Queridos amigos,
É evidente que a leitura de um Boletim Oficial pode dar-nos muito boas informações mas é por definição material incompleto, será a leitura que pude fazer deste período que vai de 1858 até determinada altura de 1861 (no próximo texto dar-se-á notícia da morte de D. Pedro V em novembro, aqui há o regozijo do monarca pelo casamento da sua mana, a Infanta D. Antónia que irá casar com um príncipe Leopoldo Hohenzollern Sigmaringen), teremos também o falecimento, que seguramente provocou grande consternação, de Honório Pereira Barreto; é período de epidemias, com destaque para a cólera morbo e a febre amarela, há diferentes referências a reorganizações dos serviços e ficamos a saber que a Guiné iria participar na III Exposição Universal, em Londres, devia enviar para o evento arroz, cera, marfim, tartaruga, azeite de palma, armaduras, peles de animais selvagens e penas de aves; tanto quanto parece, havia quarentena em Cabo Verde mas não na Guiné.
Um abraço do
Mário
Os Suplementos do Boletim Official trazem notícias do Estado. No caso vertente desta edição de 14 de outubro de 1861, o Sr. D. Pedro V determina às Possessões Ultramarinas que procedam a demonstrações de regozijo pelo casamento da Infanta D. Antónia com o Príncipe Leopoldo Estevão Carlos António Gustavo Eduardo Tassilo, Hohenzollern Sigmaringen, haverá três dias de folga, sendo prometidas demonstrações como iluminações, fogos de artifício e quaisquer outros festejos públicos
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1858 a 1861) (7)
Mário Beja Santos
Os próximos anos serão avaros com notícias da Guiné-Bissau, o que parece inexplicável, atendendo às grandes tensões existentes no Casamansa e em Bolama, para já não falar do quadro de permanentes sublevações e ataques a presídios. No Boletim Oficial n.º 29, de 14 de junho de 1858, vem uma portaria com o n.º 93, o Visconde Sá da Bandeira eleva Bissau à categoria de vila: “Tendo em consideração a povoação de Bissau é a capital da Guiné Portuguesa, e a residência do respeitável Governador, e que tem já um número bastante de habitantes para os diversos cargos municipais: hei por bem determinar que é mesmo a povoação que seja elevada à categoria de vila.” No Boletim n.º 30, de 25 de junho, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, enviara ofício para o Governador Geral dando-lhe conta que encalhara na Costa da Ilha de Bissau uma canoa pertencente a João Marques de Barros, fora abandonada pela tripulação, depois roubada pelos gentios Papéis, mas o Governador obtivera dos mesmos gentios a restituição dos bens, houve louvor para o Governador pelo zelo mostrado.
Aqui e acolá vão surgindo artigos de saúde, e havia razões para tal, crescera o número de afetados pela febre amarela e pela cólera, proliferam os artigos de divulgação, fala-se de tudo desde o coral a poços artesianos. As informações sobre o serviço marítimo são abundantes. No Boletim n.º 43, de 24 de fevereiro de 1859, pela Portaria 221 do Ministério da Marinha e Ultramar, é nomeado o Tenente-Coronel Honório Pereira Barreto, adido ao Batalhão de Artilharia de 2.ª Linha, da cidade da Praia, em Governador da Guiné. E no Boletim de 4 de maio vêm más notícias, como se escreve:
“Da Guiné, aonde o ano passado passava uma epidemia devastadora, consta pelas notícias ultimamente recebidas que o estado sanitário é regular. A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta de o único homem que conhecia profundamente a Guiné; que estendia a sua influência para o interior e na Costa, a grande distância, instruído, e sempre pronto ao serviço do seu país, é uma perda irreparável”, declarou o Governador Geral, Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes no discurso de abertura da Junta Geral do Distrito, em 15 de maio.
Nada consta de minimamente interessante no ano de 1860. No ano seguinte, no Boletim Oficial n.º 6, de 9 de fevereiro, consta o Ofício n.º 8 do Governo da Guiné Portuguesa, e reza o seguinte: “Na noite de 24 de setembro de 1860, aportou a esta vila, uma lancha, conduzindo o capitão e a tripulação do brigue francês Timor, naufragado na madrugada de 19, nos baixos da Costa da Ilha de Orango, uma das do arquipélago dos Bijagós; imediatamente que aqui chegaram os náufragos, apresentou-se o capitão a dar-me parte do ocorrido, recusando todavia qualquer socorro que lhe ofereci, ainda mesmo o de mandar ver se era possível desencalhar o seu navio. Achava-me naquela ocasião e neste porto o palhabote Bissau, que sem perda de tempo mandei aprontar para ir levar os feridos náufragos a Goreia”, assina o Governador António Cândido Zagalo.
Passamos agora para o Boletim n.º 10 de 19 de março desse ano, um assunto da Justiça: “Atendendo a que os meses de agosto e dezembro, em que, pelo artigo 10.º do Decreto de 1 de outubro de 1856, os juízes do distrito da Província de Cabo Verde devem fazer a correição dos diversos julgados as respetivas comarcas são tempos de chuva na Guiné, e em que aquela região que é a mais insalubre, é quanto os meses de fevereiro, março e abril ou são inteiramente saudáveis ou muito menos doentios: hei por bem determinar o seguinte: a correição que o Juiz de Direito da Comarca de Sotavento da Província de Cabo Verde deve fazer anualmente nos Estabelecimentos na Guiné, terá lugar no tempo que decorres desde o princípio de fevereiro até ao fim de abril” – trata-se de uma portaria do Ministério da Marinha e do Ultramar.
