segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1536: In Memoriam... Barbosa Henriques (1938-2007), o ex-instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos (Luís Graça / Jorge Cabral)

[Octávio Emanuel] Barbosa Henriques (1938-2007), antigo capitão de artilharia, cor art na reserva: foi comandante da CCAÇ 2316 / BCAÇ 2835; esteve, de passagem, em Guileje, à frente da CART 2410, em 1969/70; foi supervisor  da 1ª Companhia de Comandos Africanos ( a partir de fevereiro de 1970). e esteve ainda à frente da 27ª CCmds.

Morreu no sábado passado, dia 17, em Lisboa. Nasceu na Ilha do Fogo, Cabo Verde. Foto de jornal [, à esquerda,] enviada pelo Jorge Cabral.



1. Nota do editor do blogue, enviada por e-mail ao pessoal da tertúlia:

Amigos & camaradas:

Lembram-se do capitão 'comando' Barbosa Henriques ? Já aqui foi evocado por alguns de nós... Conheci-o (mal), no Xime e em Fá Mandinga, como instrutor da 1ª Companhia de Comandos Africanos... Fui buscá-los, a ele e aos seus rapazes, ao Xime, quando desembarcaram de uma LDG... O Jorge Cabral privou de mais perto com ele... O Virgínio Briote também o conhecia, do tempo da Academia Militar... E julgo que os demais camaradas dos comandos... Esteve também na PSP, ao que parece...

Morreu no sábado passado, foi a enterrar no domingo, no cemitério do Alto de São João. Foi o Virgínio Briote que me deu a notícia. São sempre tristes estas notícias do desaparecimento de ex-combatentes da Guiné... Acho que o blogue pode e deve falar dele...

Evoquei-o, num dos primeiros posts do nosso blogue, em 11 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - CIII: Comandos africanos: do Pilão a Conacri (Luís Graça). É possível que o retrato psicológico que fiz dele, fosse inexacto, parcial, redutor, injusto. Era seguramente superficial... Confesso que o conheci mal. Mas não seria justo, de qualquer modo, esqueço-lo. Aqui fica um extracto desse post:

Foi então que tive a oportunidade de conhecer o instrutor da 1ª CCA, o capitão-comando B. Henriques. É a ele, muito provavelmente, que se refere o Carlos França, ao evocar a figura do capitão pretoriano, arrancado às páginas de clássicos romances de guerra como os de Jean Lartéguy. Julgo que ele já tinha feito uma comissão na Guiné, à frente de umas das companhia de comandos então existentes [, a 27ª CCmds].

(...) O capitão-comando Barbosa era, para mim, a personificação do profissionalismo militar, cada vez mais raro naquelas paragens: um tipo espartano, frio, calculista, distante, seco de palavras mas formalmente correcto… Imaginava-o programado até ao mais ínfimo dos gestos, saído da linha de montagem de fábricas de militares como as de West Point! A ele se atribuía, justa ou injustamente, a afirmação tão sintomática quanto estereotipada de que uma 'instrução de comandos sem uma boa meia-dúzia de mortos não era instrução de comandos nem era nada'.

E, no entanto, por detrás daquela máscara impassível de duro e daquele comportamento quase robotizado que me causava simultaneamente atracção e repulsa, havia um homem de carne e osso, tímido e sentimental, tão só como nós, capaz de deixar trair as suas emoções, e de falar de outras coisas bem mais comezinhas e menos metafísicas do que a arte da guerra. Ou não fora ele de origem cabo-verdiana, se não me engano...

Chegámos a conversar, em grupo, com alguma descontracção e civilidade, entre dois copos de uísque e o 'All you need is love' dos Beatles, como música de fundo, no bar do quartel de Fá Mandinga, enquanto lá fora os seus rapazes, sedentos de aventura e de emoções fortes, preparavam um festival de fogo de artifício como recepção ao periquito do alferes miliciano médico que acabava de chegar à companhia (Um luxo, diga-se, de passagem já que no TO da Guiné o que era normal era haver um médico por batalhão, ou seja, um médico, para no mínimo quatro companhias, ou sejam, 600 homens; diga-se de passagem que nunca convivi com o médico dos comandos, nem me lembro do seu nome). (...)


2. Também o Jorge Cabral (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 63) relembra a sua figura, com muito mais vivacidade e propriedade do que eu, já que foi foi seu amigo e cúmplice das noites de Lisboa, no regresso da Guiné. Aqui fica o texto que me acaba de enviar:

O Meu Amigo, Barbosa Henriques

por Jorge Cabral


Confesso que, quando em Janeiro de 1970 me informaram que os Comandos Africanos vinham completar a instrução em Fá [, destacamento à guarda do Pel Caç Nat 63], não fiquei nada satisfeito. Ali me encontrava desde Julho de 1969, com os meus soldados e famílias, vivendo uma pacífica rotina, só de quando em quando interrompida, com a chamada para alguma operação para os lados de Xime ou de Mansambo.

Em Fevereiro, e após a Engenharia ter preparado as instalações, chegaram os Comandos Africanos, e conheci o Capitão Barbosa Henriques. Talvez porque os contrários se atraem, logo entre nós se estabeleceu uma relação cordial que veio dar lugar a uma verdadeira amizade.

Comandante do Destacamento, dependendo apenas de Bambadinca, não alterei em nada a minha forma de estar, continuando a andar semi-vestido, e a passar longo tempo na Tabanca, mas não hesitei em oferecer toda a colaboração, tendo até ajudado na instrução e servido de cripto.

Como Comando-Instrutor, o Capitão Barbosa Henriques era duro, severo, espartano, quase um centurião. Teve porém sensibilidade para me compreender, apreciando e mesmo alinhando, nalgumas loucuras, daquele estranho alferes. Sei que, estando em Bolama, ainda falava do Cabral, e da declaração de Amor à D. Rosa, que eu diante dele recitei no Café das Libanesas, em Bafatá (1).

Nos anos de 72 e 73, em Lisboa, convivemos, frequentando o Parque Mayer, suas Revistas e Coristas. Calculem que até me quis convencer a meter o chico, para ser seu adjunto no Forte das Raposeiras, pois ambos pertencíamos à Arma de Artilharia. Creio que a última vez que o vi, foi em meados dos anos 80, quando almoçámos no Quartel onde estava colocado. Tinha boa memória, e recordou aquela vez que me havia pedido para fazer tiro de metralhadora a roçar a cabeça dos instruendos, e eu disparei tão alto que matei oito vacas na Tabanca de Biana.
- Bons tempos Cabral, consigo ia ficando maluco - disse-me então.
- E eu ia ficando Comando - retorqui ao meu único amigo Capitão.

Fora de Lisboa, não pude comparecer no funeral, mas a sua morte entristeceu-me, e é com saudade que lembro o Capitão Barbosa Henriques, meu Amigo.

Jorge Cabral

3. Ver também nota biogafica mais completa no portal UTW - Ultramar Terra Web - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar.
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Nota de L. G.:

(1) Vd. post de 1 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1013: Também eu, apanhado, me confesso (Jorge Cabral)

Guiné 63/74 - P1535: Subsídios para a história da CART 1689, a que pertencia o Belmiro dos Santos João (Victor Condeço)


Guiné > Bissau > CTIG > Guartel Gêneral > 1ª Rep > Nota nº 13830, de 31 de Agosto de 1968. Nota (invulgar ?) de apreço e reconhecimento da Marinha pelo comportamento, a bordo de uma LDM, do pessoal da CART 1689.

Foto: © Víctor Condeço (2006). Direitos reservados.

Texto de Víctor Condeço (ex- Fur Mil Mecânico de Armamento, CCS do BART 1913, Catió 1967/69).
Caro Luís e camaradas de Tertúlia:

Eu não pertencia à CART 1689, mas pertencia ao mesmo batalhão, o BART 1913, com sede em Catió, e privei com os elementos desta companhia durante a sua permanência ali. Embora tenha algumas fotografias da época, onde possam estar o Belmiro (1), já não consigo recordar-me quem era e por isso também não posso falar especificamente dele.

Posso no entanto e como complemento ao que o Fernando Chapouto, o A. Marques Lopes e o Idálio Reis já escreveram (1), acrescentar alguns poucos pormenores, que constam da história da Companhia e que relatam o seu percurso na Guiné entre 1967 e 1969.

A CART 1689, quando em 1 de Maio de 1967 chegámos a Bissau, embarcou na BOR para subir o Geba até Bambadinca, instalando-se ainda nessa noite em Fá Mandinga, onde adquiriu treino e desenvolveu actividade operacional, aí permanecendo até 18 de Julho de 1967.

Em 19 de Julho de 1967 chega a Catió onde rende a CCAV 1484, ficando em intervenção na sede do BART 1913, Comando do Sector.

Em 22 de Março de 1968 é deslocada para Buba a bordo de uma LDG, onde permanecerá até 7 de Abril em concentração de meios, patrulhamentos e treinos.

Neste mesmo dia 7 de Abril de 1968 inicia-se a Operação Bola de Fogo, que teve por missão implantar o Aquartelamento de Gandembel/Ponte Balana, na qual participa e onde chega a 8 de Abril de 1968 (2).

Ao longo desta Operação que decorreu durante vários dias, participaram inúmeros efectivos de pelo menos 14 unidades.

A CART 1689 retirou de Gandembel em 15 de Maio de 1968 via Aldeia Formosa e daqui para Buba nos dias 16 e 17 do mesmo mês.

Pelas 8h30 do dia 23 de Maio a Companhia embarcou em LDG com destino a Catió, tendo passado a noite ao largo do Tombali

No dia 24 de Maio quando a LDG navegava no Rio Cobade foi atacada de ambas as margens, com armamento ligeiro, bazucas e morteiros que lhe provocaram dois rombos, um do lado esquerdo e outro à ré. A Companhia não teve feridos e desembarcou em Catió ao fim da manhã deste mesmo dia.

