segunda-feira, 5 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2810: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (30): O Xime, sem ferro mas com fogo...

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > c. 1969 > O cais do Xime, no Rio Geba, por onde passavam milhares de homens e toneladas de material para os aquartelamentos do chão fula, Bafatá e Gabu.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > c. 1969 > Rio Geba nas proximidades do Xime

Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Direitos reservados.


Texto do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1), enviado em 11 de Fevereiro de 2008:



Luís, sugiro como ilustração essa fotografia que aí tens com uma peça de artilharia do Xime. Junto várias propostas de ilustração, que seguem em correio separado. Para a semana tu e eu iremos reviver a [Op] Tigre Vadio. Queta, a minha segunda memória, mais uma vez surpreendeu-me, conservou os detalhes da nossa entrada no acampamento de Belel, verdadeiramente sangrenta, a que se vai seguir o regresso por Madina e vocês todos cheios de sede e um piloto de helicóptero que me queria largar em nenhures, como se eu fosse o Rambo... Recebe um abraço do Mário.

Operação Macaréu à vista > Episódio XXX

OPERAÇÕES JAQUETA LISA E COLETE ENCARNADO: A REGIÃO DO XIME SEM FERRO MAS COM FOGO (1)

por Beja Santos


(i) Notícias surpreendentes de Xerazade

Há obras na ponte de Udunduma, voltámos às emboscadas nocturnas e aos recenseamentos de armas nas tabancas em autodefesa, ainda não estou recomposto da [Op] Rinoceronte Temível e já sei que estou a caminho de outra, só que agora o meu coração está totalmente devotado à operação do casamento.
Canalizo epístolas umas atrás das outras para Bissau, dou informação aos padrinhos da noiva e do noivo, combino as horas do casório, as escolhas da música de Bach para órgão, informo que as certidões de casamento e de nascimento estão a atravessar o oceano, sugiro à Cristina que venha a 14 já que a minha última operação militar findará a 10, falo-lhe das compras em conjunto, peço fato, camisa, gravata e botões de punho. Sempre que estou em Bambadinca, graças à cumplicidade estabelecida com D. Leontina dos correios, tento ligar para Lisboa e às vezes tenho sorte. Dou tantos e tais pormenores ao telefone, falo de tantas localidades que gostaria de visitar com a noiva que D. Leontina já me perguntou se andaremos por toda a África durante a lua-de-mel.
Não me canso de introduzir informação secundária que a Cristina obviamente não pode filtrar, os soldados que vão assistir ao casamento, que o Cascalheira promete não voltar aos desacatos, pelo menos enquanto me estiver a substituir; que hoje estou de oficial de dia e que já tive que ir à tabanca por causa de uma rixa entre um marinheiro e um furriel dos comandos, houve socos, luta com garrafas, o marinheiro ficou com o nariz rebentado, aguardo a chegada de uma LDM para o entregar; que recebi cartas do Alcino e do Jolá e que o Ruy Cinatti, estranhamente, está a escrever-me duas vezes por semana; em tom de brincadeira, digo que a D. Leontina gostava muito que eu fosse fardado... aí a visada resmoneia, põe o dedo no ar, está indignada, no final da chamada pede esclarecimentos e depois ri às bandeiras despregadas.

É um tempo de euforia. O que disse sobre Ruy Cinatti é a pura das verdades: nunca escreveu tanto, dá opinião sobre as operações, cola-se ao meu entusiasmo, opina sobre os mandingas que querem vir para a metrópole, dedica-me poemas, fala desenvolvidamente dos seus projectos científicos.

Um dia, venho a subir a rampa dos correios para o quartel e cruzo-me com D. Violete que me avisa em tom bombástico:
-Sr. alferes, tenho informações surpreendentes para lhe dar. Nem sabe o que descobri, emprestaram-me livros raros e estou a conversar com pessoas que me dão resposta à sua curiosidade. Quando é que me quer visitar?.
A escassos dias de nova operação, não resisti a propor-lhe um encontro ao fim da tarde desse mesmo dia, estou a arder de curiosidade. Aceitou logo, anoitecia em Bambadinca quando lhe bati à porta com o meu caderninho viajante na mão. E as revelações vieram em catadupa:
- Olhe Sr. alferes, conheci no Gabu, na semana passada, uma neta de Mamadu Sissé, aquele tenente de 2ª linha que fez a campanha do Oio, em 1907, contra Bonco Sanhá e Infali Soncó. Chama-se Fatumana, é uma mulher grande, muito culta, viveu no Oio, depois veio para Badora, agora está reformada e vive entre o Gabu e Bafatá. Confirmou-me que antes das intrigas de Infali contra as autoridades portuguesas, tinha havido uma guerra entre as gentes do Cuor e os balantas da vizinhança que lhes roubavam gado e mulheres. A intriga tinha a ver com uma inventona da cedência de Badora a Abdulai, régulo do Xime e envolveu Dembajai, régulo do Corubal, e Délaje, régulo do Cossé. Infali Soncó maltratou um tenente que residia no Geba, tudo se passou em Sambel Nhanta, a insubordinação precisava de um reparo firme, as autoridades portuguesas estavam furiosas, tinham sido elas a impor Infali aos beafadas, ele respondeu com desrespeito e maldade. Infali umas vezes era leal às autoridades portuguesas, outras vezes bandeava-se para o inimigo, caso dos oincas. A marinha de guerra portuguesa foi atacada no Geba, na região do Cuor, os soldados de Infali tenham longas e os marinheiros responderam com metralhadoras e uma peça de artilharia ligeira. Pois bem, Fatumana emprestou-me um livro onde tudo isto vem descrito. Está aqui à sua disposição, lamento mas só o posso emprestar. Olhe, tenho também uma boa notícia para si. Quando ler este relato da guerra do Cuor vai finalmente saber que Sambel Nhanta se situava onde hoje é Sansão. Além disso, foi ali perto, em Caranquecunda, que as tropas portuguesas bivacaram e fizeram fortim, foi daqui que partiram para Madina onde incendiaram a tabanca. Infali fugiu e os régulos pediram perdão. A partir de então que os habitantes passaram a pagar o imposto de palhota, em 1908 entraram nos cofres da Província quarenta seis contos de réis só referentes aos residentes de Geba.
Agradeci toda esta informação a D. Violete, meti o precioso livrinho dentro de um saco de plástico prometendo devolvê-lo dentro de uma semana. Não sabia porquê, mas D. Violete lembrava-me Xerazade e todas as histórias de encanto e fascínio que faziam com que procurasse sempre com o maior entusiasmo a sua companhia. Sim, D. Violete era a contadora das minhas mil e uma noites.

(ii) Uma conversa desnorteada com Jovelino Corte Real e outros operacionais

Chegou a hora dos últimos preparativos antes de partirmos para o Xime. O comando de Bambadinca afinou o diapasão com Bafatá, o Xime é a prioridade das prioridades no sector, é preciso repelir esses grupos que atacam barcos mesmos nas barbas do Xime, torna-se indispensável impedir as culturas na bolanha do Poindom, alimento crucial para quem vive no Buruntoni ou no Fiofioli, ao longo do rio Corubal o PAIGC não dispõe de terras tão férteis como as do Poindom.
É intenção do comando que se faça uma batida com dois destacamentos: um que vai do Xime até à Ponta do Inglês, será constituído por grupos de combate da CCaç 12, é a Colete Encarnado; um outro vai do Xime até à foz do Corubal, passando a pente fino toda a bolanha do Poindom, será constituído pelas tropas do Xime e pelo Pel Caç Nat 52, é a Jaqueta Lisa. Sairão à mesma hora do Xime, em 22. Estes dois patrulhamentos ofensivos procurarão apoiar-se um ao outro, com apoio aéreo, no segundo dia retirarão conjuntamente, estando o comando de acordo que se use a mesma táctica quanto aos apoios de artilharia nos casos de detecção pelo inimigo ou emboscadas.

Apresentado o plano, inscrevi-me e pedi para que as minhas objecções fossem apreciadas por todos aqueles que iriam intervir na operação. Do que me fora dado ver, da experiência que colhera das idas infrutíferas ao Buruntoni, estávamos perante um mato fechado na margem esquerda da estrada Xime-Ponta do Inglês e da amplidão da bolanha entre Ponta Varela e a foz do Corubal.
O PAIGC, estava provado e comprovado, referenciava muito facilmente a presença das nossas tropas, emboscava regularmente junto a Madina Colhido, ao deslocarmos dois destacamentos em cooperação, iríamos comprometer a missão de um deles graças à detecção do outro. Propunha, por consequência, alvos diferentes para que o PAIGC não pudesse infernizar a vida de trezentos homens ao mesmo tempo. Em concreto, sugeria que um dos destacamentos saísse por Ponta Varela, atravessasse a estrada até à Ponta do Inglês e confirmasse que as populações tinham abandonado a mata do Poindom; o outro destacamento emboscaria em Gundaguê Beafada, seguiria na manhã seguinte até ao rio do Buruntoni, manteriam os dois destacamentos contacto via rádio para evitar aproximações, pois só assim é que teria cabimento fazer-se fogo de artilharia.
Esta sugestão não foi aceite, inclusivamente houve quem sugerisse que fôssemos juntos até ao Poindom, utilizando o trilho de Ponta Varela ao Poindom, frequentado pelo inimigo, e que só então se desse a separação dos dois destacamentos. Vendo o pandemónio da discussão, o comando voltou à referência inicial dos dois patrulhamentos em convergência. Com diferentes guias, com diferentes estados de alma e estado físico, os dois destacamentos iriam viver o desencontro total, deixei claro para quem me queria ouvir. Jovelino Corte Real irritou-se, invocou os galões, exigiu estrita obediência ao espírito da missão: os dois destacamentos iriam partir sincronizados e regressar sincronizados. Ditada a sentença, saímos da reunião e em escassas duas horas a coluna pôs-se em movimento para o Xime, no princípio da tarde do dia 22.