Temos agora uma informação que não deixa de causar surpresa, consta do Suplemento ao n.º 24 do Boletim Official, de 18 de junho de 1961. A propósito da realização da III Exposição Universal, a decorrer em Londres, em maio de 1872, haverá previamente uma exposição onde participarão a agricultura, a indústria e o comércio. É criada em Cabo Verde, em Santiago, uma Comissão com a colaboração do Governador Zagalo pela Guiné, a fim de reunir os produtos que aqui se enviam quanto à Guiné: arroz, cera, marfim, tartaruga, azeite de palma, armaduras, peles de animais selvagens e penas de aves. No Boletim n.º 25, de 22 de junho, são referidas situações de quarentenas e estabelece-se regulamento para a quarentena na Província de Cabo Verde.
E despedimo-nos com uma referência ao Boletim n.º 42, de 2 de novembro, é a Portaria n.º 246 do Governo Geral da Província de Cabo Verde, vejamos o que nela é essencial:
“Sendo conveniente, e de toda a urgência, estabelecer um serviço de comunicações regulares entre este arquipélago e a Guiné Portuguesa; tendo sido para este fim expressamente destinado o palhabote de guerra Bissau; e atendendo às vantagens incontestáveis que de uma tal medida devem resultar, não só para o Governo, mas também para o comércio, que nas suas transações tem decerto sofrido bastante com a falta de absoluta correspondência: hei por conveniente determinar:
O referido palhabote sairá impreterivelmente do porto da cidade da Praia para Bissau no primeiro dia de cada um dos meses de janeiro, abril, junho e outubro; assim como partirá de Bissau para esta cidade, fazendo escala por Cacheu, no primeiro dia dos meses de maio, junho, setembro e outubro;
Durante o tempo que medeia entre o dia da chegada do palhabote a Bissau, e aquele em que fica determinado que deve voltar para a cidade da Praia, poderá ser o mesmo navio empregado em qualquer comissão pelo serviço que assim exija, sem que seta forma, ou sob qualquer pretexto, fique permitido alterar a sua partida regular dos dias já indicados;
Quando em Cacheu tenha tão somente de entregar e receber correspondência, para evitar o perigo da entrada da barra, poderá ficar fora do porto, mandando apenas o escaler a terra;
Por benefício do comércio e comodidade dos particulares, poderá o palhabote de Bissau receber carga e passageiros, até onde comportar a lotação do navio, sem prejuízo dos objetos e passageiros que tenha de transportar por conta da Fazenda.”
Justifica-se ainda uma observação quanto à Portaria n.º 247, também de 2 de novembro, o Governador Geral da Província de Cabo Verde esclarece a jurisdição da Comissão Fiscal da Guiné, as suas atribuições, composição, encargos.
Fotografia de D. Pedro V
Túmulo de Honório Pereira Barreto em Bissau
Forte de Cacheu, Honório Pereira Barreto numa escultura despedaçada
Igreja de Nossa Senhora da Natividade, Cacheu
Uma imagem que vale por milhentas palavras
(continua)
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Notas do editor:
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Último post da série de 10 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25628: Notas de leitura (1699): Kangalutas, por Abdulai Sila; Ku Si Mon Editora, 2018 (Mário Beja Santos)
3 comentários:
"Uma imagem que vale por minhentas palavras", sem dúvida.
Julgo não ser uma fotografia do nosso tempo, pois nota-se uma ligeira modernidade nestas lavadeiras de regresso da lavagem da roupa.
Reparo na estrada de terra batida, no transporte dos filhos às costas e nos alguidares à cabeça, mas de chinelos e bem vestidas com a particularidade de a da direita usar soutien.
Aqui por os meus lados, ainda vejo mulheres africanas a levar os filhos às costas quando vão às compras, mas muitas já levam os filhos de carrinho de bebé para o trabalho.
A imagem merece ser comentada com minhentas palavras, que o meu comentário pouco vale.
Valdemar Queiroz
Algumas vezes as fotografias são tão simples e claras que hesito em fazer um comentário, por pensar que são do conhecimento geral. Se este for o caso, as minhas desculpas.
As mulheres Grandes nas fotografias, as suas roupas e a forma de transportar as crianças parecem ser da etnia Balanta. À mulher chamávamos mulher grande porque era mãe, e à criança chamávamos RACAL, porque a forma de transportar a criança era igual à do militar de transmissões , que transportava o Rádio de transmissões Racal TR-28 nas operações.A qualidade do vestuário,os alguidares e os chinelos são um indicador de que possuíam fontes de rendimento. Uma das suas fontes de rendimento era o Camarão que abundava nas margens do rio Mansoa a Sul de Bula, perto do Destacamento de João Landin Norte. Depois de atravessar o Rio Mansoa na jangada, caminhavam até Safim, onde apanhavam o autocarro da A. Brites Palma, que as levava até Bissau.
O Rio Mansoa a jusante de João Landim era rico em recursos marinhos. nas suas margens, Na vazante da maré as mulheres grandes usavam uma técnica simples mas eficiente, para capturar camarão. Vendiam o camarão e o dinheiro que resultava da sua venda chamavam-lhe patacão.
Um abraço,
Victor Costa.
Costa, julgo tratar-se de mulheres fulas ou mandingas pela aspecto físico e pelos vestidos.
Assim como a fotografia me parece ser recente, recente quer dizer anos depois do fim da guerra e pelo à-vontade como se deslocam pela estrada.
Ser lavadeira da roupa dos tropas também era uma fonte de rendimento para muitas mulheres, na grande maioria ainda bajudas.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
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