A CART 1689 permaneceu em Catió em actividade de intervenção até ao dia 10 de Junho de 1968, data em que é transferida para Cabedu, onde permanece até 30 de Julho.

Nesta data inicia a sua deslocação para Canquelifá, Sector de Nova Lamego, que prossegue em 31 e onde chega às 22h30 do dia 1 de Agosto de 1968.

Nesta viagem a Companhia tem um comportamento que merece da parte do Comandante da LDG uma nota de apreço (vd. cópia da Nota nº 13830, de 31 de Agosto de 1968, da 1ª Rep / QG / CTIG. que acima se insere).

A partir de 1 de Agosto a Companhia desenvolve a actividade operacional em toda a zona de Canquelifá, aí permanecendo até ao dia 3 de Dezembro, data em que inicia a transferência para Bissau – Santa Luzia, tendo chegado a Bambadinca nesse mesmo dia.

No dia 5 de Dezembro cerca de 50% da Companhia embarca para Bissau onde chega ao princípio da noite. Só no dia 9 de Dezembro chegam a Bissau os restantes elementos da Companhia.

Durante o mês de Dezembro e até ao final da comissão em 2 de Março de 1969, a Companhia colabora no serviço respeitante ao Batalhão aquartelado em Santa Luzia e ao qual está adida, tomando parte em operações de cerco e rusga.

Faz o seu regresso à metrópole no dia 3 de Março de 1969, em conjunto com as restantes unidades do BART 1913 no N/M Uíge.


Com um abraço para todos
Victor Condeço

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Nota de L.G.:

1) Vd. posts anteriores sobre o Belmiro dos Santos João:

17 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1532: O furriel Belmiro dos Santos João, a primeira vítima mortal do inferno de Gandembel (Idálio Reis)

15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

domingo, 18 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1534: Estórias cabralianas (19): O Zé Maria, o Filho, Madina/Belel e um tal Alferes Fanfarrão (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea da tabanca de Bambadinca, tirada no sentido sul-norte. A tabanca de Bambadinca foi cortada ao meio pela antiga estrada com acesso (muito íngreme) ao aquartelamento (entrada principal, de leste). Foi aberta a uma nova estrada que contornava o aquartelamento pelo lado da tabanca (a leste) e da bolanha (a sul).
Do lado direito são vísíveis casas comerciais, de estilo colonial, a última das quais era a do Zé Maria (onde comíamos os famosos camarões do Rio Geba, ao fundo). São também visíveis, junto ao ancoradouro do Rio Geba, as instalações do Pelotão de Intendência. Os barcos, de pequeno calado, e nomeadamente civis (da Casa Gouveia e outros), chegavam facilmente aqui, transportando víveres e outras mercadorias, ao serviço da intendência militar. Era a partir de Bambadinca que se fazia o abastecimento de grande parte das NT instaladas na Zona Leste (Bafatá e Gabu).
No foto, pode ver-se, em primeiro plano, a saída (nordeste) do aquartelamento, a ligação (B) à estrada (alcatroada) Bambadinca-Bafatá (C), paralela à antiga estrada (A) que cortava a tabanca ao meio. Ao fundo, o Rio Geba Estreito (E). Junto ao rio, as instalações do Pelotão de Intendência (D). A casa comercial do Zé Maria ficava em C. (LG).

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados.

Zé Maria, o Filho, Madina / Belel e um tal Alferes Fanfarrão


(Ex-Alf Mil Art Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71)

Bambadinca era então para o Alferes, feito nharro de Tabanca, a Cidade. Para lá ir, fazia a barba, aprumava o seu único camuflado apresentável, munia-se de alguns pesos e, acima de tudo, preparava o relim verbal sobre ficcionadas aventuras operacionais, que iriam impressionar o Comandante.

Antes de entrar no Quartel, habituara-se a abancar no Gambrinus local, o tasco do Zé Maria, bebendo, petiscando e conversando. Um dia encontrou o Senhor Zé Maria, muito preocupado. O filho adolescente que estudava em Lisboa, ia chumbar.
Claro, logo o Alferes, prometeu interceder.
- Como se chama o rapaz? Que colégio? E o nome dos Professores?
Apontadas as respostas, descansou-o.

– Amanhã mesmo já escrevo para Lisboa.

E foi à vida, sem pensar mais no assunto… Três semanas passadas, assim que o Alferes pôs o pé no cais, correu para ele o senhor Zé Maria eufórico, aos gritos:

- Senhor Alferes! Senhor Alferes! Muito obrigado! Conseguiu! O rapaz passou!


Disfarçando a surpresa, e quase amachucado com o valente abraço, o Alferes apenas comentou.

-Então não lhe disse? Eu sou assim! Promessa feita é promessa cumprida.

E lá foram os dois comemorar. A partir desse dia, nunca mais o Alferes pagou, nem de comer, nem muito principalmente de beber… passando a lá parar, não só à chegada, mas também à partida. Mas o senhor Zé Maria não oferecia só de comer e de beber, dava-lhe também preciosas informações e conselhos.
- Se quiser fazer um grande ronco... - e indicava locais, trilhos, passagens.


Porém o Alferes, não queria ronco nenhum, e tanto conhecimento fazia-o desconfiar. No início de Abril, estava o Alferes no seu quarto whisky, disse-lhe o senhor Zé Maria:

- O Senhor Alferes também lá vai? É perigoso!

Lá e perigoso, só podia ser Madina, pensou o Alferes, que imediatamente debandou para o Quartel, entrando de rompante no Gabinete do Polidoro, onde Fanfarrão, atirou:
- Como é meu Comandante? Será possível entrar em Madina, sem o Alferes Cabral?

Não tugiu, nem mugiu o Polidoro, dando o devido desconto, à visível excitação etílica.
Porém, nessa noite, já em Missirá, o Alferes decifrou a simpática mensagem: “Alferes Cabral, anfitrião no Cuor, amanhã, acompanha Comp Paras".


No dia seguinte conheceu Madina / Belel, mas desde então nunca mais bebeu antes de falar com o Polidoro. Só depois…

Jorge Cabral


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Nota de L.G.:


sábado, 17 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1533: De regresso a Bissorã: Uma viagem fantástica (Carlos Fortunato)


Guiné-Bissau > Bissau > 18 de Novembro de 2006 > Restaurante Bate Papo > Pepito, fundador e director executivo da AD, à esquerda, e Carlos Fortunato, à direita de óculos escuros. O restaurante Bate Papo, da Maria José, fica no centro de Bissau, junto aos Serviços Metereológicos.



Guiné- Bissau > Bissau > 18 de Novembro de 2006 > Na Escola de Artes e Ofícios de Quelélé, da AD > Jorge Handem (Jorgito), Director da Escola, Carlos Fortunato e Carlos Schwarz (Pepito).



Guiné-Bissau > Bissau > Escola de Artes e Ofícios > 24 de Novembro de 2006 > Agradecimento e oferta de um lenço da AD ao Carlos Fortunato que aqui realizou uma acção de formação sobre desenho de sítios na Net.


Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


1. O Carlos Fortunato, membro a nossa tertúlia desde Julho de 2005, e que trabalhou até há pouco numa multinacional de consultadoria na áera dos sistemas de informação, tem agora mais disponibilidade de tempo para se dedicar à Guiné, aos seus amigos guineenses e à sua página na Net, que foi recentemente reestruturada. O sítio, criado em Fevereiro de 2003, passa agora a chamar-se Guiné - Os Leões Negros. É apresentado nestes termos:

"Site sobre a Guiné - Bissau, relatando a guerra 1963 a 1974, nomeadamente alguns dos episódios da experiência vivida pela a Companhia de Caçadores 13, mais conhecida como CCAÇ 13, mas também designada por Leões Negros, ou ainda pela Companhia dos Balantas de Bissorã, que combateu aqui durante o período de 1969 a 1974.

"A companhia era constituída na totalidade por soldados operacionais guineenses, que eram todos da etnia balanta, e por alguns oficiais, sargentos, cabos e especialistas, vindos da metrópole.

"São igualmente incluídos ou referenciados, outros temas, através de textos, fotografias e filmes, para melhor compreensão do conflito, e deste país".

Ainda não tive tempo para saudar, aqui, o Carlos e fazer uma pequena nota de reportagem à sua viagem à Guiné-Bissau, em Novembro passado. Estive com ele uns dias antes de partir: estava entusiasmado com a perspectiva de voltar a Bissorã e ajudar os seus antigos soldados, balantas, da CCAÇ 13, os seus leões negros. Também tinha combinado, com o Pepito, fazer uma acção de formação sobre desenho de páginas na Net. O tempo passou e eu fiquei sem saber como tinham corrido as coisas por lá. Mandei-lhe então um mail, pedindo-lhe para nos fazer um pequeno relato das suas impressões.

Publico hoje, com atraso, a sua resposta.


2. Mensagem do Carlos Fortunato, de 22 de Janeiro último:

Amigo Luís: Está tudo bem comigo, apenas um pouco mais ocupado, espero que contigo tudo esteja bem também.

Já tinha pensado em enviar-te uma mensagem, falando da minha viagem à Guiné. Foi uma viagem fantástica. jáescrevi um texto sobre a mesma, está no site da CCAÇ
13 > Guiné - Os Leões Negros.


Na página Encontros, abri o tema Viagens, onde inseri um texto com fotos sobre a viagem e um pequeno vídeo.

O blogue [, Luís Graça & Camaradas da Guiné,] esteve sempre presente, nos meus contactos, fazendo sempre referência a ele, quer na entrevistaúque dei para a rádio, quer na que dei para a TV.

Fiquei com muitas duvidas em como abordar o tema no blogue, e fiquei a pensar no assunto:

- Reproduzir a página na totalidade no blogue ?
- Extrair apenas algumas partes, que sejam mais do interesse geral?
- Fazer um resumo para o blogue ?
- Produzir um texto novo?