(iii) A história infeliz de duas operações desirmanadas

O contigente da CCaç 12 teve a vida atribulada pelo esgotamento físico, logo à partida. Levavam três horas de marcha desde que tinham saído do Xime quando tiveram que regressar devido a uma situação de doença grave. Só quem não fez a guerra é que não sabe como saídas, regressos e retomas no aceso da época seca se traduz em descompensação e acentua o cansaço e a desconcentração. Entrando tarde na operação, não podendo contactar pelo rádio o destacamento em que íamos, a força da CCaç12 não atinou com as razões do fogo de reconhecimento feito pelo inimigo, que ocorreu durante a noite. Ao amanhecer, foram confrontados com queimadas e a continuação de fogos de reconhecimento.
Sem conseguir contactar com o PCV, o contigente da CCaç 12 ouvia rebentamentos e rajadas lá para os lados de Ponta Varela e Poindom, continuou a progressão mas sem receber instruções quanto ao modo como apoiar o outro destacamento, previsivelmente em apuros. Do que fizemos, dei resumidamente conta à Cristina em carta datada de 25 de Março:
“Venho muito cansado do Poidom. Aproveitámos o luar para, depois de termos emboscado em Ponta Varela, avançarmos nos terrenos lamacentos que levam à foz do Corubal. Para surpresa de todos, as lavras continuavam a ser feitas, ou seja, as populações civis não ficaram atemorizadas com a nossa ida ao Poidom. Tal como tinha sido previsto, na ausência de contacto ou de descoberta de novos acampamentos, emboscámos de madrugada na Ponta do Inglês. Para nossa surpresa, ouvimos o fogo a troar a partir do Buruntoni e Baio, não ligámos nenhuma, já nos tinham avisado que estes reconhecimentos eram habituais. Com a primeira luz da manhã, percorremos a pente fino a mata do Poidom, nada encontrámos a não ser muitas alfaias agrícolas e pegadas recentes. Mas, pelas 7 horas, o fogo intensificou-se, sentimos as morteiradas muito perto, não foi difícil perceber que estávamos referenciados. Recorrendo ao esquema usado na Rinoceronte Temível, pedi fogo sobre o Baio e o Buruntoni, bem como para pontos onde tínhamos detectado os acampamentos em 9 de Março. O fogo inimigo acalmou e pedimos instruções ao PCV que nos mandou regressar a Ponta Varela. Como vês, não tem sentido nenhum imaginar-se uma operação conjugada entre diferentes destacamentos com fogo inimigo pelo meio. Além disso, sinto que o moral das tropas do Xime não está bom, a primeira meia hora logo à saída foi passada a acalmar a berraria de um soldado que em estado de convulsão gritava para que todos ouvissem: “Ai, mãezinha, que não volto vivo!”. Não é determinante, mas abala o ânimo colectivo. Chegámos exaustos a Bambadinca, não sentia as pernas, ando com arrepios, não sei mesmo se não apanhei paludismo”.

Capa da Sonata para violino e piano «Kreutzer», de Beethoven. A famosa empresa discográfica Deutsche Grammophon incluíu este disco na Colecção do Centenário da empresa como o grande registo de 1952, pela limpidez das interpretações, o esplendor do registo de acordo com as técnicas de acústica da época,tempos do mono. Schneiderahan e Kempff foram dois colossos que tive oportunidade de escutar em Bambadinca.


Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



(iv) A soberania da música, a grandiosidade da literatura

Procuro travar o cansaço ou orientar os momentos de euforia ouvindo música, música sublime ou arrebatadora, música que me galvaniza pelas suas mensagens de alegria, fé ou coragem. Oiço a sonata para violino e piano Kreutzer, de Beethoven, numa interpretação que ficará lendária de Wolfgang Schneiderhan e Wilhelm Kempff. Oiço e volto a ouvir, o articulado daqueles dois instrumentos dá-me imensa coragem. Noutro registo, deixo-me elevar pelos sons majestosos do concerto n.º 4 para piano e orquestra de Camille Saint-Saëns, na bela interpretação de Philippe Entremont e Eugene Ormandy à frente da orquestra de Filadélfia. Revelação completa é o fraseado sublime de Isaac Stern no concerto n.º 2 para violino e orquestra de Mendelssohn, com a mesma orquestra e o mesmo maestro.


Capa original da edição de O Amante de Lady Chatterlay. A Penguin viu-se envolvida num pleito judicial histórico: pretendeu-se retirar do mercado, por ofensas à moral pública, este livro de Lawrence. A liberdade de expressão ganhou. O puritanismo centrou-se nas relações sexuais de Constance e Mellors, deixando nos bastidores a crítica social e política, como se esta fosse inexistente. Publicado em 1928, cedo os críticos reconheceram que o livro era uma pedra preciosa da literatura universal.


Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.





Edição em português de O Amante de Lady Chatterley, por D.H. Lawrenc. Tradução de António R. Salvador, capa de Luis Filipe de Abreu, Circulo de Leitores,1994.


Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.



Desta vez li integralmente O amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence. É uma obra maior da literatura mundial, pode perceber-se há distância de algumas décadas o escândalo que acarretou falar-se cruamente de uma relação sexual numa Inglaterra ainda envolta em puritanismo. Clifford Chatterley, com mansão em Wragby, nas Midlands agrícolas e mineiras, vem da Primeira Guerra estropiado, paralítico. Casara pouco tempo antes com Constance, não tem ilusões quanto à falta de descendência, agarra-se a Constance com todas as suas forças, como igualmente à literatura e aos negócios. É uma relação que caminha rapidamente para o vazio, que não é mitigado pelas inconsequentes aventuras sexuais de Constance. O guarda de caça Olivier Mellors, culto e solitário, um distinto ex-oficial das Índias, vai despertar a paixão de Constance, que irá abandonar a vida de alta sociedade para cumprir o seu sonho de amor. Lawrence dispõe de uma técnica magistral para nos envolver do princípio ao fim, nada é enfadonho nesta relação triangular, é uma descrição poderosa do nascimento de duas sensualidades, mas Lawrence não se fica por aqui: desvela-se o fim da influência da aristocracia rural que dá lugar à industrialização; Constance Chatterley é a afirmação da emancipação feminina, um termo da infidelidade cega e resignada. A espantosa carta de Mellors no final do romance assinala a liberdade de um amor que sobreviveu aos preconceitos sociais do seu tempo. Lawrence dá seguimento à autenticidade do amor no mundo esfarelado do pós-guerra que fez emergir uma nova constelação de valores afectivos.



O mistério da Arca de Noé, de Ellery Queen, nº 80 da Colecção Vampiro, tradução de Elisa Lopes Ribeiro, capa de Cândido da Costa Pinto, s/ data. Não é uma das obras primas de Ellery Queen mas está poderosamente organizado quanto à trama misteriosa, ao enigma que se desvenda a conta-gotas que permite um fantástico desfecho final. O enigma, infelizmente, anestesia a densidade dos protagonistas, fazendo deles objectos mecânicos do autor.


Foto (e legenda): © Beja Santos (2008). Direitos reservados.


Saboreei à medida a decifração de um quebra-cabeças aparentemente insolúvel: O mistério da arca de Noé, por Ellery Queen. Este detective vive sempre em altos voos homicídios bizarros, para não dizer grotescos. Desta vez, foi para Hollywood para escrever um romance policial, um joalheiro recebe um cão morto com uma mensagem e morre aterrorizado. O seu sócio que vive numa cadeira de rodas, nada quer revelar sobre o passado de ambos, algo que permite investigar a natureza terrífica do conteúdo daquele bilhete. Seguem-se outros sinais de aviso, como uma tentativa de envenenamento ou um quarto juncado de rãs mortas. Como Ellery Queen é um intelectual eficiente, descobre qual é a chave destes avisos, como por detrás deles está um plano diabólico de vingança que se cruza com outro plano de vingança, um cérebro doente que é manipulado por outro cérebro vingativo. Ellery Queen é um grande senhor do romance policial problema, pelo desenvolvimento de uma charada pontuada por crimes tortuosos e por uma descodificação que se vai desenrolando até ao final da obra.

Estamos a caminhar para o fim do mês [de Março de 1970], estou a chocar um paludismo, parto dentro de dias para a mais sangrenta de todas as minhas operações [, a Op Tigre Vadio]. E quando regressar, totalmente exausto, seremos atirados para a ponte de Udunduma e depois para a operação Pavão Real. Segue-se um período de acalmia, haverá instruções do comandante-chefe para anular quaisquer operações ou patrulhamentos ofensivos. É quando alguns supõem que a guerra vai acabar que eu parto para Bissau à espera da minha noiva.
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Nota do editor:

domingo, 4 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2809: Blogoterapia (50): Racismo é palavra que nunca existiu no meu dicionário (Fernando Chapouto)

Foto 1 > "Eu, com a Cruz de Guerra, por ter transportado um soldado preto, ou seja nativo, morto, às costas, de baixo de fogo".

