segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25973: Notas de leitura (1729): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Maio de 2023:

Queridos amigos,

Este I Congresso Internacional sobre a guerra colonial realizou-se em 2000, o quadro de conhecimentos, o acervo literário, o jornalismo e a literatura e as artes plásticas precisam de uma atualização, quase um quarto de século depois. Agora, quando se esboça o plano das comemorações para os 50 anos do 25 de Abril, bom seria que a comissão organizadora não se esquecesse da guerra colonial em si, do salto que deu a investigação histórica, da explosão literária (se bem que, pelas minhas contas, as peças mais originais e destinadas à galeria dos clássicos, tenham aparecido entre os anos 1980 e 1990, das séries televisivas, das reportagens, do cinema e da televisão e da avalanche de literatura memorial que é a tónica dominante dos últimos anos. 

Há que agradecer a Rui de Azevedo Teixeira, João de Melo, Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes e a Madalena Calafate Ribeiro o empenho de, através de eventos, ter convocado as vozes intervenientes e as plasmado em livro. Talvez mais acertado fosse trazer agora à cena historiadores da Guiné, Angola e Moçambique e os investigadores que ainda subsistem na outra cena internacional para se fazer o ponto de situação atualizado, meio século depois das armas se terem calado. Seria um belíssimo brinde à boa convivência lusófona, não vos parece?

Um abraço do
Mário



A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional) (3)

Mário Beja Santos

O volume A Guerra Colonial: realidade e ficção (livro de atas do I Congresso Internacional), teve como organizador o professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira, Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional. Participaram dezenas de comunicadores. Na altura em que foi editada, a obra era assim apresentada:

“Neste livro, que recusa a tirania da coisa política sobre a História ou a Literatura ou a insidiosa pressão do mediaticamente correto, correm textos de estudiosos da guerra e de grandes guerreiros, de portugueses e estrangeiros (lusófilos, lusófobos e lusófonos), de homens e de mulheres, de nomes consagrados e de novos investigadores da temática da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar. Académicos, militares, académicos militares, escritores, psiquiatras, cineastas, jornalistas, gestores e outros contribuem nesta obra para uma compreensão mais alargada e mais profunda da guerra de guerrilha que, fechando o Império, obrigou a uma definitiva mudança de paradigma da nossa História.”

Recomendo aos interessados a leitura dos testemunhos de guerra, Guilherme de Melo, Mário Pádua, António Viana, José Manuel Barroso dão conta das suas observações de como viram e agiram na guerra. O então capitão José Manuel Barroso debruça-se sobre Spínola e relata assim o seu depoimento:

“Eu venho a Lisboa no outono de 73, ele lê-me algumas passagens do livro e diz-me com ar muito divertido: ‘Os tipos estão à rasca, não sabem o que me hão de fazer, não sabem onde me hão de colocar, mas Portugal e o Futuro vai ser publicado’. Na verdade, Spínola, neste momento, também tinha compreendido uma coisa: com a vinda dele para Lisboa, o território Spínola, essa parte dele viera com ele próprio, a Guiné, que, depois de Gadamael já não era o mesmo e que também se estava autonomizando, pelo efeito dos terríveis ataques e pela enorme instabilidade psicológica que isso criara nas tropas. Quando eu regresso à Guiné, Spínola já sabe que vai ser Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e diz-me: ‘Eles pensam que, com esta nomeação, não vão levar com o livro, mas vão levar com ele!’ Eu lembrei-me nessa altura de uma conversa que havíamos tido em Bissau em que a certa altura lhe disse: ‘Meu general, o senhor qualquer dia é uma espécie de segundo Delgado.’ ‘Segundo Delgado? Nunca. Há uma coisa que eu nunca farei: é sair do sistema, e é dentro do sistema que vou agir.’”