Dá uma vista de olhos no site, e dá-me a tua opinião. Um grande abraço

Carlos Fortunato

3. Acabei por aceitar a sugestão do Carlos e fazer um resumo alargado da sua crónica. Aproveito para saudar o Pepito que está por cá, em Lisboa, nestes dias, até à próxima sexta-feira. O Carlos conheceu-o em Bissau e tive oportunidade de constatar, directamente, o excelente trabalho que a sua ONG , a AD - Acção para o Desenvolvimento, está a fazer no terreno, em prol da Guiné e do seu povo.


A minha viagem fantástica, de regresso à Guiné-Bissau
(de 17 a 24 de Novembro de 2006).
por Carlos Fortunato (Subtítulos da responsalidade do editor do blogue)


(...) A chegada a Bissau no dia 17/11/2006 (6ª feira) não podia ter começado de melhor maneira, Carmona Rodrigues presidente da CML e um bispo de uma religião que não consegui identificar, iam no meu avião, pelo que dois grupos de dança, e música estavam à sua espera no aeroporto.

A minha espera no aeroporto tinha o meu contacto em Bissau, Carlos Lico, que me ajudou com as bagagens, me entregou o jipe que tinha alugado (...).


Hotel: mais de 100 euros; 1 refeição: mais de 20 euros

Fiquei instalado no excelente Palace Hotel, o preço dos quartos standard é de 70.000 CFA, e de um quarto para executivo 90.000 CFA, são semelhantes, mas o quarto de executivo tem mais espaço. Uma refeição aqui ronda os 15.000 CFA, e a cozinha é igualmente excelente (...). (2)




Guiné-Bissau > Bissau > O Hotel Palace.

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



Visita à AD - Acção para o Desenvolvimento, fundada e dirigida pelo Pepito

No dia seguinte (sábado, dia 18), conforme planeado fui de manhã ter com o Pepito [, director executiva da AD, ] visitámos as instalações da AD no Quelélé, nomeadamente a Escola de Artes e Oficios, e a rádio Quelélé. As ONG [, Organizações Não-Governamentais,] como a AD têm hoje um papel importante no desenvolvimento do país.

Actualmente a Escola de Artes e Ofícios possui cursos na área de informática, electrónica e auxiliares de infância, mas a sua biblioteca e o seu centro de multimédia, são também espaços importantes para a população do Quelélé (...).


Alguma insegurança em Bissau, mas o mesmo calor humano e simpatia do povo guineense


Em Bissau nota-se muito mais gente, muito mais trânsito e mais comércio, destacam-se algumas melhorias como por exemplo a existência de vários bancos, o novo edifício da Assembleia Nacional Popular, o novo Palace Hotel, as casas com telhados de zinco, e até algumas vivendas de fina construção. Outras coisas pioraram como o estado das estradas em Bissau, em que nalgumas ruas os buracos são tantos, que não se consegue fugir deles. Existe igualmente mais insegurança devido aos assaltos. Outras ainda estão na mesma, como aquele calor humano e simpatia do guineense que nos cativa de imediato (...).


A caminho de Bissorã, passando por Bula e Binar

À tarde [, sábado, dia 18, ] segui para Bissorã, confiando no meu sentido de orientação (pois não existem placas indicativas), e de vez em quando parava e confirmava junto das alguém, que estava mesmo a ir pela estrada certa.

Á saída de Bissau, existe um inexplicável controlo. A estrada alcatroada de Bissau para Bissorã, estava óptima, e com a nova ponte sobre o rio Mansoa em Jolandim, foi sempre a andar.

A passagem por Bula foi um pouco confusa, pois a estrada estava ocupada pelo comércio, o que obrigou a fazer um pequeno desvio. Não parei em Bula, mas deu para perceber que algumas instalações do antigo quartel ainda estão de pé, mas agora ocupadas como residências.

Parei em Binar, fiz uma breve visita ao antigo quartel, e dei uma bola aos miúdos que por ali andavam, sem saber o que fazer, foi a alegria geral, e minutos depois já decorria um jogo de futebol.



A alegria da chegada a Bissorã

(...) Levei cerca de duas horas a chegar a Bissorã, ali tinha alguns antigos soldados da CCAÇ 13 à minha espera, o Domingos Manfande (soldado do 4º pelotão, e meu aluno), Manuel Cuna (soldado do 1º pelotão, e meu aluno), e o Braima Camará (2º pelotão), pois previamente tinha escrito uma carta ao Domingos Manfande a avisar da minha chegada, e a pedir-lhe para me arranjar alojamento em Bissorã.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > O Domingos Infante, antigo soldado da CCAÇ 13.

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


O Manuel Cuna, sempre brincalhão, perguntou-se 'Quem sou eu?', mas reconheci-o logo, e dei-lhe um abraço sentido a ele, e aos outros.

Importa aqui dizer que todos nós tínhamos um especial carinho pelo Manuel Cuna, porque quando em
Bolama estávamos a registar os recrutas que com que íamos formar a CCAÇ, 13, não quisemos registar o Manuel, pois calculávamos que este devia ter apenas 14 anos, mas perante a sua insistência de que tinha 20 anos (o que nos fez rir), e cativados pelo sua maneira de ser e bom humor, acabámos por aceitá-lo.

A notícia da minha chegada deve ter corrido Bissorã, pois foram muitos os que me foram visitar, para 'dar mantenha' (cumprimentar)(...).

Uma troca de impressões deu para perceber que os tempos da minha guerra já estavam esquecidos, e que não existia qualquer animosidade entre os combatentes guineenses que estiveram de lados opostos no período de 63 a 74, normalmente denominada pelos guineenses, como a guerra da independência.



Ecos de outra guerra, a de 1998, contra os senegaleses

Muitas vezes a conversa começava na guerra de independência [, a de 1963/74,], mas acaba na guerra de 98 contra as forças senegalesas.Penso que essa guerra teve o condão de unir todos os antigos combatentes, pois colocou-os a lutar lado a lado.

O meu amigo Domingos Manfande teve um papel destacado nos combates contra os senegaleses, tendo a seu cargo a defesa do flanco esquerdo, zona onde os senegaleses eram mais fortes. Segundo a suas palavras estes não sabiam combater, 'não marcavam distância, não sabiam se pôr-se em posição de disparar, matámos também 2 franceses que estavam lá a combater'.

O facto de Domingos durante o tempo em que esteve na CCAÇ 13, acompanhar os especialistas de armas pesadas, como eu, o Petronilho, etc., tornou-o especialista de armas pesadas nessa guerra, dando instrução sobre as mesmas e combatendo ao mesmo tempo.



As pequenas ofertas que fazem a diferença, como o giz para escrever no quadro preto

Distribui algumas das coisas que levava, roupas, ferramentas de poda, etc., mas o que mais suscitou interesse foi uma lanterna que funcionava sem pilhas, pois bastava agitá-la para a recarregar. Às vezes uma pequena oferta pode ter uma importância muito grande, como o caso do giz que levei para distribuir pelas escolas, pois como calculava existiam quadros para escrever, mas faltava o material.



A hospitalidade balanta e os problemas de segurança

As instalações onde fiquei em Bissorã (casa do Administrador da Região) eram muito precárias, um colchão de espuma no chão a servir de cama, e uma casa de banho comum, onde uma lata num balde com água, servia para tomar banho. Tinha contudo algumas grandes vantagens, podia guardar o jipe dentro do pátio interior, e um guarda fazia segurança todas as noites.

Os ladrões armados são um problema na Guiné, a emigração ilegal tem agravado o problema, e com tantas guerras, o acesso às armas não é difícil. Bastou uma noite o guarda não aparecer, o Administrador ter saído, e eu e o Domingos Manfande também termos saído, para os ladrões saltarem o muro, e tentarem roubar os pneus do jipe. Valeu-nos a chegada do filho do Administrador: apesar de ser um miúdo, a sua presença colocou em fuga os ladrões. As faltas do guarda acabaram por me obrigar a mim e ao Domingos, a alguns turnos de 'sentinela' durante a noite.




A Bissorã de hoje e de ontem

No dia seguinte (domingo, dia 19) de manhã dei um passeio por Bissorã. São poucas as mudanças. Improvisadas bancas de comerciantes proliferam agora no lugar do mercado e no largo principal, a igreja católica é nova (a antiga ruiu) (...)

Muitas das instalações dos antigos aquartelamentos ainda estão de pé, e os símbolos das companhias que ali estiveram, ainda lá estão, embora um pouco danificados pelo tempo e pelo PAIGC.


Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > 19 de Novembro de 2206 > "Ponte sobre o Rio Armada, agora em betão armado. Continua a pescar-se no rio, e neste local é frequente verem-se agora hipopótamos" (CF).


Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



O aquartelamento da CCAÇ 13 estava agora a ser usado como escola e armazém. Os monumentos da CCAÇ 13 foram destruídos pelo PAIGC, após a independência, deles apenas resta parte de um monumentos em honra aos que tombaram (...).

Os monumentos das restantes unidades que passaram por Bissorã, não foram danificados pelo PAIGC, mas o tempo acabou por fazer desaparecer as suas inscrições, as suas casernas são agora armazéns.

A ponte para
a outra banda que atravessa o rio Armada, foi melhorada, agora está construída em betão e tem uma protecção lateral em ferro. Continua a ser um local muito bonito, era o local onde todos tirávamos uma fotografia. Continua-se a pescar ali. Dizem-me que agora é frequente aparecerem hipopótamos naquele local.




A ponte do Rio Blassar

À tarde segui pela estrada de Barro, para um terreno que o Domingos Manfande possuí, para lá do rio Blassar, e que fica a 12 kms de Bissorã. O velho Domingos fazia a pé este caminho para poder ir trabalhar. Acabei por lhe oferecer uma bicicleta no dia da minha partida. A estrada, apesar de ser de terra batida, estava em bom estado.