Foto 2 > "Mascote da companhia em Bissau, nos primeiros dias de permanência na Guiné"


Foto 3 > "Uma mulher com miúdos de Camamudo"

Foto 4 > "Eu, No meio da juventude de Camamudo"


Foto 5 > "Foto após um batuque em que fiz questão ficar nela com mais militares"


Foto 6 > "Com dois simpáticos miúdos que muitas vezes me acompanhavam pela tabanca de Camamudo"


Foto 7 > "Mais uns companheiros que pediam para lhes emprestar a bola e lá ia eu com eles, eu também gostava"


Foto 8 > "Eu, com uma família de Balantas em Geba"

Foto 9 > "Eu, com o Régulo de Cantacunda"

Foto 10 > "Pessoal à espera de comer e tratamentos na enfermaria"


Foto 11 > "Eu, com o Regulo de Cantacunda e pessoal de todas as idades"

Fotos e legendas: © Fernando Chapouto (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Fernando Chapouto, com data de 8 de Janeiro último. O Fernando foi Fur Mil, Op Esp, CCAÇ 1426 (Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, 1965/67). O Chapouto chegou, no Niassa, à Guiné em Agosto de 1965; em Outubro de 1965 foi para Camamudo; em Dezembro de 1965 foi destacado para Banjara; em meados de 1966 foi destacado para Geba; em Março de 1967 foi colocado em Cantacunda; e, por fim, em Maio de 1967 regressou à metrópole no Uíge. Recebeu uma cruz de guerra... É dos nossos mais antigos tertulianos. Há tempos ficou zangado comigo, por que ficou com a ideia (errada) de que eu terei insinuado que ele era racista... Bem pelo contrário, eu quis apenas defendê-lo contra aqueles que, não o conhecendo, poderiam pensar mal do Fernando. Não foi assim que entendeu as boas minhas boas, pias, cristalinas, palavras, comos e pode deduzir do texto que ele na altura me mandou... Felizmente que está tudo ultrapassado, uma vez desfeito o mal entendido... Enfim, os habituais problemas da comunicação humana... (LG).


Racismo é palavra que não existe no meu dicionário
por Fernando Chapouto

O meu racismo está espelhado nas fotografias acima mencionadas. Podia pôr mais, mas são suficientemente esclarecedoras do meu racismo, palavra que não existe no meu dicionário. Sou e semopre fui um não-racista.

Isto é uma demonstração do meu respeito por todos, fossem idosos, novos ou quem quer que seja.

Quando me deslocava a Bafatá ou a Geba, eu dava-lhes boleia, levava-os e trazia-os, não os deixava ficar no caminho. Era a nossa missão, é por isso que hoje tenho saudades daquela gente, sejam pretos, brancos, mestiços, amarelos ou de outra cor. Porque era por eles que eu ali estava, defendendo-os de ataques do IN.

Espero que toda a minha discordância seja publicada e dado conhecimento, a todos os ex-combatentes, do meu descontentamento.

Se não concordam com os meus depoimentos e se assim o desejarem podem-me excluir-me da lista do blogue.

Só lamento certas histórias não terem o mesmo tratamento. Concordo que cada um se exprima e relate as suas histórias, pois vivemos em democracia, pela qual sempre lutei.

Espero continuar, na sombra, a ser um leitor assíduo do vosso blogue, pelo qual tenho vivido horas felizes em relembrar aqueles tristes dias da Guiné.

Um abraço para todos
Fernando Chapouto


2. Comentário do editor na altura enviado, por mail, ao nosso camarada Fernando Chapouto, e que ficou sem resposta na altura:

Fernando: Obrigado pela tua mensagem e pelas fotos que mandaste. E que eu vou publicar. Mas quero que fique claro uma coisa: ninguém disse, no nosso blogue, que tu eras racista, muito menos eu ou qualquer um dos nossos co-editores... Aliás, nenhum de nós, que passou pela Guiné, pode ser racista: temos uma grande amizade aqueles povos... Tu convivestes com os pretos, andastes com eles às costas, defendeste-os... Eu estive numa compnhia de pretos, retintos, fulas, fulas pretos... Portanto, tu não precisas de te justificares nem de defenderes de acusações que não existem...

Vejo, com tristeza, que ainda estás zangado connosco, ou só comigo...Ora não é caso para isso... Há um mal-entendido que eu tenho que esclarecer contigo... Não vou perder um amigo e uma camarado só por causa de um mal-entendido... Deixa-me falar contigo: manda-me o teu número de telefone ou telefona tu mesmo, agora mesmo, para o número que te dou. Espero poder esclarecer todos os equívocos. Luís Graça

3. O Fernando entendeu ficar em silência estes meses todos. Há dias rompeu esse silêncio e mandou-me imagens de velhos postais ilustrados... Espero poder vê-lo, e dar-lhe um abraço no dia 17 de Maio, no nosso III Encontro Nacional, em Monte Real.

A mensagem vem endereçada ao Companheiro Luís e camaradas da Guiné... E acaba assim:

"Continuem o trabalho exemplar para beneficio de todos os ex-combatentes da Guiné. O meu muito obrigado

Um abraço
Fernando Chapouto
Ex Fur Mil CCaç 1426
Guiné 65/67"


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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 5 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2409: Estórias avulsas (12): Uma atribulada viagem de barco pelo Rio Cacheu até Farim (Fernando Chapouto)

(...) "O regresso foi mais rápido e sem problemas até à entrada da barra. Ai apanhámos uma grande tempestade, pois estávamos na época das chuvas, uma grande trovoada, ondas com muita altura... O preto desamarrou os batelões que ficaram à deriva e o barquito onde fiquei com mais dois ou três soldados e a tripulação que era preta. Pensei:- Não morro com um tiro, mas morro afogado...

"Apesar de saber nadar, pensei que era o fim, os pretos (2) rezavam, pareceu-me uma eternidade, com o clarão dos relâmpagos via o lamaçal na margem...Como é que nos safamos se o barco se volta ? Lá ficaremos atolados" (...)
___________

Nota de L.G.:

(...)

(2) Pelo que conheço do Fernando (já nos encontrámos três ou quatro vezes), o termo preto aqui utilizado não tem qualquer conotação racista, é apenas linguagem de caserna...

Guiné 63/74 - P2808: Em busca de... (26): Todos os comandantes do Pel Caç Nat 52, de 1966 a 1974 (J. Mexia Alves / Beja Santos)

Lisboa > Sociede de Geografia > 6 de Março de 2008 > Três históricos do Pel Caç Nat 52 > Joaquim Mexia Alves, à esquerda da foto, no lançamento do livro Diário da Guiné, 1968-1969, de Mário Beja Santos, que está ao centro. À direita, está o Henrique Matos que foi o 1.º Comandante do Pel Caç Nat 52.

Foto: © Henrique Matos (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, com com data de 20 de Abril:

Caros Henrique e Mário:

Mais um que passou pelo Pel Caç Nat 52! (1) Qualquer dia podemos fazer um blogue do 52...eheheheh

Abraço amigo do

Joaquim Mexia Alves


2. Mensagem do Beja Santos, de 21 de Abril, enviada ao Joaquim Mexia Alves, com conhecimento aos editores:

Querido penúltimo comandante,

A história do Pel Caç Nat 52 começou em 1966, em Bolama, o seu primeiro comandante foi o Henrique Matos Francisco, até 1967.

Seguiu-se o Azevedo, que conheci numa das minhas deambulações por Bissau.

Seguiu-se o furriel Saiegh, que comandou o pelotão interinamente aí uns quatro meses.

Depois apareci eu, de 1968 a 1970.

Seguiu-se o Nelson Wahnon Reis, que lá esteve uns meses, creio que em Fá.

Seguiu-se quem? Ou logo tu ou mais alguém.

E depois o recém aparecido Sá Fernandes.

Há motivos suficientes para um encontro. Talvez o lançamento do meu segundo livro, pela surda estou a preparar um evento de arromba que mete cantares da Guiné-Bissau, a apresentação dos medicamentos que tomávamos produzidos pelo Laboratório Militar, o equipamento de emergência usado pelas enfermeiras pára-quedistas e os estojos de socorros dos Alouette II. Tudo no Museu da Farmácia, e temos depois o lançamento do livro.

O Pel Caç Nat 52 merece reunir-se numa ocasião excepcional...

Um abraço para todos do tigre de Missirá

3. Mensagem anterior do Sousa de Castro, o nosso tertuliano nº 2:

Camarada Fernandes, sou o Sousa de Castro de Viana do Castelo, ex-1º cabo
radiotelegrafista da CART 3494 do BART 3873.

Tanto quanto sei a tua companhia (CART 3521) viajou no N/M Niassa juntamente com o Batalhão 3873, para a Guiné. Entra no endereço anexado e apresenta-te com uma foto da época e outra actual, contando uma pequena estória da tua passagem pela Guiné e serás bem aceite na nossa tabanca.

Melhores cumprimentos.
Sousa de Castro

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Nota dos editores:

(1) Vd. postes de:




18 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2774: O Nosso Livro de Visitas (13): António de Sá Fernandes, ex-Alf Mil da CART 3521 (Guiné 1969/73)



20 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2780: Tabanca Grande (63): Que seja bem vindo o Sá Fernandes, que me substituiu no comando do Pel Caç Nat 52 (Joaquim Mexia Alves)



22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2788: Tabanca Grande (64): Apresenta-se Sá Fernandes, ex-Alf Mil da CART 3521 e Pel Caç Nat 52 (Guiné 1971/73)

sábado, 3 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)




Jorge Picado,
ex-Cap Mil,
CCAÇ 2589 e CART 2732,
Guiné 1970/72



1. Em 30 de Abril de 2008, recebi do ex-Capitão Mil Jorge Picado a seguinte mensagem:

Acedendo ao solicitado pelo camarada Sousa Gomes (1) vou tentar dizer o pouco de que me recordo sobre a Emboscada de 12 de Outubro de 1970, por sinal matéria bem dolorosa para mim, não só pelas funestas consequências, mas também pelas recordações da véspera desse dia.

