sábado, 17 de fevereiro de 2007

Guiné 63/74 - P1532: O furriel Belmiro dos Santos João, a primeira vítima mortal do inferno de Gandembel (Idálio Reis)

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Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (1968/69) > O grande ataque de 15 de Julho de 1968. O Idálio Reis envolto em 236 envólucros de RPG-7.
Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.

Mensagem do Idálio Reis (ex-alf mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835, Gandembel e Ponte Balana 1968/69) (1):

Caros Luís e companheiros da Tertúlia:

O furriel Belmiro dos Santos João (2) pertenceu à CART 1689, a tal Companhia que esteve em Gandembel, desde o seu início (8 de Abril) até 15 de Maio [de 1968]. Desconheço donde esta Companhia era oriunda e para onde foi após a sua retirada.

O nosso companheiro Vítor Condeço enviou-me a história desta Companhia, no tempo em que esteve sediada em Gandembel. E o relato referente ao dia 17 de Abril, afirma o seguinte:

«Quando pelas 07H50 dois Gr Comb, depois de executarem uma batida, se deslocavam para o sítio previsto da emboscada e quando se estavam a instalar, ouviu-se um rebentamento a uns 50 metros da instalação; constatou-se que uma mina implantada pelas NT tinha rebentado, encontrando-se a uns dois metros do rebentamento, o Furriel Mil BELMIRO DOS SANTOS JOÃO (que conhecia o local exacto da mina) deitado no chão com ferimentos graves na cabeça, vindo a falecer no H. M. 241 no dia 18 Abril. O Senhor Capitão de Artilharia MANUEL DE AZEVEDO MOREIRA MAIA, Comandante da Companhia, que seguia um pouco atrás, também foi ferido na coxa esquerda.

"Tudo leva a crer que a mina não foi accionada directamente pelo Furriel Miliciano BELMIRO DOS SANTOS JOÃO, uma vez que conhecia o local exacto da mina e porque o corpo se encontrava caído a cerca de 2 metros da armadilha accionada.»

Recorro ao meu baú, para tecer alguns considerandos. Esta Companhia, nestes primeiros tempos, teve uma acção continuada de patrulhamentos, ocupou-se na abertura de uma picada que proporcionasse a ida à água ao rio Balana, e fez a montagem de muitas armadilhas e minas anti-pessoais na zona periférica ao local de inserção do futuro aquartelamento, muito em especial na faixa junto à estrada de Guileje - Aldeia Formosa.

Reconheço que a forma como está redigido o texto desse dia, propende para uma leitura pouco elucidativa, quanto à forma como se desenrolou o acidente, que vitimaria o Belmiro João. Apontarei a minha versão, muito subjectiva obviamente, mas que de algum modo elucida o que desde logo começou a ser o pesadelo de Gandembel. O Belmiro João foi o 1.º militar a morrer nos interiores de Gandembel.

1. - Tornava-se indispensável criar campos de minas bastante densos. Estes eram constituídos por armadilhas de tropeção com granadas defensivas (montadas por um graduado) e por minas anti-pessoais, as quais eram de fácil colocação e estas até podiam ser colocadas por soldados que denotassem suficiente capacidade. Estes campos eram objecto da elaboração de um croquis, mas a maioria das vezes eram de difícil interpretação. Ficávamos só com o conhecimento dos sítios dos campos de minas.

2. - Dois grupos de combate iam montar uma emboscada. Seguem em fila, no que chamávamos de bicha de pirilau, mas que era impossível ser unilinear, havendo sempre alguém que se deslocava lateralmente.

Porque já haviam elementos a posicionarem-se para a emboscada, esta fila mais se alarga. E, pese embora todos os cuidados que possa haver, creio que é neste flanqueamento da fila que o Belmiro João acciona a mina.

3. - Contudo, o accionamento deste tipo de artefactos, tinha em geral como consequências de maiores danos, graves ferimentos nos membros inferiores. Mas o Belmiro João morre devido a ferimentos graves na cabeça. E nada se refere quanto a outros tipo de ferimentos, mas que o Comandante de Companhia também é ferido ligeiramente.

4. - Custa-me a crer que o accionamento de uma mina anti-pessoal tivesse tais repercussões, com um relativo raio de acção. Até porque se refere que o corpo é encontrado a cerca de 2 metros da mina.

5. - Esta guerra era muito dependente das disparidades entre o tudo (a sorte) e o nada (a fatalidade). Assim, julgo que o ferimento na cabeça do Belmiro João e na coxa do Comandante da Companhia, devem ser resultado da deflagração de uma granada de uma armadilha, que é accionada com o sopro que a mina anti-pessoal causa.

Termino, mas recordo perfeitamente da vinda do helicóptero, e o que me foi dito na altura é que o Belmiro João sangrava abundantemente e ia bastante ferido.

É tudo. Aqui fica a reposição que o Belmiro João encontrou a morte, como tantos outros, em Gandembel.

Cordiais saudações do Idálio Reis
___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 16 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1530: Fotobiografia da CCAÇ 2317 (1968/70) (Idálio Reis) (1): Aclimatização: Bissau, Olossato e Mansabá

(2) Vd. post de 15 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1529: Belmiro dos Santos João, de Miranda do Douro, vítima de mina antipessoal em Catió (Fernando Chapouto / A. Marques Lopes)

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