A chegada à ponte do rio Blassar, destruída pelo PAIGC durante a guerra, e que ainda não foi reconstruída, lembrou-me outros tempos, os sustos que apanhei com as minas que ali coloquei, as loucuras do padre a agitar um pau no ar, colocando a patrulha em risco, mas são outras histórias que já contei nas crónicas da CCAÇ 13.



Guiné-Bissau > Região do Oio > Bissorã > Paulo Nugame (ex-soldado do exército regular do PAIGC, as FARP - Forças Armadas Revolucionárias Populares).

Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


A caminho do Morés, acompanhado de ex-combatentes dos dois lados

Segunda feira [, dia 20,]seguimos até ao Morés. Eu, Dominfos Manfande, Agostinho Manfande (seu sobrinho, e filho de Armando Manfande, um ex-soldado do meu pelotão, e também meu aluno, mas infelizmente já falecido), Clodé Duque (ex- soldado das FAL - Forças Armadas Locais, normalmente designadas por milícias do PAIGC)e Paulo Nugame (ex-soldado do exército regular do PAIGC, as FARP - Forças Armadas Revolucionárias Populares).

Clodé ingressou nas FAL em 20/12/1967, pertencia à tabanca de Iracunda, e estava integrado num Bigrupo de 60 homens, comandados por Bicafrat Nabrama.

Iracunda ficava perto de Morés. Clodé realizou nesta zona muitos combates contra as nossas tropas, e lembra-se claramente do combate que houve em 1971, nos cajueiros do Morés (Operação Safira solitária), embora não tivesse participado nesse combate. Clodé seria o nosso 'guia' principal.

Paulo Nugame pertenceu FARP, mas actuava na zona norte, pertencia à tabanca Ingoré, integrado no grupo de Quecu Tumané, que acompanhava os cubanos que usavam os foguetões de 122mm.

Tendo-me Clodé e Paulo assegurado que a estrada para o Morés era boa, apesar de ser de terra batida, e que os compradores de castanha de cajú a usavam com camionetas, fiquei descansado.

No Caminho de Bissorã para Mansoa, passamos por Nova Vizela, onde acabamos por encontrar uma criança que precisava de ir ao médico em Mansoa, pelo que lá esticámos o espaço no jipe para levar a criança e o pai até Mansoa.



Morés, sem quaisquer vestígios da guerra

A estrada Bissorã, Mansoa, Mansabá, estava alcatroada mas em mau estado, contudo a suposta boa estrada de terra batida para o Morés estava em péssimo estado.

No Morés já não existiam vestígios nenhuns, do que tinha sido o Quartel General do PAIGC na zona norte, abrigos, ou construções, fomos até aos cajueiros, onde em 1971 houve um violento combate entre o PAIGC e os Comandos Africanos, e registamos a descrição de um antigo comandante do PAIGC sobre o que se passou na altura (...).

No Morés indicaram-nos que podíamos seguir por outra estrada para regressar, era uma estrada de terra batida que ia dar directamente a Bissorã, e era boa garantiram-nos, assim fizemos (...).

A estrada que nos indicaram no Morés era péssima como a anterior, mas a partir de determinado momento começou a estreitar e desapareceu .... Com o jipe entalado entre capim, espinhos e árvores, tive que regressar em marcha atrás, até um desvio que dava para uma aldeia.



'Estrada já acabou'



Na aldeia quando perguntávamos pelas estradas que deviam existir ali, a resposta foi 'Estrada já acabou'. Na verdade, o mato e as culturas da população tinham ocupado esse espaço, e já não existiam essas estradas... Os meus 'guias' estavam tão perdidos como eu, e nem um antigo mapa que eu tinha, descrevendo detalhadamente as estradas e caminhos, servia para nada.

Guiné-Bissau > Região do Oio > Morés > 20 de Novembro de 2006 > Estrada para o Morés, a partir da estrada Mansoa-Mansabá.


Foto: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.



Foi-nos indicado uma nova estrada que seguia para o
Olossato, estava boa, garantiam. Era um grande desvio mas foi por ela que fomos, realmente não estava muito má, até depararmos com pontes improvisadas, com troncos cobertos de lama, construídas pela população para poderem atravessar os canais que ligavam as várias bolanhas. Eram boas pontes para passarem pessoas e animais, mas será que conseguiam aguentar com o peso do jipe ? ... Lá as fui avaliando e passando com o máximo cuidado, concluindo que, para ali, só de burro, bicicleta ou motorizada.


Acção de formação: A poda das árvores de fruto

O Olossato ainda mantinha algumas instalações dos antigos quartéis, mas não parámos e seguimos para Maqué, onde tirámos uma foto junto ao seu belíssimo poilão.



Guiné-Bissau > Região do Óio > Maqué > 20 de Novembro de 2006 > O secular poilão, local de paragem obrigatória para tirar uma foto.

Fotos: © Carlos Fortunato (2007). Direitos reservados.


A estrada do Olossato para Bissorã, apesar de ser de terra batida, está em bom estava, pelo que pensamos que todos os problemas tinham acabado, mas foi depois do Maqué, que ficamos atolados na lama, e só com muita insistência, e com onze pessoas a empurrar lá conseguimos tirar o jipe.

Na terça feira [, dia 21,], foi o dia da palestra e aula prática na ADPP, sobre 'A poda das árvores de fruto'. Sala cheia com 20 participantes, que às 9h00 já estavam todos à minha espera, apesar do início estar marcado para as 9h30, o que demonstra bem o seu empenho, e a sua vontade de aprender.

A ADPP desenvolve a sua acção na área da agricultara, possui uma escola perto de Bissorã, onde forma os novos agricultores, e alia a teoria à prática, explorando algumas áreas agrícolas, é visível a sua dedicação e empenho, mas são muitas as suas dificuldades e carências (...).

Neste evento conheci uma jovem voluntária da Estónia, Maie Petri, de Parnu, que estava destacada no projecto da ADPP.

Maie tinha dificuldade em comunicar com os agricultores, pois apesar do seu esforço de auto-formação para aprender o português, ainda só comunicava em inglês. Como eu ia visitar algumas explorações agrícolas, para tentar melhorá-las, convidei-a a vir comigo, pois poderia ajudar-me, e eu traduziria as suas recomendações na língua local (...).

Em Bissorã encontravam-se igualmente dois médicos cubanos, que também tinham chegado há pouco tempo, mas também não consegui ter tempo de falar com eles. O preço de cada consulta era 300 CFA, cerca de 0,5 € (...).

O meu amigo e ex-soldado do 3º pelotão da CCAÇ 13, Branquinho, veio fazer-me uma visita, pois tinha vindo trazer à policia de Bissorã dois ladrões de gado que tinha capturado. Aproveitei a oportunidade para ir conhecer a sua tabanca no Encherte, visitar o antigo aquartelamento ai construído pela CCAÇ 13, e ao mesmo tempo dar-lhe uma boleia, pois sem outro meio de transporte ia regressar a pé (...).

Em Encherte oferecemos uma bola para as crianças brincarem, e improvisamos uma pequena festa, onde um grupo de dançarinos nos presenteou com uma espectacular exibição (Clicar aqui para ver o vídeo).

Branquinho é agora o chefe de 17 tabancas, continua a ter aquele carácter, e aquela energia e determinação que eu conheci ha 36 anos atrás, não é por acaso que começou por ser chefe de uma tabanca, e depois muitas outras lhe vieram pedir que fosse também o chefe delas (...).



Braia, um lugar mágico

Na quarta feira, [dia 22,], fomos buscar o pai de Alance, mulher de Domingos, que estava doente, e de caminho aproveitámos para ir ver o modo como tratavam as explorações agrícolas, e a deslumbrante paisagem de Bráia, junto à ponte junto ao rio Mansoa (lugar situado na estrada entre Bissorã e Mansoa, sensivelmente a meio caminho).

Bráia é um lugar mágico, em que o branco dos nenúfares cobre as calmas águas do rio, e numerosas garças esvoaçam sobre as águas, mas também é um lugar perigoso para quem estiver dentro de água, pois os crocodilos que ali vivem são muitos e grandes, bem como os hipopótamos, os lagartos, etc.



Despedida e regresso a Lisboa, com mais uma acção de formação

5ª feira, [dia 23,] foi o dia da visita à tabanca do Manuel Cuna, junto à velha estrada de Bissorã para Biambi (agora desactivada, face à nova estrada alcatroada), a cerca de 5 Kms de distância de Bissorã, foi também o dia das despedidas e do regresso a Bissau.

Finalmente chegou o dia da partida para Lisboa, 6ª feira, 24 de Novembro. A manhã foi dedicada à palestra 'A criação de Web Sites', na Escola de Artes e Ofícios da AD. Foi uma secção muito concorrida (28 pessoas), onde se procurou lançar as bases um novo curso sobre a criação de sites na web.

Ofereci algum software e documentação à EAO, para lhe permitir lançar um curso sobre a criação de web sites, mas ficou em falta o software da Microsoft, o Front Page 2003, dado estarmos na expectativa de que esta fizesse uma doação à escola, mas tal não se concretizou, estando em curso outras alternativas.



Entrevista à televisão da Guiné-Bissau

A televisão da Guiné Bissau esteve presente para me fazer uma breve entrevista, a qual foi transmitida no dia 25 de Novembro, às 21 horas, no Telejornal. Na entrevista tentei realçar a importância da formação de técnicos guineenses, e lembrar a amizade que une os muitos portugueses aquela terra, e aquela gente.

No final da minha palestra o meu amigo Pepito, disse algumas palavras de agradecimento, foi-me oferecido um lenço da AD e houve uma breve confraternização. Foram momentos que me emocionaram, principalmente pelas palavras de Pepito, pessoa pela qual tenho grande estima e consideração, sendo este meu sentimento partilhado por todas as pessoas a quem falei dele, das quais me limito a referir o anterior 1º ministro, e actual presidente do PAIGC, Carlos Gomes Júnior.