Entretanto diz o camarada na sua mensagem, referindo-se a mim…responsabilidades e experiência … e mais à frente …ilustre Ilhavense

Acerca das minhas responsabilidades e experiência, no capítulo militar entendamo-nos, não rejeito as responsabilidades que me cabiam, mas quanto à experiência, estamos conversados, era fraquíssima e, quanto a ser ilustre Ilhavense, tomo-o como um excesso de linguagem, que perdoo, pois o simples facto de ter cumprido uma comissão naquela guerra não me dá direito a tal e até agora nada fiz para me diferenciar de um simples e normal cidadão Ilhavense.

Sobre o meu passado no TO da Guiné possuo muito poucos documentos (1 pequena agenda de bolso, onde religiosamente eram cortados os dias que passavam para me embriagar na esperança de que só faltavam ene dias! e onde apontei – esporadicamente – alguns factos desses 2 anos, pelo que às vezes há sobreposição nos dias, constitui a base dos meus recuerdos) e essas recordações passaram a ser vagas e pouco precisas, resultado de diversos factores que agora não interessa revelar, apenas aflorando o seguinte: fruto duma preparação mental, consegui quase sempre actuar como um perfeito autómato, podendo dizer que, em verdade, olhava, mas não via (era como se falássemos em linguagem informática, a minha ram cerebral não funcionava, já que consegui desligá-la na maior parte do tempo).

Posso também afirmar que, não havendo (creio) drogas para nos alienar, só assim e, com a ajuda de cigarros (não sou nem nunca fui fumador) e algum (por vezes bastante) álcool (apenas bebia e bebo um pouco de vinho às refeições e muito excepcionalmente algo mais) suportei aqueles anos sem ficar com mazelas do foro psicológico, como infelizmente aconteceu com tantos camaradas a quem a Pátria (leia-se os que durante todos estes anos têm tomado em mãos os destinos do País) tanto maltratou e continua a não respeitar…

2. Mas vamos ao que interessa agora, fazendo previamente o ponto da situação.

Fui parar (não digo cair de pára-quedas como é uso dizer-se) à CCAÇ 2589 quando esta já tinha pouco mais de 1 ano de campanha. Não sou portanto da sua origem, pelo que aqueles laços que se estabeleciam durante o período da formação desses conjuntos de homens não foram criados. Felizmente para mim, naquele período, a unidade encontrava-se em Mansoa, junto da sede do Batalhão, o BCAÇ 2885, e não estava concentrada. Por este motivo a minha actividade operacional encontrava-se muito atenuada, pelo que fui um sortudo.

Três pelotões estavam dispersos por, Infandre, Braia e Cutia e o quarto encontrava-se na sede. Por este motivo e para cumprir as missões que lhe estavam confiadas, ou seja e muito resumidamente a segurança e defesa de cerca de 1/3 (área NO) do concelho de Mansoa, que era o sector do BCAÇ a 2589 estava reforçada com pelo menos 2 Pelotões de Africanos – ainda que admita como mais verídico serem 3 essas unidades.

Como agora confirmo no P2162, deveriam ser 3 essas unidades, já que apenas tinha em meu poder a indicação dos Pel Caç Nat 15 e 61, faltando o 58.

Uma das minhas actividades consistia em efectuar visitas aos Destacamenntos para:
a) – acompanhamento da realização de acções da APSICO;
b) – uma certa moralização das tropas para que não se sentissem abandonadas pelo seu Capitão (não sei se consegui transmitir-lhes esse sentimento de camaradagem);
c) – transmitir aos respectivos Alferes certas directivas emanadas pelo Comando.

Dada a proximidade de Braia e a maior rapidez com que se fazia o trajecto Mansoa – Cutia, por ser em estrada asfaltada, apenas pernoitava em Infandre (excluindo o período de cerca de pouco mais de 3 meses em que por razões operacionais estive sediado em Cutia).

E chegamos assim à fatídica segunda-feira de Outubro, dia 12 (2).

Esse fim-de-semana passei-o no Infandre. Foi a 10.ª deslocação que efectuei a este Destacamento. Fui para lá no sábado de manhã e só regressei à sede no fim da tarde de domingo!

Permitam-me uma confidência escrita 32 anos depois, quando verifiquei que já não me impressionava com as lembranças do passado da Guiné.

Se não viesse a acontecer uma situação bastante grave no dia seguinte com a coluna deste Destacamento, a forma como se processou o meu regresso nesse domingo não merecia ser descrita, pois assemelhar-se-ia a tantas outras.

Quando a meio da tarde contactei o BCAÇ para enviar a coluna que me levaria de volta a Mansoa, desloquei-me, como sempre fazia nestas circunstâncias e com a segurança feita pelas forças do Destacamento, para o cruzamento do itinerário (era a picada Mansoa – Bissorã), onde seria recolhido pela coluna.

Como se aproximava o fim da estação chuvosa, a precipitação era já mais reduzida e como a temperatura estava numa fase descendente, os dias eram mais agradáveis. Nesse fim de tarde, o tempo estava mesmo óptimo. Quente, mas não excessivo, sem chuva, de forma que à sombra das árvores frondosas que ladeavam o caminho, numa quietude agradável dado o silêncio envolvente, saboreávamos aqueles momentos, em amena cavaqueira, podendo mesmo dizer que se gozava uma "perfeita paz". Se não fosse o vestuário e toda aquela parafernália militar – “Unimogs”, camuflados, “G-3”, morteiros, lança granadas e a segurança próxima que tinha ocupado posições – poder-se-ia dizer que se tratava dum bucólico passeio efectuado por um grupo de excursionistas, talvez de desportos radicais, que por momentos se tinham rendido àquele ambiente agradável e bonito, proporcionado por aquela paisagem, verdejante e já com algum dourado do capim, que nos envolvia.

Quando passou um avião, “T-6” armado de “rockets”, que regressava a Bissalanca, vindo provavelmente do Norte de Bafatá ou do Este de Farim – das zonas de Canjambari, Jumbembem ou Cuntima, muito sensíveis – todos olhámos para o céu, que se apresentava dum azul bonito, e comentou-se: “Onde teriam ido descarregar a carga transportada?”

Não sei quanto tempo permanecemos ali, até que finalmente ouvimos o barulho característico do aproximar das viaturas, com o inconfundível, por mais ruidoso e barulhento, da “chocolateira” ou “assadeira” – autometralhadora “Fox” – que era sempre quem abria a coluna.

Após a confraternização, que se efectuava sempre entre os vários elementos e, feitas as despedidas, regressei serenamente, abrandando à passagem por Braia, para as saudações da praxe, e cheguei em paz, mas já ao lusco-fusco, ao quartel, ainda a tempo de tomar uma banhoca, mudar de roupa e seguir para a messe, já que a hora do jantar estava próxima.

Posteriormente, sempre que recordo estes factos, me interrogo. Como foi possível, aquele fim de tarde tão calmo, tão sereno e tão agradável, se passadas pouco mais de 16 horas, a tão curta distância desse lugar, a Unidade sofreu, creio, o maior número de baixas e estragos que o Agrupamento de Mansoa registou, pelo menos durante a “Era” deste BCAÇ?


Habitualmente faziam-se 2 colunas por semana do Infandre para Mansoa, com o objectivo de se proceder ao reabastecimento, nelas se incorporando sempre pessoal civil do aldeamento e familiares dos militares africanos que vinham à vila para efectuarem compras, à consulta dos médicos do BCAÇ (havia 2 Alferes Milicianos Médicos de nomes Brandão e Sampaio) ou simplesmente passear.
Nesse dia também veio o Régulo do Infandre, de nome Iero e persona non grata do PAIGC.

Referindo-me ao regresso, não concordo com a passagem onde se diz que houve uma paragem em Braia, porque não é verídica.

Vou transcrever os meus hieróglifos desse dia na agenda.

Emb. INF. 12,30 M – 12 (5 Cont. (1 Fur.) 16 (1 Cont + 2 Sarg. + 2 civis). Ataque Mansoa 19h, curto. 22 C/SR + Mort.

Procurando traduzir estas anotações posso dizer que a emboscada se iniciou muito provavelmente às 12h30m, pois em Mansoa estávamos à mesa no início do almoço quando fomos surpreendidos pelo barulho dos rebentamentos, que por ser tão próximo foi imediatamente relacionado com a coluna que pouco tempo antes tinha saído do quartel.

M – 12, era o número de mortos posteriormente contabilizado dos quais, 5 eram do continente sendo um Furriel (este o malogrado Dinis César de Castro).
Por sua vez, 16 era o número de feridos (não descriminando a gravidade) dos quais 1 seria continental, 2 da classe dos sargentos (teria sido melhor indicar furriéis?) e incluía este número 2 civis.
O ferido do continente era o 1.º Cabo Enf. Seguidamente indico o ataque a Mansoa aproximadamente às 19 horas.
Foi de curta duração (curto), tendo sido contabilizados 22 rebentamentos de canhão sem recuo e de morteiros (22 C/SR + Mort.).

