Morreu no sábado passado, dia 17, em Lisboa. Nasceu na Ilha do Fogo, Cabo Verde. Foto de jornal [, à esquerda,] enviada pelo Jorge Cabral.
1. Nota do editor do blogue, enviada por e-mail ao pessoal da tertúlia:
Amigos & camaradas:
Lembram-se do capitão 'comando' Barbosa Henriques ? Já aqui foi evocado por alguns de nós... Conheci-o (mal), no Xime e em Fá Mandinga, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos... Fui buscá-los, a ele e aos seus rapazes, ao Xime, quando desembarcaram de uma LDG... O Jorge Cabral privou de mais perto com ele... O Virgínio Briote também o conhecia, do tempo da Academia Militar... E julgo que os demais camaradas dos comandos... Esteve também na PSP, ao que parece...
Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo, no cemitério do Alto de São João. Foi o Virgínio Briote que me deu a notícia. São sempre tristes estas notícias do desaparecimento de ex-combatentes da Guiné... Acho que o blogue pode e deve falar dele...
Evoquei-o, num dos primeiros posts do nosso blogue, em 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça). É possível que o retrato psicológico que fiz dele, fosse inexacto, parcial, redutor, injusto. Era seguramente superficial... Confesso que o conheci mal. Mas não seria justo, de qualquer modo, esqueço-lo. Aqui fica um extracto desse post:
Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando B. Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes [, a 27ª CCmds].
(...) O capitão-comando Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.
E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...
Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)
2. Também o Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63) relembra a sua figura, com muito mais vivacidade e propriedade do que eu, já que foi foi seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné. Aqui fica o texto que me acaba de enviar:
O Meu Amigo, Barbosa Henriques
Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca, não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.
Como Comando-Instrutor, o Capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).
Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.
- Bons tempos Cabral, consigo ia ficando maluco - disse-me então.
- E eu ia ficando Comando - retorqui ao meu único amigo Capitão.
Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o Capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.
Jorge Cabral
Amigos & camaradas:
Lembram-se do capitão 'comando' Barbosa Henriques ? Já aqui foi evocado por alguns de nós... Conheci-o (mal), no Xime e em Fá Mandinga, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos... Fui buscá-los, a ele e aos seus rapazes, ao Xime, quando desembarcaram de uma LDG... O Jorge Cabral privou de mais perto com ele... O Virgínio Briote também o conhecia, do tempo da Academia Militar... E julgo que os demais camaradas dos comandos... Esteve também na PSP, ao que parece...
Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo, no cemitério do Alto de São João. Foi o Virgínio Briote que me deu a notícia. São sempre tristes estas notícias do desaparecimento de ex-combatentes da Guiné... Acho que o blogue pode e deve falar dele...
Evoquei-o, num dos primeiros posts do nosso blogue, em 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça). É possível que o retrato psicológico que fiz dele, fosse inexacto, parcial, redutor, injusto. Era seguramente superficial... Confesso que o conheci mal. Mas não seria justo, de qualquer modo, esqueço-lo. Aqui fica um extracto desse post:
Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando B. Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes [, a 27ª CCmds].
(...) O capitão-comando Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.
E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...
Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)
2. Também o Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63) relembra a sua figura, com muito mais vivacidade e propriedade do que eu, já que foi foi seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné. Aqui fica o texto que me acaba de enviar:
O Meu Amigo, Barbosa Henriques
por Jorge Cabral
Confesso que, quando em Janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [, destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. Ali me encontrava desde Julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.
Em Fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o Capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.
Confesso que, quando em Janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [, destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. Ali me encontrava desde Julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.
Em Fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o Capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.
Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca, não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.
Como Comando-Instrutor, o Capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).
Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.
- Bons tempos Cabral, consigo ia ficando maluco - disse-me então.
- E eu ia ficando Comando - retorqui ao meu único amigo Capitão.
Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o Capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.
Jorge Cabral
3. Ver também nota biogafica mais completa no portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.
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Nota de L. G.:
(1) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1013: Também eu, apanhado, me confesso (Jorge Cabral)
Nota de L. G.:
(1) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1013: Também eu, apanhado, me confesso (Jorge Cabral)