Balanço final: Expectativas ultrapassadas

Em balanço final, posso dizer que foi uma viagem que ultrapassou todas as minhas expectativas, e que na qual não consegui retribuir devidamente todo o calor humano, e amizade com que me receberam em todo o lado.

Esta viagem confirmou as informações que já tinha sobre a importância das ONG, embora como referi apenas visitei a AD, e a ADPP, e confesso que fiquei impressionado com a dedicação dos seus dirigentes, e o empenho dos seus alunos.

Sem dúvida entidades a apoiar e a acarinhar, por quem queira ajudar a Guiné a conseguir dar mais alguns passos no caminho do seu desenvolvimento, para toda a equipa destas organizações os meus parabéns.

Carlos Fortunato
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 5 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1250: Os amigos são mesmo para as ocasiões, Leopoldo Amado!

(2) A cotação oficial do CFA > 1 euro = 655,957. Donde:
(i) 70 mil CFA é equivalente a 106,7 €
(ii) 15 mil CFA são 22,87 €.

Guiné 63/74 - P1532: O furriel Belmiro dos Santos João, a primeira vítima mortal do inferno de Gandembel (Idálio Reis)

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Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > O grande ataque de 15 de Julho de 1968. O Idálio Reis envolto em 236 envólucros de RPG-7.
Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):

Caros Luís e companheiros da Tertúlia:

O furriel Belmiro dos Santos João (2) pertenceu à CART 1689, a tal Companhia que esteve em Gandembel, desde o seu início (8 de Abril) até 15 de Maio [de 1968]. Desconheço donde esta Companhia era oriunda e para onde foi após a sua retirada.

O nosso companheiro Vítor Condeço enviou-me a história desta Companhia, no tempo em que esteve sediada em Gandembel. E o relato referente ao dia 17 de Abril, afirma o seguinte:

«Quando pelas 07H50 dois Gr Comb, depois de executarem uma batida, se deslocavam para o sítio previsto da emboscada e quando se estavam a instalar, ouviu-se um rebentamento a uns 50 metros da instalação; constatou-se que uma mina implantada pelas NT tinha rebentado, encontrando-se a uns dois metros do rebentamento, o Furriel Mil BELMIRO DOS SANTOS JOÃO (que conhecia o local exacto da mina) deitado no chão com ferimentos graves na cabeça, vindo a falecer no H. M. 241 no dia 18 Abril. O Senhor Capitão de Artilharia MANUEL DE AZEVEDO MOREIRA MAIA, Comandante da Companhia, que seguia um pouco atrás, também foi ferido na coxa esquerda.

"Tudo leva a crer que a mina não foi accionada directamente pelo Furriel Miliciano BELMIRO DOS SANTOS JOÃO, uma vez que conhecia o local exacto da mina e porque o corpo se encontrava caído a cerca de 2 metros da armadilha accionada.»

Recorro ao meu baú, para tecer alguns considerandos. Esta Companhia, nestes primeiros tempos, teve uma acção continuada de patrulhamentos, ocupou-se na abertura de uma picada que proporcionasse a ida à água ao rio Balana, e fez a montagem de muitas armadilhas e minas anti-pessoais na zona periférica ao local de inserção do futuro aquartelamento, muito em especial na faixa junto à estrada de Guileje - Aldeia Formosa.

Reconheço que a forma como está redigido o texto desse dia, propende para uma leitura pouco elucidativa, quanto à forma como se desenrolou o acidente, que vitimaria o Belmiro João. Apontarei a minha versão, muito subjectiva obviamente, mas que de algum modo elucida o que desde logo começou a ser o pesadelo de Gandembel. O Belmiro João foi o 1.º militar a morrer nos interiores de Gandembel.

1. - Tornava-se indispensável criar campos de minas bastante densos. Estes eram constituídos por armadilhas de tropeção com granadas defensivas (montadas por um graduado) e por minas anti-pessoais, as quais eram de fácil colocação e estas até podiam ser colocadas por soldados que denotassem suficiente capacidade. Estes campos eram objecto da elaboração de um croquis, mas a maioria das vezes eram de difícil interpretação. Ficávamos só com o conhecimento dos sítios dos campos de minas.

2. - Dois grupos de combate iam montar uma emboscada. Seguem em fila, no que chamávamos de bicha de pirilau, mas que era impossível ser unilinear, havendo sempre alguém que se deslocava lateralmente.

Porque já haviam elementos a posicionarem-se para a emboscada, esta fila mais se alarga. E, pese embora todos os cuidados que possa haver, creio que é neste flanqueamento da fila que o Belmiro João acciona a mina.

3. - Contudo, o accionamento deste tipo de artefactos, tinha em geral como consequências de maiores danos, graves ferimentos nos membros inferiores. Mas o Belmiro João morre devido a ferimentos graves na cabeça. E nada se refere quanto a outros tipo de ferimentos, mas que o Comandante de Companhia também é ferido ligeiramente.

4. - Custa-me a crer que o accionamento de uma mina anti-pessoal tivesse tais repercussões, com um relativo raio de acção. Até porque se refere que o corpo é encontrado a cerca de 2 metros da mina.

5. - Esta guerra era muito dependente das disparidades entre o tudo (a sorte) e o nada (a fatalidade). Assim, julgo que o ferimento na cabeça do Belmiro João e na coxa do Comandante da Companhia, devem ser resultado da deflagração de uma granada de uma armadilha, que é accionada com o sopro que a mina anti-pessoal causa.

Termino, mas recordo perfeitamente da vinda do helicóptero, e o que me foi dito na altura é que o Belmiro João sangrava abundantemente e ia bastante ferido.

É tudo. Aqui fica a reposição que o Belmiro João encontrou a morte, como tantos outros, em Gandembel.

Cordiais saudações do Idálio Reis
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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

(2) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1531: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (33): O Sintex: A Marinha Mercante chega até Missirá


Cópia de nota de punição (dois dias de prisão simples) fixada, em 18 de Fevereiro de 1969, pelo tenente-coronel Hélio Felgas, comandante do Agrupamento de Bafatá, ao Alf Mil Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat 52, por durante a visita do Comandante-Chefe "ter apresentado o seu aquartelamento em fracas condições de defesa e em deplorável estado de limpeza, arrumação e asseio".



Cópia da nota de punição do comandante do BCAÇ 2852, tenente-coronel Pamplona Corte-Real, com data de 4 de Agosto de 1969, em que se diz: "Sua Excia. o Comandante Militar (...) considerou em parte procedente o recurso apresentado pelo Sr. Alferes Miliciano Mário António Gonçalves Beja dos Santos, do Pel Caç Nat 52, mantendo o castigo e reformando a redacção do mesmo que passa a ser seguinte: (...) por tendo-lhe sido chamada a atenção para as deficientes condições de defesa e limpeza existentes no seu aquartelamento, não ter dedicado o máximo do seu interesse à resolução de tais problemas"...

Fotos dos documentos originais: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Texto enviado em 23 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.


Quando a marinha de comércio chegou a Missirá
por Beja Santos

Desta vez, o Comandante de Bafatá [, tenente-coronel Hélio Felgas,]não me estendeu a mão, manteve a postura rígida como se estivesse a avisar-me que os sinais de tempestade estavam na sala, o tornado iminente.
- Você é uma grande decepção. Acredito nas informações que me chegaram sobre a sua mentalidade, mas comanda sem pensar na ordem que um aquartelamento deve ter, nas regras de segurança, a começar pela solidez dos abrigos. O Comandante-Chefe e eu iremos a Missirá brevemente. Ou há mudanças ou puno-o. Cabe a si dar um sinal do que pretende.

Entendi não replicar, houvera já conversa sobre as fragilidades de Missirá e Finete, era inaceitável que a conversa descambasse de novo para as cascas de batata ou as cabaças da população civil deixadas temporariamente ao abandono. Ouvi-o sem pestanejar, sempre perfilado, perguntei-lhe se pretendia dizer mais alguma coisa, fiz a continência e retirei-me. Como diz a letra do fado, "Tinha o destino traçado" e poucas ilusões sobre a justiça plena dos homens do mando.

Operação a Madina/Belel: 'Em caso algum aceito que venhas de mãos vazias'


Regressei a Bambadinca, onde me esperava um amargo de boca e me estava reservada uma uma grata surpresa. O Major das operações convocara-me para falarmos da Operação Anda Cá.
- Desculpa, ó Beja, vou descrever tudo sem pormenores, para já. Teremos dois destacamentos que partirão de Missirá. Qualquer coisa como sete grupos de combate. Estão definidos dois objectivos, um pressupõe que se chegue a outro. Tu segues à frente de um e ordenas a formação de uma coluna que vai à frente do outro destacamento. Acho melhor tu ires a Quebá Jilã e descer para Madina; o outro destacamento segue por Sinchã Corubal até Madina. Apostamos na destruição das bases de Madina e dos suportes da população civil. Em nenhuma circunstância aceitamos que venham de mãos vazias. O inimigo está lá, destruam-no.

Observei que esta explicação prévia me era útil mas seguramente haveria uma exposição aos respectivos Comandantes de Companhia, antes de partirem para Missirá. Garantiu-me que sim, o que não veio a acontecer, com as consequências lamentáveis que aqui se descreverão. Começara a aprender que há um fosso monumental entre o trabalho preparatório feito num gabinete com uma ventoinha e o pisar a lama, o capim e os obstáculos naturais do mato, onde não há coincidência entre o que diz a carta e a posição real ocupada pelas forças rebeldes. Senti uma premonição, uma quase corrente fria de um desastre anunciado, mas nada exteriorizei, ficando sempre com a esperança de que seria convocado para uma reunião preparatória.