A psicóloga clínica Teresa Infante abordou as consequências psicológicas da guerra nos indivíduos com stress pós-traumático, isto na qualidade que tinha de ser consultora da ADFA, associação que desde 1987 se dedica ao despiste, avaliação e encaminhamento dos doentes com stress pós-traumático, e procura partilhar com a assistência algumas reflexões sobre as consequências psicológicas destes doentes no meio familiar e social. Refere os sonhos, pesadelos, pensamentos constantes sobre a guerra, frieza afetiva, grande impulsividade, depressão, alcoolismo e até incapacidade de hierarquizar a resolução das situações. Há doentes que partilham com as famílias as vivências da guerra, o que ajuda os familiares a procurarem perceber o que eles sofreram. Há, também, aqueles que nunca disseram nada do que viram ou foram forçados a fazer e há aqueles que foram marginalizados pelos colegas de trabalho e pela sociedade em geral e os tratam como assassinos, nestes casos fecham-se e não partilham com ninguém as suas experiências. Adotam comportamentos extravagantes como verificar antes de se irem deitar se não está ninguém debaixo da cama, saltarem desta ou gritarem a meio da noite, porque alguém os está a atacar, ou manifestarem explosões de raiva que conduzem a agressões físicas, como também têm medo de perder o controlo e querem sempre passar à ação. Em suma, é uma gama de situações que geram um ambiente familiar completamente desadequado, em permanente sobressalto, ambiente familiar disfuncional.

A psicóloga refere a importância do papel das mulheres e dos filhos e põe em equação o doente com stress pós-traumático e o seu trabalho: falta de interesse, problemas de concentração, dificuldade em decidir ou completar uma tarefa, dificuldade em aceitar ordens que eles consideram incorretas (é oportuno lembrar o leitor de que estamos a falar de um relato datado de 2000, teria o maior interesse em conhecer hoje o diagnóstico destes stressados, seguramente que numa situação de reforma).

Na sequência deste depoimento da psicóloga Teresa Infante tomou a palavra Humberto Sertório, então presidente da Associação dos Deficientes das Forças Armadas que expôs as reivindicações que então se faziam para um quadro de proteção aos deficientes militares. Iriam depois depor escritores, investigadores, jornalistas e cineastas sobre a dimensão da ficção com que é vista a guerra. O livro procede a um levantamento dos filmes que passaram em circuito comercial ou na televisão, intervieram escritores e investigadores (Joana Ruas, Manuel Barão da Cunha, Álvaro Guerra, Leonel Cosme, Armandina Maia), fizeram-se exposições sobre importantes obras da literatura da guerra, caso de Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes, Lugar de Massacre, de José Martins Garcia, a análise da obra de Manuel Seabra, Maria Velho da Costa e Lídia Jorge; igualmente foram apreciadas as crónicas testemunhais de Vasco Lourenço e Salgueiro Maia. O painel dos jornalistas ofereceu depoimentos de grande interesse, caso de Adelino Gomes, Acácio Barradas, Fernando da Costa e João Paulo Guerra. Por último, falou-se da guerra e do cinema, e quem testemunhou foram mesmo os cineastas.

Esta obra encontra-se presentemente esgotada, faria mais do que sentido diligenciar-se a realização de novo congresso e incluí-lo nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, muito mais se tem escrito, filmado, televisionado, investigado sobre a guerra colonial, enfim a realidade e a ficção ganharam mais densidade, os 50 anos ficariam abrilhantados com o ponto de situação atualizado quer quanto a estudos, quer quanto a literatura e o que as artes plásticas vieram denunciar no entretanto.

Aqui fica o desafio, a quem de direito.

Mensagens de Natal, Moçambique, imagem retirada da RTP, com a devida vénia
Guerrilheiros do PAIGC deslocando-se num carro blindado na Guiné-Bissau. Imagem retirada da Casa Comum, Mário Pinto de Andrade, com a devida vénia
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Nota do editor

Vd. post de 16 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25948: Notas de leitura (1727): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 20 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25961: Notas de leitura (1728): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1875 e 1876) (21) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Alberto Branquinho disse...

Mário

Gralha: No texto de apresentação, linha 11: Em vez de "Aniceto Afonso" está "Anisete Afonso".
Abraço

Antº Rosinha disse...


Beja Santos a sonhar:

"Talvez mais acertado fosse trazer agora à cena historiadores da Guiné, Angola e Moçambique e os investigadores que ainda subsistem na outra cena internacional para se fazer o ponto de situação atualizado, meio século depois das armas se terem calado. Seria um belíssimo brinde à boa convivência lusófona, não vos parece?"

Beja Santos não se apercebeu ainda que para os historiadores do outro lado, "a luta ainda continua", para eles ainda é cedo para escrever a história.

Para os africanos faz-lhe imensa confusão não os termos convidado para festejarem com os "brancos" a festa do 25 de Abril.

Não há qualquer sintonia entre historiadores.