Estes ataques eram sempre executados do lado Este, da zona de Cussanja ou de Anha (zona Sul de Canjambari, segundo a designação do dispositivo do PAIGC e que ficava perto das bolanhas na confluência do Rio Mansoa com um seu afluente, o Rio Olom que segue para NE ultrapassando Mandingará, já acima de Cutia e não junto às margens do Rio Geba, como se diz).

Tenho em meu poder (como resistiu às limpezas da papelada que a certa altura fiz, nem sei explicar) uma cópia a tinta-da-china feita por um desenhador possivelmente da CCS, do esquema das posições IN recolhidas no terreno no dia seguinte, que acompanhou o respectivo relatório discriminativo da ocorrência, que deve existir nos Arquivos Militares.

Não possuo elementos para confirmar quais os Pelotões da CCAÇ que se encontravam nesse período respectivamente no Infandre e em Braia (havia uma rotação periódica, já que a perigosidade era diferente nos três Destacamentos e a estadia em Mansoa era considerada como descanso), mas uma vez que quem descreve a chegada ao local é o A. S. Gomes, identificado na foto ao lado dos camaradas Serralha e Simões, de quem me lembro muito bem já que possuo fotos da mesa do almoço de Páscoa em Braia, direi que era o Pel do Alf Almeida.
Por sua vez no Infandre estaria o Pel do Alf Assude (estou procurando confirmar este dado com o próprio).

Todo o pessoal do quartel em Mansoa, que mais uma vez afirmo estava almoçando, deixou alvoroçado e preocupado, os refeitórios, como era habitual acorrendo à parada, para receber instruções do Comando do BCAÇ, enquanto os oficiais acorriam para as Transmissões e Sala de Operações para contactar as nossas forças e dirigir as manobras.
Posso afirmar que certamente eu devia estar extremamente pálido e meio atónito, porque me lembrei imediatamente do fim de tarde do dia anterior… o Ten Cor Chaves de Carvalho não me mandou seguir…

Quem primeiro confirmou o sucedido foi Braia, dizendo que a coluna que tinha passado pouco tempo antes estava a ser atacada e estavam-se aprontando para seguir em seu auxilio.
Logicamente que Infandre confirmava.
Como, pelas informações, seriam os de Braia os primeiros a chegar foi lhes pedido que dessem as localizações (de acordo com as quadriculas) para o fogo de apoio dos obuses, como de facto depois foi feito.

Por sua vez em Mansoa estava o Pelotão do Alf Martinez (ele quase que não precisava de ordens do Cmdt para arrancar, já que era o 1.º a subir para a viatura com os seus camaradas que o seguiam imediatamente), tendo sido ele que seguiu com o primeiro grupo.
Posteriormente foi dada ordem para 2 Pelotões da CCAÇ operacional (uma unidade de reforço ao BCAÇ existente em Mansoa de que não recordo o número e era comandada por um Cap do QP) seguirem até Braia, com o objectivo de efectuarem uma batida a partir daí na zona de retirada dos elementos do PAIGC e um grupo misto de pessoal de serviços para as restantes tarefas de remoção dos destroços.
Por sua vez o Cmdt do BCAÇ determinou que eu, acompanhado pelo Martinez, me preparasse para no dia seguinte proceder ao reconhecimento detalhado do local da emboscada, com vista à elaboração dum esquema que acompanhasse o relatório da ocorrência.

A ideia que tenho, não digo que seja correcta, é de que quando o pessoal de Braia (que julgo terem começado a fazer fogo de morteiro ainda que às cegas, para os terrenos a Norte do itinerário e aqui peço ao A. S. Gomes que me corrija ou confirme) chegou às proximidades, os emboscantes já estariam em retirada.

As viaturas ficaram inoperacionais fora da estrada na berma do lado S, a mina não foi activada (porquê? Terá sido detectada pelo condutor da viatura a tempo, que fez desviar a viatura para a berma esquerda? Aperceberam-se as NT da emboscada, obrigando assim os guerrilheiros a iniciá-la prematuramente?).

Os géneros foram praticamente todos saqueados e raptaram vários elementos da População incluindo o régulo Iero, de quem nunca mais se teve conhecimento.

Na minha ignorância militar, fiquei sempre com a ideia de que este rapto tinha sido o objectivo da emboscada… se houver alguém que me tire isto da ideia, agradeço.

O esquema da emboscada, fruto dum minucioso e cauteloso (não fossemos deparar com alguma desagradável surpresa de armadilhas deixadas) reconhecimento efectuado logo pela manhã do dia seguinte, revelou tratar-se duma operação bem planeada e demoradamente concebida, pelos efectivos e armamento aplicados. Não me sinto diminuído por afirmar que estas apreciações são mais fruto da experiência do Martinez, do que minhas!

De acordo com a cartografia, depois da curva para a direita no sentido Braia/Infandre, a picada com a orientação ONO, desenvolve-se praticamente em linha recta numa extensão de cerca de 3 km e a emboscada foi montada (logicamente do lado Norte) sensivelmente a meio do trajecto curva-pontão antes do desvio para o Infandre, em local não capinado por não ser cultivado pela População que não se aventurava até aí para fazê-lo.

O capim, então no seu máximo desenvolvimento estava mesmo em cima da picada e, como sabem ultrapassava a altura das viaturas, ainda meio verdejante apresentava já uns tons amarelados permitindo reconhecer, pelo seu calcamento, todas as posições, os trilhos e o próprio local de retirada.

Numa extensão de cerca de 260m, medidos entre as posições extremas, pudemos identificar 14 posições no total, a diferentes distâncias da berma. No meio havia 2 posições maiores distantes 15 a 20m da berma, seguindo-se para cada lado 2 a cerca de 10m, mais 3 entre 3 a 5m e a extrema a 3m.
O local de reunião do lado da extremidade O estava a cerca de 200m e havia os vestígios de instalação daquilo que designámos por armas pesadas (morteiros? C/SR?) a cerca d 1km.

A mina A/C instalada na estrada estava sensivelmente a meio, no enfiamento da separação das posições centrais e a 1.ª viatura metida pela berma dentro (lado S) antes da mina.
A distância para a outra viatura, que não chegou a entrar tanto pelo terreno, era de cerca de 90m, mas tendo já ultrapassado a 3.ª posição da emboscada, portanto todos bem envolvidos pelos elementos do PAIGC.
A retirada foi na direcção do Cubonge, a caminho do Morés.

Estou de acordo com o que diz o A. S. Gomes, de que não houve paragem em Braia.
Não vieram ambulâncias de Bissau, como diz o Cabo Enf A. Costa. O César Dias tem razão.

Os mortos e os feridos supostamente menos graves vieram para Mansoa, sendo tratados pelos serviços médicos da Unidade e só no dia seguinte seguiram para Bissau aqueles que os médicos entenderam que precisavam de maiores cuidados.

Não tenho conhecimento de que o Marcelino da Mata tenha estado no local nesse dia, nem no seguinte, quando realizei como disse o reconhecimento do mesmo.

O 1.º Cabo Enf do Pel Caç Nat só não morreu, porque encontrando-se gravemente ferido de barriga para baixo (estaria desmaiado?), não reagiu à provocação feita por um dos assaltantes com o cano em brasa da Kalash, segundo me disseram na altura.

Não preciso indicar como, porque os camaradas calculam, já que este acto tinha sido referenciado noutras ocasiões, deixando-nos sempre na dúvida de sabermos se os corpos encontrados já mortos, tinham morrido imediatamente em combate ou se algum foi abatido quando se encontrava apenas ferido.

Da batida efectuada relataram ter encontrado rastos ensanguentados, mas não se soube, na altura, se houve mortos ou feridos da parte do PAIGC.

Há uma certa discrepância nos números apresentados pelo César Dias (10 mortos e 17 feridos) e os meus (12 mortos e 16 feridos), mas não sei quem terá razão.
Quanto ao soldado capturado, não seria o tal Soldado Condutor, que apareceu à noite, segundo afirma o Luís Camões? Eu não me recordo deste facto.

Não registei os nomes dos mortos, apenas recordando, por razões especiais o do ex-Fur Mil Dinis César de Castro.

Quando a partir de 2002 procurei alinhar algumas recordações do meu passado na Guiné, socorri-me da publicação de Joaquim Vieira, Angola-Guiné-Moçambique. Os Que Não Voltaram, do Caderno Expresso de 1994, para captar os possíveis nomes desse dia.

Nessas 31 páginas com 3 colunas cada de letra miúda, encontrei precisamente, e apenas, 12 nomes de mortos em combate em 12-10-70, todos do exército.

Tomei esses nomes como os referentes aos mortos dessa emboscada (uma vez que coincidiam com o meu apontamento) e que, por ordem alfabética, estão assim escritos:

Betiquete Cumbá, Sold.;
Diniz César de Castro, Fur.;
Duarte Ribeiro Gualdino, Sold.;
Gilberto Mamadu Baldé, Sold.;
Idrissa Seidi, Sold.;
Joaquim Banam, 1.º Cabo;
Joaquim João da Silva, Sold.;
Joaquim Manuel da Silva, Sold.;
Joaquim Marmelo da Silva, Sold.;
José da Cruz Mamede, 1.º Cabo.;
José Simões F. Serra, Sold.;
Tangtna Mute, Sold.