E deste encontro na sala de operações fui até ao gabinete do Capitão Eugénio Baptista Neves, o Comandante da CCS, que já nos visitara em Missirá e Finete e aprovara um plano de renovação dos abrigos. Mal cheguei, ele pegou na boina, entrámos no jipe e descemos para o cais de Bambadinca. Parou junto de uma arrecadação, abriu a porta e disse-me:
- Acabaram as suas aflições com as lamas do Geba, os Unimog atascados na bolanha de Finete, os transportes de comida e munições à cabeça. Receba saudações da Armada!

E findo este discurso, fez saltar uma enorme lona que escondia a surpresa que me reservava: um Sintex reluzente, com um motor lá dentro. A comoção foi grande mas as perplexidades eram também grandes e comecei a disparar perguntas: o Sintex fica à guarda de quem? O condutor é de Bambadinca ou Missirá? Sou responsável pela segurança ida e volta? Quem escolhe o cais de desembarque, perto de Missirá? O Capitão Baptista Neves encolheu os ombros e despachou-me com a seguinte sentença:
- A partir de agora, para o melhor e para o pior, o Sintex está à sua carga, organize os itinerários, monte as seguranças que quiser, transporte no Sintex o que quiser, mas não me peça mais nada.

Agradeci, pedi para deixar o Sintex na arrecadação até consultar os meus colaboradores. Após a ida ao depósito de materiais de construção civil, feitas as compras de géneros, cambámos o Geba e tive a primeira reunião em Finete com Bacari Soncó e Fodé Dahaba. Para quem lê este relato, é conveniente recordar que a partir de Bambadinca o rio Geba estava formalmente interdito. O Geba parece um intestino delgado, uma tripa que vai meandrar em direcção a Bafatá; entre o Cuor, Joladu e Ganado, o rio atravessa bolanhas extensas mas há pontos onde os rebeldes podem atacar qualquer embarcação.

Foi por falta de condições de segurança que os barcos civis e as lanchas militares deixaram de ali navegar. Ora a proposta que nos faziam era sair do cais de Bambadinca avançando pela extensa bolanha entre Finete e Ponta Nova/Santa Helena, subindo em frente a Mero, passando por Boa Esperança e Gã Gémeos pelo menos até Gã Joaquim. No mínimo, 8 Km de viagem. A pergunta que lhes pus é se tínhamos condições da milícia de Finete, mediante combinação prévia do dia e da hora, patrulhar e emboscar junto das margens do Geba pelo menos até ao palmeiral de Boa Esperança. O factor surpresa era decisivo para não haver passagem de informações das populações de Santa Helena e Mero às gentes de Madina/Belel. Garantiram-me que sim, com duas secções, uma bazuca e vários apontadores de dilagrama, a segurança seria assegurada.

Segui para Missirá, onde decorreu uma conversa do mesmo tipo com o Casanova e o Pires. As vantagens eram inegáveis: sobretudo na época das chuvas, tínhamos o abastecimento sempre comprometido; chegáramos mesmo a ser abastecidos por um helicóptero; no caso de uma flagelação prolongada, abastecermos de munições com as viaturas avariadas era uma hipótese de tortura; o principal óbice era montar segurança conjugadamente com Finete. O melhor seria ouvir a opinião de Malã e Quebá Soncó, mas também do caçador Cibo Indjai e de Sadibi Camará, um soldado que conhecia a região da aldeia do Cuor a palmo. Foi uma longa mas proveitosa conversa.

Todos se inclinavam para aproveitarmos as condições naturais de Gã Joaquim, onde o ponteiro que ali vivera deixara um embarcadoro para o transporte da mancarra e o óleo de palma. Além disso, Gã Joaquim era terra firme a partir de Caranquecunda, quase não havendo necessidade de montar segurança, dado tratar-se de terreno aberto. E até nova apreciação do caso, convidou-se o recém-chegado condutor Mário Perdigão (o Xabregas) para assumir o volante do Sintex. Para desfazer equívocos sobre a segurança, tornei público que seguiria no barco na viagem inaugural. Tínhamos, aliás, uma carga valiosa para transportar: um novo equipamento de seis chuveiros, oferta do batalhão de engenharia. Como na manhã seguinte, ao raiar da aurora, tínhamos de montar segurança em Mato de Cão, acordámos nas regras de segurança da viagem. Na ausência de rádios para comunicarmos entre as patrulhas de segurança de Missirá e Finete, foi aceite que três tiros seria o sinal da presença de rebeldes e o regresso do Sintex a um ponte de abrigo, um tiro daria a saber às patrulhas que se tinha chegado a Gã Joaquim e que assim findava a vigilância do Geba, com regresso a quartéis.

Era um dia maravilhoso, sem nuvens, águas barrentas e gente a lavrar as bolanhas. Os curiosos seguiam a operação do Sintex ser lançado à água, com uma orientação imprevista. Quem viera de Mato de Cão até Bambadinca seguia agora para Finete e daqui para Missirá onde tropa refrescada partia para gã Joaquim e para o patrulhamento de segurança até Gã Gémeos. E quando o Sintex se lançou triunfal em direcção a Gã Vicente já os milícias de Finete percorriam a bolanha como anjos da guarda.

É a primeira vez que atravesso o Geba, a uma hora tal que parece que vou passear para Bafatá. O Sintex leva Comandante e vigilante mais uma armação esplendorosa de bidões que vão alterar a nossa qualidade de vida. Durante anos sonhei voltar a fazer este percurso que não deixa de ser arrepiante quando o tarrafe liga directamente com a floresta densa, neste ou naquele ponto onde é possível uma roquetada de RPG2 não deixar pedra sobre pedra. Os nossos abastecimentos irão mudar, o Sintex acabou com muita desdita, obrigou-nos a patrulhar intensamente a região, as próprias colunas rebeldes foram confrontadas com novo obstáculo. O que era imprevísivel aconteceu: o ermo de Missirá, um esporão lançado das matas do Cuor para o Oio passara a ser abastecido pela "marinha de comércio" num impensável Geba navegável.

Em conversa com Queta Baldé em torno destas viagens até Gã Joaquim, ele que tem tudo arquivado na memória recordou-me um facto doloroso: "Foi em Gã Joaquim que o Cibo Indjai morreu num acidente. Em 1971, o Cibo que queria continuar a caçar no Cuor pediu a transferência para o Pelotão de Caçadores Nativos 54, que nos ficou a substituir em Missirá. Exactamente quando chegou o Sintex, um soldado escorregou e a arma disparou-se. Cibo teve morte imediata".

A vida em Missirá prossegue, com aulas, pequenas obras, patrulhamentos nocturnos e de novo as duas viaturas avariadas o que obrigava ao feito épico de rolar bidões cheios de água da fonte de Cancumba até ao aquartelamento. Nas vésperas da Anda Cá, Finete teve boas notícias: chegaram um morteiro e uma bazuca, o que introduziu alguma capacidade de resposta já que até então quando a gente de Madina vinha de noite roubar o arroz cultivado nas bolanhas de Finete não era possível dissuadir os ladrões.

Quando Spínola e Felgas regressarem a Missirá prontos a desancar-me as três fieiras de arame farpado estão renovadas, concluido o depósito de combustíveis, substituidos os cibes dos pontões de Caraquecunda e Cansonco. Conversei com David Payne, depois com o Reis e por último com o Pimbas. Logo a seguir à operação Fado Hilário partirei para Bissau para ser operado. O Reis garantiu-me que não irá armadilhar arbitrariamente todos os acessos, aceita ficar 15 dias em Missirá. Ele não sabe o que o espera...

A exaustão física começa a ser uma realidade que eu não sei controlar, com a época das chuvas chegamos a ir duas vezes no mesmo dia a Mato de Cão. Com gente doente e com o plano de férias a funcionar, chego a ir a Mato de Cão com 20 homens. A 20 de Fevereiro sou chamado a Bambadinca onde me dão a conhecer o teor da minha punição. A reunião prévia da Anda Cá é completamente atamancada. Pela primeira vez, e dolorosamente, interrogo-me se estes oficiais que nos comandam não estão contaminados por um vírus autodestruidor.

Os Sete Septetos, do Ruy Cinatti

Caminhando cada vez mais, tenho o meu joelho arrasado e sinto a cabeça incapaz de altos voos. Mas preciso de encontros afectuosos, saborear a comunicação de gente muito amiga. Leio (isto é, releio pela milésima vez) os Sete Septetos, talvez o mais importante livro de poesia do Ruy Cinatti. Conheci a obra em manuscrito, quando ele me recebeu na Travessa da Palmeira nº12, 3º dto, entre a Praça das Flores e o Princípe Real, com uma vista frondosa sobre Santa Catarina e o Tejo. O pretexto tinha sido ir pedir-lhe um poema para o jornal O Encontro, da Juventude Universitária Católica, à semelhança do que tinha feito com o Ruy Belo e a Sophia de Mello Breyner. Recordo aquela sala de estar pejada de obras de arte timorenses, com o poeta em transe a ler a sua poesia decorrente de uma aventura espiritual que o marcava e que eu agora, ali em Missirá, rememorava a declamação:

Paz comigo próprio. Paz
que não me contente. Paz
armada ou pacífica, mas paz
que não me iluda. Paz
mítica ou revelada. Paz
que me contagie ou paz
entre mim e os outros. Paz
que me não compare. Paz
activa, humilde. Paz
que me encha as mãos
e não conspurque. Paz
vocativa: semente, fruto. Paz
na alma. Paz
de Deus que me enamora
só de Deus enamorado.

Capa do livro de poesia de Ruy Cinatti, editado em 1967, por Guimarães Editores.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.



Toda esta elegia me apazigua, me transporta até Lisboa, aos amigos. O Cinatti irá apoiar-me muito. Todo o seu correio desapareceu até Março. Mas belos poemas, o seu estímulo e conforto ficarão guardados nalgumas folhas que aqui serão desveladas. Procuro também leituras breves e menos comprometedoras, que me distraiam ou façam esquecer que a partir de agora não voltarei a ter férias até ao fim da comissão, numa altura em que recebo correspondência de entes queridos treçando armas e cuspindo fogo. Sim, estou exausto, abrem-se frentes de combate de dimensão incalculável, sinto-me a adornar, moral e psicologicamente. Porventura não tivesse eu os desafios inóspitos de Missirá e Finete e teria caído em melancolia profunda.

