho-me disso.

Se alguma vez utilizei o termo "nharro", foi num contexto de brincadeira, "joking", aqui no blogue, fazendo humor de caserna: devo ter usado um dia a exoressão "os meus queridos nharros"... com uma conotação de afeto, empatia, cumplicidade... Mas tu nunca mais te esqueceste (espero que mo tenhas perdoado).

Quanto à legenda, resulta um pouco da minha "(de)formação profissional": dei aulas, há 30 anos atrás, de etologia e sociobiologia (!), numa universidade privada... E habituei-me, quando me olho ao espelho, de usar a terminiologia dos étologos e primatólogos... Eu sou antes de mais um animal, um primata, e só depois um "homo sapiens sapiens"...

Ainda assisti as aldeias de Portugal, dos anos 50, a cenas (encantadores) de raparigas e mulheres a catarem os piolhos umas às outras... Eu próprio, quando andava na escola, apanhei camadões de piolhos... Apanhávamos todos, ainda hoje os miúdos os apanham, mesmo nas creches... de "gente fina".

E a minha mãe tinha que mos "catar"... Era um suplício: água quase a ferver por cima da cabeça, sabão macaco, pente de osso de baleia, raspar, raspar, até quase tirar o couro cabeludo...

O "grooming" é um comportamento, além de higiénico, com um profundo significo psicossocial... Um abraço fraterno, e abaixo racismo, em toda a parte!... Luís

Valdemar Silva disse...

A propósito das crianças terem piolhos na escola, o meu filho dos 6 aos dez 10 andou num infantário/escola primária e apanhou uma camada de piolhos.
Houve um protesto junto da direcção da escola por vários pais a apresentar queixa por falta de higiene.
O director, que também lá tinha as duas filhas gêmeas, respondia:
- É uma chatice, eu com as minhas filhas quando chegam a casa a uma dou-lhe um beijo a outra cato-a .

Valdemar Queiroz

Jose Macedo disse...

Luis, o meu comentario desapareceu. A tua resposta nao fara sentido para quem nao leu o meu comentario. Um abraco amigo, dos tempos da Praia da Areia Branca.

Jose "Zeca" Macedo, DFE 21-Cacheu, Bolama