Uma vez que, por afirmações feitas nesta Tabanca não aparece o nome de José S. F. Serra e segundo Abreu Santos, Joaquim Manuel ou Marmelo(?) da Silva morreu nesse dia, mas em Nova Lamego, é possível que os mortos militares tivessem sido realmente 10 e nos meus 12 estivessem contabilizados 2 civis.

A distribuição dos efectivos militares nos 2 Destacamentos à data da emboscada não era a indicada no que se refere ao pessoal da CCAÇ 2589. Não eram secções que lá estavam, mas sim um Pelotão em cada Destacamento, reforçado sim com secções do Pel Caç Nat 58.
Não me recordava do nome do seu Cmdt, mas ao lê-lo agora reactivou-se na minha ram. Havia sim um Guerra, tal como um Alf Simeão que comandava o Pel Caç Nat61 e esteve comigo em Cutia.

Segundo o depoimento de Augusto Jaló o condutor ter-se-ia desviado da mina para a direita, mas a viatura ficou na berma esquerda? Uma vez que se desviou, foi porque naturalmente a detectou ou pelo menos viu algo de anormal na estrada e talvez por isso a emboscada foi iniciada mais cedo. Teria sido assim?

Numa das fotos coloridas (algures, após o Fortim de Braia) pode ver-se a vegetação luxuriante e o capim, bem alto, mesmo em cima da picada tal como quando da emboscada.
Não havia era este tipo de árvores com os ramos cobrindo a picada, mas apenas umas árvores mais dispersas e com a copa alta como na foto a preto e branco que a antecede.

Para já é tudo.
Se conseguir contactar o Assude e tiver mais conhecimentos transmiti-los-ei.

No encontro de 17 de Maio levarei uma fotocópia da emboscada, porque não tenho de momento hipótese de a transcrever.

Abraços.
Jorge Picado
_________________

Notas de C.V.

(1) - Jorge Picado quererá referir-se certamente ao nosso estimado camarada Afonso M.F. Sousa que dedicou exaustivo trabalho de pesquisa a esta emboscada.

Vd. poste de 10 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2748: Para o estimado Jorge Picado (Afonso Sousa)

(2) - Sobre a emboscada do Infandre Vd. postes de:

3 de Abril de 2008

Guiné 63/74 - P1641: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58 (1): Onde e em que circunstâncias ? (Afonso M. F. Sousa)

Guiné 63/74 - P1642: A morte do 1º Cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (2) : Em Infandre, a 13 km de Mansoa (Afonso M. F. Sousa)

e ainda > Guiné 63/74 - P1643: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, do Pel Cacç Nat 58 (3): 10 mortos em emboscada com luta corpo a corpo (César Dias)

4 de Abril de 2007> Guiné 63/74 - P1644: A morte do 1º cabo José da Cruz Mamede, Pel Caç Nat 58 (4): Recordando o mítico Morés (Afonso M.F. Sousa / Carlos Fortunato)

7 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2806: Poemário do José Manuel (11): Até um dia, Trindade, até um dia, Fragata

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > O Fur Mil José Manuel Lopes. Neste poema, evoca dois dos alferes milicianos da companhia que desertaram, um durante a IAO, e o outro na altura em que veio de férias à Metrópole.

Foto e poema: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1).

Poema do dia, sem título, enviado em 11 de Abril:

Ninguém deve ser julgado
por aquilo em que acredita
pelo que gosta de fazer
pelo que ama
ou por aquilo que teima em ser
ninguém deve ser condenado
por dizer não à guerra
e partir
sem um sorriso
ou um adeus
em jeito de despedida
num silêncio obrigado
por vezes a vida é ingrata
até um dia Trindade
até um dia Fragata (*).

Mampatá 1972
josema
_________

(*) Nota de JML, de 22 de Abril:

Raramente falo nos dois alferes que disseram não à guerra. Respeito a sua decisão, até porque eram pessoas que me pareciam integras e conscientes do que fizeram.

O Trindade comandante do 4º Grupo de Combate, muito discretamente, quando do treino operacional na formação da Companhia em Gaia, se notava que não estava de acordo com a Guerra Colonial. Era de uma formação política fora do comum naquele tempo e nas entrelinhas via-se que a sua opinião era diferente duma maioria que via o País do Minho a Timor, tal como eu, mas que com o tempo e o contacto com a outra face da verdade comecei a compreender e a ver o outro lado.

Quanto ao Fragata, comandante do 2º Grupo, ao qual eu estive ligado, era um homem de paz, a guerra para ele não fazia sentido e sofria para dentro em cada dia, hora e minuto que passava, ainda em 1972 veio de férias e não voltou. Sei que foi difícil a sua decisão, tão dura que ainda hoje suponho que ninguém da Companhia o viu mais. E como eu gostava de o abraçar e dizer que aceito a sua decisão sem nenhuma reserva.

Todos têm o direito a dizer não, quando determinados factos se chocam com a sua maneira de ser.

Um abraço
jose manuel
_____________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste de -feira, 24 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2794: Poemário do José Manuel (10): Ao Albuquerque, morto numa mina antipessoal em Abril de 1973

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2805: III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia (4): Novidades (J.Mexia Alves/C.Vinhal)

Caros Camaradas e Tertulianos amigos da Guiné-Bissau

Ponto da situação do nosso III Encontro Nacional, a levar a efeito no dia 17 de Maio de 2008 no Restaurante da Quinta do Paúl em Ortigosa, perto de Monte Real.


Mapa com a localização da Quinta do Paúl, em Ortigosa, bem perto de Monte Real, Concelho de Leiria.


1 - As inscrições deverão ser feitas até ao dia 10 de Maio de 2008, para darmos tempo a que o nosso anfitrião possa ter tudo devidamente organizado no dia 17.

Vamos colaborar com ele, inscrevendo-nos atempadamente.

As inscrições deverão ser enviadas para:
Joaquim Mexia Alves: joquim.alves@gmail.com

Carlos Vinhal: carlos.vinhal@oniduo.pt


2 - A lista dos inscritos até ao momento é a seguinte:

Álvaro Basto e Fernanda (Matosinhos)
António Báia e Celeste (Lisboa)
António José Pereira da Costa
António Marques Lopes, Gena e Francisco (Matosinhos)
António Santos e Graciela (Loures)
Artur Manuel Soares (Figueira da Foz)
Carlos Esteves Vinhal e Dina (Matosinhos)
Carlos Marques Santos e Teresa (Coimbra)
Carlos Silva e Maria Germana (Lisboa)
David Guimarães e Lígia Maria (Espinho)
Delfim Rodrigues (Coimbra)
Fernando Franco e Margarida (Lisboa)
Henrique Matos (Olhão)
Idálio Reis (Cantanhede)
Jaime Machado e Maria de Fátima (Matosinhos)
Joaquim Mexia Alves (Monte Real)
Jorge Cabral (Lisboa)
Jorge Picado (Ílhavo)
José Armando Almeida e Teresa (Albergaria-a-Velha)
José Casimiro Carvalho (Maia)
José do Nascimento Lázaro (Seia)
José Luís Vacas de Carvalho (Lisboa)
José Manuel Lopes e Luísa (Douro)
José Martins e Maria Manuela (Odivelas)
José Teixeira (Matosinhos)
Leopoldo Amado (Porto)
Luís Graça e Maria Alice (Lisboa)
Mário Beja Santos (Lisboa)
Mário Fitas e Maria Helena (Estoril)
Maurício Esparteiro (Almada)
Paulo Santiago e Teresa (Águeda)
Raúl Albino (Vila Nogueira de Azeitão)
Victor Alves (Vouzelas)
Virgínio Briote e Maria Irene (Cascais)
Vitor Junqueira (Pombal)


3 - Para quem quiser pernoitar, aqui ficam as unidades hoteleiras e os respectivos preços.

Quartos duplos:

Hotel D. Afonso
58,00€ - 55,50€ - conforme as vistas

Hotel Flora
43,00€

Pensão Santa Rita
45,00€

Pensão Montanha (1)
19,00€ e 20,00€

(1) -Pensão familiar cujos quartos são num anexo, no entanto, todos com casa de banho obviamente e perfeitamente aceitáveis para uma noite.
O "pessoal" da CART 3492 ficou o ano passado aqui alojado quando do almoço da companhia.

As pessoas devem comunicar com o Joaquim Mexia Alves, ou comigo, o mais breve possível, indicado a unidade hoteleira que preferem, para que ele possa fazer as respectivas reservas. Quem não confirmar o pedido de reserva escolhendo o local de dormida, ficará por sua conta em termos de pernoita.


4 - Para facilitar o serviço e não haver distinções entre os comensais, ficou estabelecido ser servido só o prato de carne.

Se, de todo, houver alguém contra o comer animais ou o novilho em particular, deve manifestar o seu (des)gosto ao Mexia Alves para ele arranjar uma alternativa junto do restaurante.

De novo apresento a ementa

Almoço

Entradas
Quarteto de Frutas Laminadas com Presunto
Espetadinha de Morcela e Chouriço
Pãezinhos Regionais/Manteiga
Broa/Azeitonas

Sopa de...