Capa do romance de Frank Gruber.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Aí, as leituras menos comprometedoras foram refrigério. Por exemplo, livros como O Relógio Falante, de Frank Gruber, da prodigiosa Colecção Vampiro. Gruber cirou uma parelha espantosa para os tempos da Depressão, Jonnhy Fletcher e Sam Cragg, o primeiro um cerebral espaventoso e cheio de lábia na venda de livros, o segundo um gigantão que demonstra em público que ter um físico de Sansão pode ser obra da persistência. O livro fala de um coleccionador de relógios que à hora da morte prega uma partida a credores e descendentes, introduzindo um disco num relógio que dá as horas e que poderá revelar o segredo onde está guardada a fortuna que ele iludiu de todos. Peripécia após peripécia, Fletcher vai juntando as peças do puzzle, denuncia o homicida e desvenda o segredo da fortuna escondida. Que bem me soube a companhia de Frank Gruber antes de partir para Mato de Cão!

Vem aí a roda da fortuna com a Anda Cá e, mais amenamente, o Fado Hilário. Depois vou vestir a farda nº 2, o que não acontece há seis meses. E Cherno Suane pega numa mala onde levo os meus haveres mais prementes e acompanha-me até à urgência do Hospital Militar Bissau, o HM 241. Vale a pena contar.

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Nota de L.G.:


(1) Vd. último post > 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã

Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

T/T Quanza > Navio misto, de 2 hélices, construído em 1929 na Alemanha e abatido em 1968. Tinha 133 metros de comprimento e cerca de 6500 toneladas de arqueação bruta. Com 149 tripulantes, possuía alojamentos para 108 em primeira classe, 120 em segunda, 90 em terceira e 214 em terceira suplementar, no total de 532 passageiros. Armador: Companhia Nacional de Navegação, Lisboa. O Isdálio Reis e os seus camaradas da CCAÇ 2317 devem ter sido dos últimos passageiros a viajar no velho Quanza.


Foto: © Navios Mercantes Portugueses , página de Carlos Russo Belo (2006) (com a devida vénia...) . O autor foi oficial da marinha mercante.



Início da publicação da história da CCAÇ 2317, contada pelo ex-Alf Mil Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):


Fotos e legendas: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.
Parte I - A CCAÇ 2317 chega a Bissau, a 24 de Janeiro de 1968 (2). IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional em Olossato e Mansabá.



BCAÇ 2835 > CCAÇ 2317 (1968/70) > Emblema da Companhia


O Idálio Reis, de ontem (1967)


O Idálio Reis de hoje (2006)



"A 17 de Janeiro de 1968, o velho Quanza partia para nos levar a terras de África. Só uma singela recordação dessa data, onde se destaca este trio composto pelo alferes Francisco Trindade e os furriéis Carlos Valério e António Nabais" (IR).





"A Companhia era maioritariamente constituída por gente da periferia do grande Porto, como o caso destes 3 vizinhos: os soldados Sá Pereira, Manuel Carvalho e Ângelo Marques" (IR)



"A 24 de Janeirode 1968, a CCAÇ 2317 recebia as boas vindas, na parada do aquartelamento de Brá". (IR)
Assunto: Uma aclimatação de 2 meses, o quanto bastou para enveredar por um sinuoso rumo, a uma fatídica zona do Sul da Província. Aí, num local estranho da região do Forreá e apenas no efémero prazo de 11 meses, houve lugar às facetas mais pérfidas da guerra, em que do mito e do mistério sobrou só o nome: Gandembel/Ponte Balana.


Caros Luís e demais companheiros tertulianos:

O alvor do dia 24 de Janeiro de 1968, já com o velho Quanza fundeado, começava suavemente a despontar. O Sol, no longínquo do horizonte, parecia emergir brandamente das águas mansas do Golfo, a dardejar os seus primeiros raios de luz avermelhando a aurora, fogosamente. Parecia prenunciar que o dia que então se aclarava, iria manter-se estranhamente acalorado.

Era um clima substancialmente diferente do que há uma semana havíamos deixado na longínqua Lisboa, que ainda vivia estarrecida de um pluvioso Inverno que a fustigava com inundações incontroladas, e que puseram a descoberto todas as misérias dos bairros de lata, onde causaram tanto desespero e dor, pelas perdas inteiras de escassos espólios e de muitos dos seus moradores.


Bissau à vista

E a madrugada desse dia, desde logo fez concitar nos seus tripulantes, a tomarem comportamentos estranhos, tornando-os inquietos, nervosos, a provocar-lhes um sôfrego alvoroço. É que a amurada do navio, proporcionava a um fácil alcance da visão, distinguir com bastante nitidez, um casario denso: era Bissau. E, enquanto o Sol descoberto, descrevia a sua trajectória zenital, mais ele resplandecia na sua rutilância.

Pairava uma atmosfera quente e abafada, que logo começaram a inquietar os nossos corpos, a ressudarem uma humidade adensada e pegajosa, que repassava os novos camuflados dos recém-combatentes. É que, aos mobilizados da guerra colonial, foi-lhes infundido para fazerem gala na sua verdadeira farda de apresentação. E todo o BCAÇ 2835, com o seu crachá ao peito, pontificado por uma divisa a preceito −«Nas armas, singulares»−, aí estava na Província da Guiné, em missão de soberania, na salvaguarda de uma Pátria una e indivisível. E a organização política e administrativa da Nação que então preponderava, fazia acrescentar que também era inalienável e imprescritível.

Sufocados por uma esquisita temperatura e uma pesada vestimenta, era pisada terra firme, e mais uma imensidade de soldados periquitos arribavam a uma terra estranha, para ficarem à mercê de um impreciso e incerto destino. E o Quanza, serenamente parado nas imediações do célebre cais de Pidjiguiti, ia sendo esventrado dos haveres encomendados, com a saída dos individualizados parcos espólios, metidos a esmo nuns sacos esverdeados que a roupa os avolumava.

O bulício envolvente era essencialmente de cariz militar, em que uma distendida caravana de camiões pesados se perfilava, a fim de nos transportar para algures, nos arrabaldes da cidade. E logo que nos arrumámos nas viaturas, seguimos por uma larga estrada que já percorria a sua periferia, onde se divisavam inúmeras casas térreas de bairros degradados, com bastante população negra e em que prevaleciam muitas crianças quase desnudadas, até se entrar num espaçoso aquartelamento com diversos pavilhões prefabricados: era o denominado quartel de Brá.

E na sua parada imensa, nos perfilámos já sob uma inclemente temperatura, para receber as boas vindas de um grupo de oficiais superiores do estado-maior de Arnaldo Schultz, bem protegidos sob um espaçoso guarda-sol. Findo tal cerimonial de unida ordem, qual testemunho de coesão e disciplina, foram então alojados os 168 militares da Companhia.

E a partir daqui, com os homens postos em sossego, teve início a sua efectiva integração no contingente bélico-militar da Província. Começava a traçar-se o seu destino colectivo, que alguns mandantes lhe haviam de reservar e impor nesta arredia e inclemente terra africana. O aparato militar que nos envolvia, parecia ser urdido segundo uma orientação preconcebida de há muito, de tal modo a que não nos se deparassem tempo suficiente para que tomássemos alguma consciência do que este novo embate da vida nos poderia provocar.

De uma regulamentar descrição sumária da situação a viver nos próximos tempos, fomos instruídos para tomar uma conduta ordeira e domesticada, a manter no absoluto durante alguns dias, sem contactos externos, procurando que a tropa conseguisse absorver de maneira célere e no isolamento, a primeira das grandes provações, resultante da ampla diferenciação climática encontrada. Aqui se estampava, muito certamente, o início de um julgamento de inocentes sem justa causa. Que não se aspirasse a grandes ilusões!

Três semanas em Brá e os primeiros ecos da guerra

Durante um período de cerca de 3 semanas, fomo-nos quedando por Brá, onde mesmo assim, era possível manter fúteis contactos com muitos militares em situação de transição. Alguns, com a comissão já avançada, faziam chegar aos nossos ouvidos, relatos da sua guerra e que se travavam pelos cantos da Província, que nos fechava em silente mutismo, absortos pela crueza das suas narrativas, que não deixavam de causar uma indefinida perplexidade quanto à sua perceptibilidade. Os factos descritos pareciam ser complexos enigmas, de difícil decifração, mas o rescaldo do eco das palavras era de todo assimilado, para uma cismada busca do seu real significado.

Durante este lapso de tempo, houve uma visita do Presidente da República Américo Tomás . Tal serviu para a Companhia receber o seu armamento ligeiro, e ficar incumbida de montar segurança a essa dignitária personalidade, a exercer ao longo da estrada de Bissalanca. Contudo, o que a tropa denominava de treino operacional, desenrolou-se nos aquartelamentos de Mansabá e de Olossato, desenvolvido aproximadamente durante um mês.


Treino operacional em Mansabá e Olossato

A situação militar naquela região não era muito conflituosa, apesar dos Oio e Morés já terem fama naqueles tempos, e cujos nomes eram temidos naqueles locais. Contudo, nas saídas ocasionais de acompanhamento, não houve nada a justificar qualquer nota de maior destaque, a não ser um ligeiro ataque ao denso povoamento de Mansabá.

Recordo que no Olossato, a Companhia aí sedeada era comandada pelo então Capitão Azeredo [hoje, o general reformado Azeredo e Leme, com uma folha de serviços exemplar, que o alcandora no galarim dos grandes oficiais do Exército], e que mais tarde após a evacuação de Gandembel, vim encontrar em Aldeia Formosa, já com a patente de major, como comandante de um Comando Operacional − os célebres COPs que Spínola tinha feito criar para as zonas mais nevrálgicas.