Carne
Assado de Novilho c/ puré de batatinhas, e Legumes

Sobremesas
Doces Tradicionais
Frutas Laminadas
Vinhos Regionais
Aguas/Refrigerantes
Café

Preço do almoço por pessoa 19,50€

Buffet/Lanche
Caldo verde
Bifanas no Pão
Frangainhos churrasco
Pataniscas de Bacalhau/Rissóis/Chamussas
Queijo/Fiambre/Presunto
Saladas Variadas
Doces de Colher
Frutas Naturais
Febras Churrasco
Lentriscas
Morcela Grelhada
Bebidas

Preço do lanche por pessoa 9,50€

Total final 29€



5 - Programa provisório

i - Concentração às 12,00h no Parque de Estacionamento do Restaurante

ii - Às 12,30h reunião do pessoal numa sala destinada para o efeito para tratar de assuntos de interesse do nosso Blogue.

iii - Às 13,30 será servido o almoço

iv - Durante a tarde teremos um tempinho para discutir a situação do nosso Blogue, dependendo do que se resolver na reunião da manhã.

v - Tempo musical a cargo dos mais conceituados artistas de variedades, vozes e músicos, seleccionados entre os participantes do almoço.

vi - O lanche será servido por volta da 18,30h, para retemperar forças.

vii - A sala será nossa até às 22h00, tendo ao nosso serviço uma instalação sonora composta por um microfone com cabo, um portátil e uma coluna de som.


6 - Envio de crachás

Como é habitual, oportunamente enviarei a todos, o(s) crachá(s) em ficheiro que deverão imprimir para levar e exibir.
________________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 17 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2770: III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia (3): Novidades (J.Mexia Alves/C. Vinhal)

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2804: Em busca de ... (25): Furriel Moniz, madeirense, CCAV 1484, Catió, 1967/68, que pode ter morrido no Vietname (Benito Neves)

À procura do Furriel Moniz

Há alguns dias, o Leopoldo Amado, agora a viver no Porto por motivos profissionais, enviou-nos a mensagem já divulgada e que trasncrevemos abaixo, solicitando à Tabanca Grande informações sobre o paradeiro do Furriel Moniz, um amigo da sua infância:



Guiné > Região de Tombali > Catió > 1967/68 > O Leoopoldo Amado (1), em criança (6/7anos), mais o irmão José Pedro (o mais novo) e o sargento Moniz (não Dinis)... Alguém, da nossa Tabanca Grande, se lembra do sargento Diniz? Talvez o Vitor Condeço, que foi furriel miliciano de armamento na CCS do BART 1913, e que esteve justamente em Catió nessa época (1967/68).
Foto: © Leopoldo Amado (2008). Direitos reservados.

1. Moniz ainda é vivo?

Como é do vosso conhecimento (se não é, passa a ser), o meu pai foi durante muitos anos Chefe dos Correios em várias localidades da Guiné. Foi assim que percorremos Bambadinca (1960-1963), Bafatá (1963-1964), Fulacunda (1964-1966), Catió (1966-1969) e Bolama (1969-1973). Na realidade, de dois em dois anos (máximo três) éramos transferidos de um local para o outro até que, em 1969, regressámos novamente à Bolama, nossa terra e nosso ponto de partida inicial, antes de rumarmos definitivamente para Bissau, em 1973, já nas vésperas da independência.

Em todas as localidades, o meu pai fazia e possuía imensos amigos, designadamente, entre a soldadesca portuguesa. Dentre esses, lembro-me com saudades do sargento Moniz que, sendo um grande amigo do meu pai, se encarregava de passear connosco (eu e meu irmão) pelas ruelas de Catió, aí pelos anos idos de 1967-1968.

A foto que vos envio (em anexo) foi feita nessa altura em Catió, no quintal da minha casa, ou seja, defronte aos Correios e o então quartel, que ficavam lado a lado. Da esquerda para a direita, o Moniz (de camuflado) e, no seu colo, o José Pedro (meu irmão mais novo, que vive há muitos anos em Paris) e eu próprio (de pé), com a idade provável de 6/7 anos.

A foto é da autoria de um soldado-fotógrafo profissional (o meu pai não se lembra do nome) a quem cedeu uma divisão na parte traseira da nossa casa, onde ele estabeleceu um improvisado e funcional estúdio-laboratório que servia a tropa toda e ainda os civis.

Eu e o meu pai gostaríamos de rever o Moniz e talvez o TABANCA GRANDE nos possa ser útil nisso.

Diniz, ainda é vivo?

Oxalá!

Leopoldo Amado

2. As notícias do Benito Neves em 29 de Abril:
Os meus cumprimentos ao editor, co-editores, a todos os tertulianos e em especial ao Dr. Leopoldo Amado.

Há dias em que o coração se nos aperta no peito e a saudade nos estrangula.
Hoje foi um desses dias quando, ao visionar o blogue, vi a foto do meu companheiro e amigo Moniz (Não Diniz), junto de dois meninos. Já faz muitos, muitos anos.
O Luís Severino Moniz era furriel, madeirense, natural do Machico. Juntámo-nos no Regimento de Cavalaria 7, onde formámos a CCav 1484. Embarcámos para a Guiné no dia 20/Out/65 e permanecemos em Nhacra desde 26/10/65 até 06/06/66. Rumámos, depois, para Catió onde permanecemos até 20/07/67.

Por onde passámos fomos sempre companheiros de quarto e entre nós havia uma profunda Amizade.

Permita-me que o recorde na sua sempre boa disposição, franco, leal com um coração do tamanho do Mundo e que mais adjectivos em poderei encontrar para definir aquele menino grande?

Desculpem-me mas a recordação e a saudade, agora, molharam-me a face mas tenho que ganhar ânimo para prosseguir.

Pena tenho, meu caro Dr. Leopoldo Amado, de não lhe poder dizer que o Moniz está vivo e de boa saúde, mas as notícias que tenho desde há muito tempo apontam para o contrário.

Desde o dia 02/08/67, dia em que regressámos a Lisboa, que perdi o contacto com o Moniz.

Tentei saber dele mais tarde mas não sei se será credível a história que me foi contada. Ainda em Catió soubemos que os pais do Moniz viviam separados, situação que afectava profundamente o meu companheiro e amigo que muita vezes disfarçava a amargura naquela natural jovialidade.

Soubemos que ele tentou que os pais se reconciliassem, o que se iria concretizar no final da comissão. Constou, no entanto, que, quando o pai o ia esperar ao aeroporto do Funchal, o pai terá morrido num acidente de viação.

Mais nos constou que, perante a tragédia, o Moniz se terá voluntariado para o Vietname onde terá falecido.
Ainda hoje me parece que esta história foi tirada de um livro de ficção. Mas foi o que constou e nada mais se soube do Moniz.

Mas, hoje que o assunto "voltou a lume", vou questionar um outro furriel da nossa Companhia 1484, que vive no Funchal, para que, apesar dos 41 anos já volvidos, procure saber da veracidade da história e tão bom seria que tudo fosse uma mentira e nos fosse possível voltar a dar aquele abraço que tantas vezes trocámos.

Resta-nos a recordação e, como tal, junto algumas fotos de momentos que partilhámos e jamais esquecerei.

Dr. Leopoldo Amado, grato lhe fico por me ter proporcionado o sentir de novo a grandeza da nossa Amizade.

Os meus cumprimentos.
Benito Neves



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O nosso blogue é uma verdadeira Caixa de Pandora. Pois é, Benito, estamos sempre expostos às mais inesperadas surpresas.

Ao Benito, o nosso muito obrigado pela sua rápida, solidária e emocionada resposta.
Querido camarada abrantino: Oxalá tenhas mais e melhores notícias do teu amigo e nosso camarada Moniz (e não Diniz, como escreveu o Leopoldo).
(…)

Um abraço para todos.Luís
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adaptação do texto de vb. Artigo relacionado em:
28 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2798: Em busca de ... (24): Sargento Diniz, amigo de meu pai, chefe dos correios, Catió, 1967/68 (Leopoldo Amado)

Guiné 63/74 - P2803: A guerra estava militarmente perdida ? (2): Não, não estava, nós é que estávamos fartos da guerra (António Graça de Abreu)

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CAOP 1 > Março de 1973 > O Alf MIl Graça de Abreu junto ao obus 14.

Guiné > Regiãod e Tombali > Cufar > CAOP 1 > Dezembro de 1973 > O Alf Mil Graça de Abreu, posando junto a um Allouette III, 3, ao aldo do piloto.

Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > CAOP 1 > Agosto 1972 > O Alf Mil Graça de Abreu numa DO 27.

Guiné > Região de Tombali > Caboxanque > Fevereiro de 1974 > O Alf Mil do CAOP 1, de Kalashnikov em punho.

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CAOP 1 > Novembro de 1973 > O Alf Mil Graça de Abreu, o segundo a contar da esquerda, com furriéis e soldados da Companhia de Caçadores 4740

Foto : © António Graça de Abreu (2008). Direitos reservados.
1. Texto enviado pelo António Graça de Abreu, em 24 de Abril:

Meu caro Luís Graça

Aqui vai a encomenda prometida (1).

Um abraço,

António Graça de Abreu


2. Todos temos dois anos - mais mês, menos mês - das nossas vidas passados em terras da Guiné. Foi o destino que nos calhou em sorte, entre 1963 e 1974. Quase todos nós embebemos o corpo e alma numa África quente, em sangue, exausta pela loucura dos homens, pelo desvairo dos tempos.

Passaram-se trinta, quarenta anos. Jamais esquecemos esse passado e hoje, simpáticos ex-combatentes da Guiné, sexagenários, alguns já septuagenários, fazemos das recordações um motivo forte para sentirmos bem o pulsar do coração.