Nesse aquartelamento do Olossato, dada a sua localização em território de configuração apaulada, com algumas bolanhas na sua proximidade, viemos encontrar a seguir às inclemências do intenso calor e humidade, o confronto com o segundo dos mais acirrados inimigos −os mosquitos−, afrontando as delicadas ‘peles de pêssego’ dos periquitos e que nos causticavam sem dó nem piedade. Reconheço contudo, que este flagelo serviu para depressa se criar uma maior imunidade contra os malefícios desta outra praga, embora o paludismo acabasse por nos colher a todos, e quanto era doloroso, por vezes, debelar esta maleita de febres intermitentes.

Quanto a Mansabá, era um local amplo e frondoso, muito maior do que viríamos a encontrar em Nova Lamego, e as condições de habitabilidade do seu aquartelamento, foram as que melhor fruí durante toda a comissão. Mas foram apenas alguns dias!

Mas sobre toda esta zona, tive há relativo pouco tempo, a grata oportunidade de ler um livro de uma narrativa que se plasma nas díspares vivências que se deparam a cada militar no seu quotidiano, guiadas por ditames que só o labirinto da guerra consegue impor e não quer escamotear, escrito por um antigo camarada que viveu por estas bandas, e que recomendo vivamente; trata-se de Os Heróis e o Medo, de Magalhães Pinto, publicado pela Âncora Editora. Quanto seria importante ter connosco este companheiro para nos contar também as suas estórias!

Porém, ao fim destes 2 meses, o treino operacional findava. A tropa da Companhia parecia estar, em definitivo, inteiramente apta para enfrentar qualquer situação de guerra, fosse onde fosse. Tantos enganos! Para o atestar, não houve qualquer rebuço em nos meterem numa LDG, rio Geba abaixo, rumo ao Sul da Província.

Quem tramou a companhia ?

Em Cacine apeámos, e a 20 de Março [de 1968] chegávamos a Guileje, e ninguém pressagiava a sinistra e fatídica odisseia que doravante estava reservada à CCaç 2317. Ao mandar construir um destacamento fixo, em zona onde o PAIGC detinha um quase inteiro domínio territorial, o estado-maior do comando militar da Província cismou numa táctica militar imprudente, reveladora de uma grosseira insânia, destituída de qualquer preconceito, tanto mais que assentava no propósito de minimizar o poderio militar do adversário.

Quem ousou pensar nesta decisão? Parece que, para os toldados mentores desta ultrajante aventura, o valor da conveniência estava exactamente a par do valor da vida humana, tentando de qualquer modo, atingir-se um putativo fim, sem minimamente se olharem aos meios. Não o haviam conseguido até então, e compelia-se uma Companhia sem qualquer experiência, a desempenhar um papel de protagonismo em permanente risco de vida, o de desamparados peões de briga, quais meros joguetes de uma estratégia insolente, e que vai precisar de uma ajuda constante, para não vir a ser dizimada.

Eu que vivi esses tempos tão sofridos, sem hiatos, ao tentar procurar entender esta resolução, não a descortino. E julgo que se cometeu uma ignóbil e hedionda manobra estratégica, que se viria a revelar desastrosa para todas as tropas que estiveram envolvidas nessa infinda operação. Ainda que esta eventual operação de acantonamento obrigasse o PAIGC a alterar a sua conduta militar de forma acentuada, este nunca deu mostras de soçobrar. Ao contrário, quase sempre demonstrou apresentar uma organização à altura das circunstâncias que as NT lhe tentavam mover. Apesar de reconhecer que tiveram que reforçar o seu poderio militar, bem atestado na forma como veio a agir, o abandono de Gandembel só pode apresentar uma leitura consequente: mais uma vez, as NT soçobraram naquela zona.

E se o desaire não é de todo gorado, tal deve-se ao preponderante papel desenvolvido pelas tropas paraquedistas, que se cruzaram connosco nesta aventura, pela forma extremamente meritória como o souberam assumir. Foram as verdadeiras tropas de elite, que num momento particularmente conturbado para nós, apearam em Gandembel, e coube-lhes a ousadia de conseguirem suster quase radicalmente as acções do PAIGC. Mas, no deve e haver, ficaram a perdurar para sempre, os resultados de uma sentença muito pesada. E estes, sem margem para quaisquer dúvidas, vieram a redundar num rotundo e plangente fracasso, pela quantidade de mortos e estropiados, dos feridos graves, e dos evacuados com maleitas várias, estas doenças que nos vêm chagando no nosso quotidiano.

Já alguém apontou no nosso blogue, o número de 52 mortos e muitos feridos graves. Torna-se-nos muito difícil atestar este valor, caro Zé Neto, mas do que me foi dado a observar e conhecer, considero que as tropas que estiveram mais ou menos envolvidas com a odisseia de Gandembel, entre mortos e evacuados para Lisboa (feridos e doentes), atingem seguramente a centena de homens, como terei oportunidade de ir focando.

Os custos materiais não contam para mim, mas mesmo aqui, quantas razões de queixa a lamentar, onde à falta de tantos meios, até a fome chegou a pairar, não por falta de comida, mas porque houve um longo tempo que se tornou difícil de tragar por manifesta má qualidade.

Oxalá que não seja por este conjunto de razões, que os factos bélicos que atravessaram as vivências de Gandembel/Ponte Balana, estejam praticamente omissos nos arquivos histórico-militares, e que acabarão fatalmente por se apagarem, pelo inexorável determinismo da lei da vida. E por isso, sinto-me profundamente chocado com este procedimento, que em nada enobrece a Instituição Militar. Assim, trair-me-ia, se deixasse perder o passado, de uma parte fundamental das vidas destes deserdados filhos de um deus menor.

Em seu nome, dos que tiveram a desdita de me acompanharem neste longo pesadelo, que se prolongou principalmente entre os meados de Março de 1968 a Maio de 1969, e mormente dos que vimos afastaram-se precoce e compulsivamente do nosso seio, procurarei dar sinal dos amargos momentos vividos, que o denegrido baú das minhas memórias, ainda não arrumou de todo, apesar das poeiras de 4 décadas.Será pois um conjunto de narrativas imperfeitas, mas que poderá vir a ser colmatada por outrens, e os foras-nada ficarão então mais consolados.
Mas, até breve!

Um abraço do Idálio Reis.

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 20 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1449: Para breve, a história da CCAÇ 2317, que esteve em Gandembel e Ponte Balana (Idálio Reis)

(2) Vd. posts anteriores do Idálio Reis:

19 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXIV: Um sobrevivente de Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317)

18 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXX: Um pesadelo chamado Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis, CCAÇ 2317, 1968/69)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P866: De Cansissé e a Fonte dos Fulas ao Baixo Mondego ou como o mundo é pequeno (Idálio Reis)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P867: Que madrasta Pátria é esta ! (ou o meu comentário à carta do Padre Mário de Oliveira (Idálio Reis)

13 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P874: O que é feito dos nossos relatórios de operações ? (Idálio Reis / Nuno Rubim)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P953: Cansissé, terra de encantos mil (Parte I) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

12 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P954: Cansissé, terra de mil encantos (Parte II) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P988: O soldado paraquedista Lourenço, natural de Cantanhede, morto e enterrado em Guidaje (Maio de 1973) (Idálio Reis)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1016: Cansissé, terra de mil encantos (Parte III) (Idálio Reis, CCAÇ 2317, Julho de 1969)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1382: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu Regresso (7): No longínquo ano de 1968 em Gandembel/Ponte Balana (Idálio Reis)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)



Cópia da certidão de óbito do Fur Mil Belmiro João, vítima de rebentamento de mina antipessoal, em Catió. Evacuado para Bissau, veio a falecer no Hospital Militar, em 18 de Abril de 1968. A sua unidade, a CART 1689, do BART 1913, passou em 1967 por Bambadinca.

Foto: A. Marques Lopes (2007).


1. Mensagem do Fernando Chapouto , com data de 7 de Fevereiro último:

Familiares do ex-Furriel Miliciano Belmiro dos Santos João, que esteve na zona de Bambadinca em 1967/68, querem saber mais pormenores sobre a sua morte. Na altura disseram-lhes que foi numa armadilha, outros que foi numa mina.

Este miliciano era natural de Miranda do Douro, da mesma terra do ex-Fur Mil Vaqueiro, nosso tertuliano (1).

O Vaqueiro, no dia 2 de Maio de 1967, antes de entrarmos para a BOR, em Bambadinca , de regresso a Bissau onde nos esperava o Uíge para partirmos para a Metrópole, esteve a falar com ele. Por isso, deve ter sido aí, na zona de Bambadinca, que ele morreu. O corpo veio para a Metrópole. O Vaqueiro foi ao funeral. A morte dele devia ter ocorrido em Fevereiro ou Março de 1968.

Se alguém dos tertulianos pertenceu à companhia dele, ou se o conhecia, ou se ouvi falar deste caso, digam-me. A família agradece todas as informações que forem recolhidas.

2. Resposta do A. Marques Lopes


Em cima publica-se cópia do que consta na página 345 do livro da CECA (Comissão para o Estudo das Campanhas de África), editado em 2001 pelo Estado-Maior do Exército (8º Volume, Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné-Livro I).

A CART 1689, a que pertencia o Fur Mil Belmiro dos Santos João, tem História da Unidade na Caixa n.º 82 - 2.ª DIV/4.ª Sec do Arquivo Histórico Militar. Talvez aí haja pormenores da situação do ferimento em combate que o levou à morte. Qualquer um pode consultar.

A. Marques Lopes

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Nota de L.G.:

(1) O Fernando Chapouto e o Belmiro Vaqueiro - que vive hoje em Bragança - pertenceram à CCAÇ 1426 (Geba, Geba, Banjara, Camamudo, Cantacunda, 1965/67). Pelos mesmos sítios, mas mais tarde, andou o A. Marques Lopes (CART 1690, 1967/68).