Traumas todos temos. Permanece connosco a memória dos companheiros, brancos e negros, amigos e inimigos de então, que caíram a nosso lado, permanece a imagem de extrema pobreza das gentes da Guiné, a doença nos olhos e no corpo dos meninos cor de chocolate, o calor, a humidade, o suor, os meses, os anos de sofrimento e incerteza. Também temos a alegria de nos reencontramos, os batalhões, as companhias, os almoços anuais, a sã camaradagem tantos anos depois.

Até temos este excelente blogue do Luís Graça e Camaradas da Guiné onde extravasamos, por bem, muito do que nos vai na alma.

Tive a sorte de viver a Guiné entre 1972 e 1974, como alferes no Comando de Agrupamento Operacional nº 1 (CAOP 1), primeiro em Teixeira Pinto, depois em Mansoa e finalmente os últimos onze meses, até Abril de 1974, em Cufar, no sul do território.

Tive a sorte de, nesse período, a partir do nosso Comando Operacional, acompanhar por perto a actividade militar das 35ª e 38ª Companhias de Comandos, das companhias de comandos africanos, das companhias de pára-quedistas 122 e 123, dos destacamentos de fuzileiros no Cacheu e mais tarde no Chugué e em Cafal.

Tive a sorte de conhecer e de ser subordinado de alguns militares de excepção, como o coronel pára-quedista Rafael Ferreira Durão, o coronel pára-quedista João Curado Leitão, os majores João Pimentel da Fonseca, Mário Malaquias e Nelson de Matos.

Tive a sorte de conhecer o pessoal de outros batalhões e companhias espalhadas pelas zonas onde vivi. Destaco a minha CCAÇ 4740, de Cufar.

Tive a sorte e o privilégio de viver o intenso dia a dia com os meus soldados, de tentar conhecer as populações nativas, de procurar entender o PAIGC e os seus guerrilheiros.

Tive a sorte de, mesmo na Guiné, questionar a natureza política das guerras de África (o que me levantou problemas graves com os meus superiores), de não concordar com o regime que nos enviava para guerras contra os ventos da história e da razão, guerras politicamente perdidas desde o primeiro dia.

Tive a sorte, e o engenho, de escrever na altura um diário de guerra.

Em finais de 2006 decidi recuperar esses textos e publicá-los em livro. É o Diário da Guiné - Lama, Sangue e Água Pura, editado em 2007, em Lisboa, pela Guerra e Paz Editores (2). Os meus textos foram todos escritos em 1972, 1973 e 1974. Está lá o quotidiano desses anos, o correr dos dias e dos meses, as operações, os mortos, os feridos, as bebedeiras, o sofrimento e a alegria dos nossos vinte anos. Não é um livro de memórias (que tanta vez distorcem entendimentos e realidades), não é um diário cerzido agora cá como se o autor estivesse lá.

Por tudo o que acabei de referir, creio poder afirmar que, em 1973/74, (esta é a questão fundamental!, a guerra na Guiné não estava militarmente perdida, não era iminente a derrota militar do exército português. Se os guerrilheiros do PAIGC, com meios cada vez mais sofisticados, combatiam heroicamente pelo fim do colonialismo, pelo que acreditavam ser a liberdade da sua pátria, pela ideia de um futuro melhor, é verdade que não dispunham de forças militares capazes de derrotar o exército português.
Capa de Diário da Guiné, do nosso Camarada António Graça de Abreu, publicado em 2007, pela Guerra e Paz Editores. O livro foi escrito na Guiné, a partir das notas do seu diário e dos seus aerogramas. Foi alferes miliciano no CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74)


Vamos a factos.

(i) A 13 de Dezembro de 1973, em Cufar, sul da Guiné, escrevia eu no meu Diário:

“(…) Anteontem houve heli-assalto na nossa região. Vieram dez helicópteros, dois Nordatlas, um Dakota, duas DOS que transportaram pára-quedistas e comandos africanos. Os hélis saíam daqui e largaram as tropas directamente no mato num local pré-determinado junto à floresta onde se calculava estar escondida uma grande arrecadação de material de guerra.(…)” .

(ii) A 26 de Dezembro de 1973, em Cufar, sul da Guiné, escrevia no meu Diário:

“Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

"Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

"Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de 'Estrela Telúrica'. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a 'Estrela Telúrica' prolongar-se-á por mais uma semana.

"Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª [CCmds], fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a 'embrulhar', seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata, 1 com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

"Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DO, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

"Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

(…) "Natal, Tombali/ Cantanhez, sul da Guiné, ano de 1973, operação 'Estrela Telúrica'. Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.”


(iii) Como é possível o nosso amigo Beja Santos afirmar recentemente no nosso blogue, na crítica infeliz ao último livro do coronel Manuel Amaro Bernardo (3): “Em 1973/74 (…) o PAIGC passou a ter a total iniciativa entre o Norte e o Leste, em todo o espaço fronteiriço com a Guiné-Conacri” ?


(iv) Agora, e para concluir, algumas questões:

É ou não verdade que em 1973/74 (como em 1965 ou 1969!) a tropa portuguesa controlava todos os mais importantes centros urbanos da Guiné, também as vilas e a grande maioria das aldeias, com as respectivas populações?

Nas chamadas zonas libertadas, o PAIGC controlava populações de aldeias escondidas na floresta, que viviam em condições extraordinariamente difíceis, em casas de cana e colmo, sem energia eléctrica, sem assistência médica, com poucas e primitivas escolas, quase sem meios de transporte, sem arroz suficiente para o pão de cada dia, sujeitos a constantes ou esporádicos bombardeamentos da aviação portuguesa

É ou não verdade que a tropa portuguesa dispunha de mais de três dezenas de aviões e helicópteros, de umas dezenas largas de pistas de aviação (entre Maio de 1973 e Julho de 1973 os meios aéreos quase deixaram de voar, até se conhecer bem o funcionamento dos mísseis Strella ou Sam 7), de lanchas de desembarque grandes e médias, de zebros e sintex com motores potentes, de centenas e centenas de viaturas auto, de estradas asfaltadas, etc?

É ou não verdade que os guerrilheiros do PAICG dispunham apenas de canoas, movimentavam-se a pé e, numa guerra de guerrilha, atacavam aquartelamentos (disparavam as armas e fugiam, voltavam a refugiar-se no mato), faziam emboscadas à tropa portuguesa que se deslocava no território, colocavam minas anti-carro e anti-pessoal, defendiam valorosamente as suas aldeias quando o exército português se aproximava das Caboiana, Morés, Cantanhez, etc., os seus redutos nas zonas libertadas.

É ou não verdade que, em 1973/74, o número de efectivos do exército português rondava os 40.000 homens e os guerrilheiros do PAIGC não ultrapassavam os 7.000? O insuspeito Luís Cabral, primeiro presidente da Guiné-Bissau, afirmava a José Pedro Castanheira, em entrevista ao jornal Expresso, a 28.05.1998: “Havia tantos ou mais soldados guineenses no exército colonial do que no nosso próprio exército.”

É ou não verdade que, pós independência, os poderosos do PAIGC instalados em Bissau mandaram fuzilar centenas de comandos africanos e militares guineenses que haviam combatido ao lado dos portugueses? Porque o novo governo da Guiné Bissau era forte? Ou, pelo contrário, porque era fraco e esses homens, com uma capacidade e preparação militar superior constituíam uma ameaça para os novos poderes?

Para concluir, mais uma citação, esta de mais uma insuspeita pessoa, o cabo-verdeano Aristides Pereira em entrevista ao nosso amigo Leopoldo Amado, em 1998, transcrita pelo coronel Manuel Amaro Bernado no seu interessantíssimo (sobretudo pelos muitos dados que nos fornece) Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerrilheiros, Guiné, 1970 – 1980, Lisboa, Ed. Prefácio, 2007:

" (...) Leopoldo Amado: Por altura do 25 de Abril de 1974, o PAIGC tinha uma capacidade militar maior que as tropas coloniais?

"Aristides Pereira: Maior, não diria, na medida em que estavam bem apetrechadas, tinham uma logística mais bem montada que a nossa, para além de um número superior de efectivos do que nós. A verdade é que no fim o soldado português já estava mal; estava farto daquilo". (...)


Meus caros tertulianos e companheiros da Guiné. A guerra não estava militarmente perdida. Estávamos era fartos da guerra, de um conflito que não tinha solução militar. A solução era, sempre foi, política. Daí o 25 de Abril, um movimento militar com um claro objectivo de natureza política, derrubar o regime e acabar com as guerras em África.

O que veio depois, as tragédias subsequentes, são outra História.

Um abraço,

António Graça de Abreu
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Notas de L.G.:

(1) Vd. postes de:

17 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2767: A guerra estava militarmente perdida ? (1): Sobre este tema o António Graça de Abreu pode falar de cátedra (Vitor Junqueira)


14 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2760: Notas de leitura (8): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros... ou a guerra que não estava perdida (A.Graça de Abreu)

(2) Vd. postes de ou sobre o António Graça de Abreu e o seu livro:

5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor

6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)

12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)

27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)

16 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1601: Dois anos depois: relembrando os três majores do CAOP 1, assassinados pelo PAIGC em 1970 (António Graça de Abreu)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1668: In Memoriam do piloto aviador Baltazar da Silva e de outros portugueses com asas de pássaro (António da Graça Abreu / Luís Graça)

1 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1807: António Graça de Abreu na Feira do Livro para autografar o seu Diário: Porto, dia 2 de Junho; Lisboa, dia 10

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2414: Notas de leitura (5): Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (Virgínio Briote)

(3) Vd. postes de:

30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote

31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)